A “minirreforma” eleitoral em trâmite a toque de caixa no Congresso Nacional representa um desafio significativo para a tendência global de inclusão de grupos sub-representados na política. Enquanto outras esferas do governo, como o Executivo e o Supremo Tribunal Federal (STF), vêm demonstrando esforços em direção à inclusão e à promoção dos direitos das minorias, o Congresso parece estar ainda resistente em relação a esses avanços.
É importante ressaltar que a ala do Congresso Nacional que está impulsionando a “minirreforma” eleitoral não representa a totalidade dos legisladores, mas tem conseguido espaço para avançar com suas propostas conservadoras. O projeto de lei levanta questões cruciais sobre a direção que o País deseja seguir em relação à inclusão de minorias na política.
A inclusão e diversidade na política não são apenas preocupações internas; elas estão alinhadas a um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas: o ODS 10, que visa a reduzir as desigualdades dentro e entre os países. Em um mundo que busca promover a igualdade, o respeito à diversidade e a participação de todos na tomada de decisões, a inclusão e a diversidade são vistas como um caminho essencial para alcançar uma sociedade mais justa e equitativa.
Enquanto parte do Congresso Nacional parece continuar em marcha a ré em relação à inclusão na política, outros poderes do Estado estão adotando medidas que vão exatamente na direção oposta.
O Supremo Tribunal Federal tomou, nessa quinta-feira, uma decisão importante em relação ao chamado “Marco Temporal”. Essa decisão foi vista como uma vitória para as populações indígenas, uma vez que estabeleceu que os direitos territoriais dessas comunidades não estão condicionados a uma data específica, mas sim à sua ocupação histórica das terras. Ela contrasta com a “minirreforma” eleitoral em discussão no Congresso, que levanta preocupações sobre a representatividade desses grupos na política.
O Poder Executivo também tem promovido programas e políticas que buscam incluir grupos historicamente marginalizados na tomada de decisões. Agências ligadas aos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, por exemplo, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), têm se empenhado em implementar iniciativas para a inclusão de negros, mulheres e outros grupos sub-representados na pesquisa e na academia em seus projetos.
A inclusão de negros, indígenas, mulheres e outros grupos na política é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Essa diversidade de perspectivas e experiências enriquece o processo democrático e promove a tomada de decisões mais equilibrada e representativa.
O Brasil ganhou muito com as cotas da inclusão social no ensino superior, bem como na administração pública. Falta, porém, garantir que, também, os poderes eleitos tenham uma representação adequada da sociedade brasileira, com sua diversidade e riqueza, de modo que aquilo que ao longo dos séculos foi visto como um déficit, se torne um superávit, ou seja, que as populações indígenas, negras e as mulheres tenham uma representação significativa, pelo menos nos órgãos de preenchimento proporcional pelo voto – a saber, as câmaras de deputados, assembleias legislativas e câmaras municipais. Sem dúvida, no momento em que os negros tiverem uma representação forte nos parlamentos, não haverá mais as políticas de massacre nas favelas que hoje vemos. E quando as mulheres tiverem uma representação adequada, nos mesmos órgãos de preenchimento proporcional, também uma série de medidas preconceituosas contra as mulheres vão acabar. Por isso, é muito importante que, ao contrário da minirreforma eleitoral agora em votação e, sobretudo, da anistia, pelas infrações à lei cometidas pelos partidos – medidas que vão na contramão do bom senso e da dignidade -, prevaleçam medidas que ajudem o Brasil a reconhecer sua diversidade e a torná-la um trunfo na sua história.
Na editoria especial do JCN desta sexta-feira, chamamos a atenção para o fato de que a representatividade é essencial para uma democracia verdadeiramente inclusiva e justa. É fundamental que a sociedade esteja atenta a essa discussão e se mobilize para garantir que as mudanças no sistema eleitoral não restrinjam a participação de minorias na política. A busca pela inclusão é um objetivo que deve ser perseguido em todas as esferas do poder, e a reforma eleitoral não deve ser uma exceção a essa regra.
Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC
Fernanda Sobral, diretora da SBPC
Veja abaixo as notas do especial da semana – Reforma eleitoral
Folha de S. Paulo, 21/09/23 – Senadores pressionam por reforma eleitoral apesar de Pacheco ser contra ‘açodamento’
Estadão, 22/09/23 – “Especialistas” preparam a “minirreforma” eleitoral 2023
Agência Câmara, 20/09/23 – Comissão adia análise de PEC com perdão a partidos que descumpriram cotas de mulheres e negros
O Cafezinho, 19/09/23 – Reforma eleitoral e partidária promove profundo retrocesso
Folha de S. Paulo, 18/09/23 – Minirreforma eleitoral: o que está em jogo?
Correio Braziliense, 17/09/23 – Candidaturas de mulheres e negros sob ataque em propostas no Congresso
Poder360, 19/09/23 – Bancada feminina é contra texto atual da minirreforma eleitoral
Revista Fórum, 13/09/23 – O que muda na reforma eleitoral que deve diminuir recursos para candidatos negros
O Globo, 13/09/23 – Enquanto partidos tentam mudar a lei, 90% dos brasileiros defendem equilíbrio entre homens e mulheres no Congresso
CartaCapital, 14/09/23 – Por que as novas regras da minirreforma eleitoral podem prejudicar a participação de minorias na política
Uol, 13/09/23 – Minirreforma eleitoral alivia punição a políticos e enfraquece cota feminina
Correio Braziliense, 27/08/23 – Congresso é um espelho distorcido da sociedade
Correio do Povo, 21/09/23 – Minirreforma Eleitoral: mais um desafio para a participação feminina na política
Diário do Nordeste, 18/09/23 – Prevalência de homens em espaços públicos de poder não é mero acaso
Uol, 03/03/23 – Presença de mulheres no Congresso brasileiro é inferior à média mundial
Folha de S. Paulo, 11/02/23 – Mulheres ocuparam menos de 10% dos cargos de comando do Congresso nos últimos 20 anos