Em quatro décadas, a produção brasileira de grãos aumentou cinco vezes, colocando o País como atual segundo produtor mundial de alimentos. A produtividade de trigo e de milho, por exemplo, aumentou 340%. Nesse mesmo período, a produção brasileira de carne cresceu 59 vezes. “Tudo isso, essa transformação da agropecuária brasileira só foi possível por causa da ciência”, afirma Bruno Brasil, secretário de Pesquisa e Desenvolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Brasil participou de mesa redonda na segunda-feira, 22, na 71a Reunião Anual da SBPC, cujo tema foi os impactos econômicos e sociais da ciência e da tecnologia. A sessão também contou com palestras de Luis Antonio Rodrigues Elias, ex-secretário executivo do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação (MCTIC), e Sabine Righetti, pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Tecnologia que fortalece a economia
O setor agropecuário é hoje responsável por cerca de um quarto do produto interno bruto (PIB) brasileiro e emprega 37% da força de trabalho nacional. “Uma em cada três pessoas que estão aqui hoje vai trabalhar, ou já trabalha, no setor agropecuário”, ressalta Brasil. E, segundo o pesquisador, há projeção de crescimento ainda maior, de forma que o país tenda a de fato se tornar o celeiro do mundo.
Atualmente, 30% das terras brasileiras são utilizadas para uso agropecuário. O expressivo aumento da produtividade agrícola nacional, no entanto, não se deu somente pelo crescimento da área cultivada, mas principalmente pelo desenvolvimento e emprego de tecnologias no setor. “A área cultivada aumentou muito pouco se comparada ao ganho de produtividade que nós tivemos”, afirma Brasil. E, segundo o pesquisador, nenhum fator explica mais esse crescimento do que a inserção de conhecimento e de tecnologia nas cadeias produtivas.
Um exemplo de tecnologia nacional que contribuiu para a transformação do setor agropecuário é a técnica de fixação biológica do nitrogênio, desenvolvida por Johanna Döbereiner (1924-2000). Os estudos da engenheira agrônoma, que era pesquisadora da Embrapa no Rio de Janeiro, permitiram substituir o emprego de fertilizantes para a correção da acidez do solo. “Só na safra de 2017/2018, isso [a fixação biológica de nitrogênio] levou a uma economia de mais de 19 bilhões em custo de produção”, contabiliza Brasil.
A tecnologia contribui ainda para a mitigação de emissão de gases do efeito estufa, já que é de base biológica, enquanto o fertilizante nitrogenado químico é derivado de gás natural, de base fóssil. Os trabalhos de Johanna Döbereiner sobre a fixação biológica de nitrogênio renderem a ela uma indicação ao Prêmio Nobel em 1997.
Parcerias com impacto social e ambiental
De acordo com Brasil, para cada Real investido na Embrapa em 2018, R$ 12,16 retornaram para a sociedade brasileira na forma de emprego e renda. Para se ter uma ideia, somente no ano passado esse lucro social foi de R$ 42 bilhões. “Em 2018 foram 69 mil empregos diretos criados pela incorporação dessas tecnologias no ambiente produtivo”, enfatiza.
As tecnologias desenvolvidas na Embrapa, segundo Brasil, são aplicadas na agropecuária brasileira por meio de parcerias público-privado e também pela concessão pública para pequenos produtores. Além do aumento de produtividade, buscam-se também impactos ambientais e sociais positivos. Um exemplo é o conceito Carne Carbono Neutro, desenvolvido pela Embrapa e que já está sendo aplicado por uma das maiores companhias de alimentos à base de proteína animal do mundo. O emprego da técnica, de acordo com o especialista, além de permitir a mitigação da emissão de gases do efeito estufa na produção pecuária, diminui as barreiras não tarifárias da exportação brasileira, “principalmente para a Europa, cujo mercado é mais exigente”.
As parcerias também acontecem na ponta inicial do processo, ou seja, no desenvolvimento de novas tecnologias. Nos últimos cinco anos, segundo Brasil, a Embrapa colaborou com 80% das universidades brasileiras em publicações científicas conjuntas — configurando a instituição não acadêmica que mais colabora com universidades no país.
Brasil cita diversas outros exemplos de tecnologias desenvolvidas pela Embrapa e parceiros que já estão sendo empregadas no setor agropecuário brasileiro, como técnicas de recuperação de pastagem, uma tecnologia para a automatização da análise de solo, um aplicativo para monitoramento e apoio para tomadas de decisão na cadeia produtiva do leite e um programa de manejo de baixo custo de recursos hídricos que já beneficia milhares de pequenos produtores.
Se as tecnologias produzidas no país permitiram tamanho aumento na produtividade agropecuária brasileira, as projeções de crescimento dependem também da continuidade das pesquisas e da produção de conhecimento na área. “Ciência não é gasto, é investimento — no presente e no futuro”, defende Brasil.
Ana Paula Morales, especial para o Jornal da Ciência