Você sabia que:
– a Constituição catarinense de 1989 considera dever do estado a promoção, o incentivo e a sustentação do desenvolvimento científico?
– essa mesma Constituição, em seu Artigo 193, bem como a Lei da Inovação 14.328 de 2008, determinam que o estado de SC destinará pelo menos 2% de suas receitas à pesquisa científica e tecnológica, sendo metade à Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) e a outra metade à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc)?
– a Fapesc é a agência executora da política estadual de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) para o avanço de todas as áreas do conhecimento?
– a SBPC, que tem 139 sociedades científicas associadas, é a maior organização científica do Brasil e luta, há quase 70 anos, pelo aperfeiçoamento do sistema nacional de CT&I e pela popularização da ciência?
A crise do sistema nacional de CT&I:
Você deve estar acompanhando, pelos jornais ou redes sociais, aquela que já pode ser considerada como a maior crise da história da ciência brasileira. Em 2017, com os cortes sem precedentes, chegamos à beira do abismo e, em 2018, cairemos nele, se não revertermos o cenário atual. Apresentamos a seguir alguns dados que indicam a possibilidade real de desmonte de um sistema de CT&I construído a duras penas ao longo das últimas décadas.
Enquanto países que enxergam a ciência como motor de desenvolvimento aplicam no setor de 2 a 3% de seu PIB, o Brasil mantinha seus investimentos em CT&I, desde o começo do século XXI, entre 1 e 1,3%. No entanto, se os recursos destinados para custeio e investimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) eram da ordem de 8,6 bilhões de Reais em 2010 (dados da Finep corrigidos pelo IPCA), em 2016 eles caíram pela metade e em 2017 atingiram a incrível marca de 3,2 bilhões de Reais apenas. Para 2018, em relação ao previsto inicialmente para 2017, está previsto um corte de mais 19,5% no orçamento geral do MCTIC (que hoje engloba as Comunicações). Lembrando, ainda, que em 2017 houve um contingenciamento da ordem de 35% nos recursos do MCTIC para custeio e investimento.
Como está Santa Catarina?
O cenário estadual também é preocupante. Veja, por exemplo, no gráfico abaixo (extraído do Plano Plurianual da Secretaria de Estado da Fazenda), a evolução das despesas da Fapesc com investimento científico entre 2010 e 2015. Percebe-se que o exercício de 2015 contou com investimentos próximos da metade daqueles alocados entre os anos 2010 e 2012.
Vejamos agora o que aconteceu a partir de 2016. O gráfico a seguir, baseado em dados fornecidos pela Fapesc, mostra o orçamento total aprovado para nossa fundação em 2016 e 2017 e aquele que está previsto para 2018, que representa uma queda de 46% em relação a 2017. Portanto, salvo melhor juízo, do 1% previsto constitucionalmente para a Fapesc, temos orçamentos que representam apenas 0,67% em 2017 e 0,36% em 2018, em relação ao orçamento global do estado, que girou em torno de 26 bilhões em ambos os anos.
Mais grave, no entanto, é o fato de que os baixos valores orçados são sistematicamente reduzidos a valores muito menores. No caso, a 30 milhões de Reais, tanto em 2016 quanto em 2017 (Fonte: Fapesc), representando cortes de mais de 80%. Temos assim, no caso de 2017, um valor efetivamente disponibilizado para a Fapesc próximo de 0,1% do orçamento global do estado. Cabe lembrar que, segundo os dados fornecidos, os fundos estaduais representam cerca de 70% dos recursos totais da fundação, que contam ainda com fundos federais e empresariais e que valores adicionais, referentes a projetos especiais, podem ser aportados pelo próprio tesouro estadual ao longo do ano.
De acordo com o Portal da Transparência (http://www.transparencia.sc.gov.br/despesa), os montantes efetivamente empenhados e pagos pelo governo do estado à Fapesc em 2016 ficaram em torno dos 47 milhões de Reais, ou seja, 0,23% do total gasto pelo governo naquele ano. Como podemos observar, os dados são complexos e há diferentes formas de interpretá-los. No entanto, apesar de estarmos apenas começando a tentar entendê-los, parece inequívoco que os preceitos constitucionais não estão sendo aplicados.
