Que a cidade de São Paulo apresenta altos níveis de poluição do ar não chega a ser uma novidade. Apesar de as partículas poluentes atingirem moradores do município de uma maneira geral, a toxicidade não é igual para todos. O alerta foi dado pelo patologista Paulo Hilário Nascimento Saldiva, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em palestra realizada na quarta-feira, 24, na 71a Reunião Anual da SBPC.
A capital paulista apresenta uma concentração média anual de partículas inaláveis — aquelas finas o suficiente para entrar no trato respiratório e se depositar no pulmão — de 29 microgramas/m3, de acordo com dados da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). De acordo com Saldiva, a exposição a essa poluição, a que todos os moradores de São Paulo estão sujeitos, equivale a fumar de 4 a 5 cigarros por dia durante toda a vida — mesmo que você não seja fumante.
Em corredores de ônibus como o da avenida 9 de julho, que tem grande movimento, no entanto, os níveis de concentração dos poluentes podem chegar a 500 microgramas/m3. “As novas chaminés das cidades são as avenidas”, afirma o médico, que também é diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Se considerada a distribuição geográfica da poluição no município, as emissões e as concentrações de partículas poluentes são maiores na região central. Mas as taxas de doenças relacionadas à poluição do ar são maiores na periferia, como é o caso da antracose, lesão pulmonar caracterizada por uma pigmentação escura causada pelo acúmulo de carbono. “Aquela nuvem de poluição é contínua, mas o quanto você leva para casa está relacionado com o seu CEP”, afirma Saldiva.
Segundo o pesquisador, isso acontece porque a toxicidade da poluição, ou seja, o quanto ela afeta cada pessoa, depende do nível de vulnerabilidade daquele indivíduo, como o quanto ele fica exposto ao trânsito, por exemplo. E os moradores da periferia da cidade, que geralmente passam horas por dia em trajetos de deslocamento para o trabalho, muitas vezes em corredores de ônibus, estão mais suscetíveis. “A poluição também é desigual”, lamenta.
Estudo recente realizado na Alemanha mostra que a poluição atmosférica também está relacionada com a incidência de doenças cardiovasculares. De acordo com a pesquisa citada por Saldiva, o risco de infarto aumenta conforme for maior a exposição do indivíduo ao tráfico e à poluição nas horas anteriores ao evento.
E, de fato, a desigualdade da toxicidade da poluição alertada por Saldiva também se reflete na distribuição geográfica de mortes decorrentes de doenças cardiovasculares na cidade de São Paulo. Estudo recente realizado na USP mostra que, entre 2013 e 2016, as áreas que concentravam as maiores taxas de óbito por doenças isquêmicas do coração e cerebrovasculares, como o acidente vascular cerebral (AVC), por exemplo, estão nas zonas mais periféricas da cidade.
“A expectativa de vida em São Paulo é determinada pelo preço do metro quadrado”, constata Saldiva. Se considerados fatores como violência, mas também outros relacionados à saúde, como visto acima, a média de idade ao morrer pode variar em 25 anos entre a periferia e a região central da capital paulista. Em bairros mais centrais e com maiores níveis socioeconômicos como o Jardim Paulistano, por exemplo, a expectativa de vida é de 79,4 anos. No Jardim Ângela, mais periférico, por sua vez, a média cai para 55,7 anos.
Nos Estados Unidos, cidades que conseguiram diminuir as taxas de poluição atmosférica conseguiram aumentar a expectativa de vida de seus moradores. Estudo publicado na New England Journal of Medicine avaliou a qualidade do ar em 55 comunidades norte-americanas e constatou que, a cada 10 microgramas/m3 de material particulado reduzidos na atmosfera, ganha-se 1,2 ano de expectativa de vida na população.
Políticas públicas, portanto, são necessárias para reverter esse cenário, mas Saldiva se diz pouco esperançoso nesse sentido. “Pensar o que é bom para o todo depende de princípios e valores”, o que, segundo o pesquisador, está em falta na classe política do país.
Para Saldiva, é mais provável que a mudança aconteça “de baixo para cima”, por mudanças culturais que chegam com as novas gerações. E isso já vem acontecendo: se na década de 1970 o que valorizava um imóvel, entre outras características, era o número de vagas para carros, hoje a proximidade do imóvel a uma estação de metrô conta mais.
“Eu tenho confiança nessa nova geração. Foi isso que vi aqui, esse monte de gente jovem, que vem à [Reunião Anual da] SBPC discutir ciência para uma sociedade melhor e mais justa”, finaliza.
Ana Paula Morales, especial para o Jornal da Ciência