Como os recursos são investidos?
De acordo com o Plano Plurianual 2016-2019, citado acima, o estado destinaria cerca de 60% de seu orçamento de C&T ao item “Desenvolvimento Científico”. Os dados nos sugerem, no entanto, que essa proporção tem sido mais baixa. Vemos, nas figuras a seguir, que, tanto nos valores orçados quanto naqueles de fato repassados à Fapesc, os maiores cortes parecem estar sendo impostos ao item “Desenvolvimento Científico”. Entre 2016 e 2017, este tipo de repasse teria sofrido queda de 54%, enquanto o item “Inovação” teria aumentado em 125%.
Devemos considerar que esta evolução se baseia em dados fornecidos antes do término do exercício, não sendo, portanto, definitivos. Entretanto, essa tendência nos levanta dúvidas e preocupações que precisarão ser oportunamente esclarecidas e debatidas. Precisaremos compreender melhor, por exemplo, que projetos se enquadram em cada uma dessas categorias. Se entendermos a inovação como a geração de processos, bens ou serviços que se situam na extremidade mais aplicada da longa cadeia do conhecimento, percebemos que, ao mesmo tempo em que é um elo essencial na relação ciência-sociedade, não há inovação que se sustente a longo prazo sem o devido investimento nas várias áreas do conhecimento, que compreendem todo um espectro de pesquisas, das mais básicas às mais aplicadas. Cabe ao poder público a garantia de que nenhum elo dessa corrente se rompa, com especial atenção ás área básicas, que são o pilar do pensamento científico crítico. Afinal, pela pressa em se obter os “ovos de ouro”, não seria prudente matarmos a “galinha” que os origina.
A Secretaria Regional de SC
No último dia 20 de julho, durante a 69ª Reunião Anual da SBPC em Belo Horizonte, a Secretaria Regional da SBPC em SC voltou a existir. Tais secretarias existiam em vários estados e os catarinenses também tinham tido a sua, que foi atuante e influente, mas aos poucos ela perdeu seu vigor, até ficar, a partir de 2011, sem nenhuma representação. Na Reunião de Belo Horizonte, foram empossados os novos Secretários Regionais, os professores André Ramos (UFSC-Florianópolis) e Luiz Cláudio Miletti (UDESC-Lages), após terem sido devidamente eleitos.
Entendemos que SC, por suas características sociais, geográficas e econômicas, um dos primeiros estados a dar sinais de saída da recessão, precisa assumir um papel de liderança também no desenvolvimento científico do País. Acreditamos que a ciência, como um bem público, deva estar na base do desenvolvimento de nossa sociedade. A exemplo do que consta em diversas leis e documentos do próprio governo estadual, precisamos fomentar uma ciência de excelência que, entre outras coisas:
– promova a cidadania, através da geração e democratização do conhecimento;
– contribua para melhorar as condições de vida da população;
– busque soluções para o desenvolvimento socioeconômico do estado;
– contribua para a redução das desigualdades;
– estimule o caráter inovador da sociedade catarinense;
– aponte para o uso racional e não-predatório dos recursos naturais, recuperando e preservando nosso meio-ambiente;
Nesse sentido, estamos dando início a um movimento catarinense de defesa da ciência, envolvendo pesquisadores, professores, estudantes e demais cidadãos interessados. Já estamos nos reunindo com representantes dos poderes executivo e legislativo. Realizamos duas reuniões ampliadas em Florianópolis e iniciaremos um circuito de reuniões nas demais regiões do estado, visando elaborar um diagnóstico e construir uma pauta de ações para a SBPC em SC.
Se você deseja juntar-se a nós na luta por uma Política de Estado arrojada, transparente e permanente de fomento à pesquisa, tanto básica quanto aplicada, filie-se à SBPC preenchendo o formulário online http://www.sbpcnet.org.br/socios/servicos/cadastro.asp. Se você tem interesse em apenas receber nossos comunicados e notícias, envie um e-mail para sbpc.sc@sbpcnet.org.br.
Sobre o autor:
André de Avila Ramos é professor do Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Coordenador do Projeto Imagine e Secretário Regional da SBPC-SC