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Num país com desigualdades como o Brasil, como fazer que essas assimetrias estejam na concepção das políticas científicas? Esta foi uma questão que a Reunião Regional da SBPC no Espírito Santo, realizada de 19 a 21 de fevereiro na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) buscou tentar responder.
Na mesa-redonda “Políticas científicas para corrigir as assimetrias regionais”, realizada na última sexta-feira (21/02), pesquisadores e representantes de agências de fomento do País se propuseram a trazer caminhos que coloquem a Ciência como precursora de ações sociais em prol da igualdade.
A mesa foi coordenada por Paulo Artaxo, vice-presidente da SBPC, e contou com as presenças de Helena Nader, presidente de honra da entidade e presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC); Ricardo Galvão, presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico); Rodrigo Varejão Andreão, presidente da Fapes (Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo), e Luiz Davidovich, representante da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Na abertura, Artaxo ponderou: “Para resolver assimetrias, precisamos olhar para a diversidade da Ciência”.
Iniciando as falas, a presidente da ABC e presidente de honra da SBPC, Helena Nader, afirmou que a redução de assimetrias nas políticas científicas só surgirá por meio de uma abordagem multifacetada, que combine programas já existentes com novas iniciativas. Segundo a especialista, essa integração de esforços tem que vir de governos com setor privado, academia e sociedade civil.
Nader também ponderou que é necessário que o País tenha retornos concretos das políticas científicas que realiza. “O Brasil tem que começar a fazer avaliação. Avaliação não sobre quantos papers publica ou citações possui, mas avaliação do impacto dos programas. Nós não temos isso. E se nós não fizermos isso de uma forma clara, não resolveremos a questão.”
A cientista listou alguns possíveis caminhos. O primeiro, atrelado com a questão de avaliação das políticas, é a criação de um Sistema de Monitoramento de Indicadores Regionais de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Já o segundo ponto é a criação de uma Rede Nacional de Colaboração em CT&I. “Os INCTs [Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia] já fazem isso, mas eu diria que é necessária uma forma diferente, que promova a conexão entre universidades.”
Outro ponto é a criação de mais programas que estimulem a mobilidade científica interna, a qual Nader descreveu como “um programa Ciência Sem Fronteiras dentro do próprio Brasil”. Por fim, o último caminho seria a construção de uma base orçamentária própria para a questão, um Fundo Nacional para a Redução de Assimetrias de CT&I.
O presidente do CNPq, Ricardo Galvão, corroborou as falas de Nader e trouxe algumas ações da agência de fomento federal que buscam mudar este panorama. A primeira ação é o Programa RHAE, divulgado em 2024 e que busca inserir mestres e doutores em 200 empresas de pequeno e médio porte.
“É um programa criado não só para que se tenha mais emprego, mas para que a universidade caminhe para o novo modelo da economia do conhecimento, que é a Inovação acionada pela Ciência”, destacou Galvão.
O especialista também complementou a lista de caminhos contra assimetrias na CT&I encabeçada por Nader. Para ele, um dos focos das políticas científicas deve ser o aprimoramento dos consórcios regionais de programas de pós-graduação. “A gente fala muito em programas de pós-graduação criados em rede, mas temos que ser menos burocráticos, e isso é urgente.”
Galvão também destacou a necessidade de melhorias no sistema para abertura de chamadas conjuntas entre agências de fomento federais e estaduais. No caso da atuação do CNPq em si, ele listou a necessidade de retomada de programas dedicados a projetos e grupos de pesquisas ainda não-consolidados, como o Programa Primeiros Projetos (PPP) e o PRONEM, que estão parados desde 2018. A questão, hoje, são os impasses na aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA).
“Nós buscamos relançar o PPP e o PRONEM, mas com uma estratégia de priorizar instituições mais afastadas dos grandes centros. Infelizmente, o Ministério do Planejamento cortou a nossa proposta [na LOA] e botou R$ 200 milhões. Mas estamos lutando, eu vou conversar com o presidente da Comissão Mista do Orçamento, para ver se restaura pelo menos parte dos nossos recursos”
Galvão também apontou a necessidade de revisão da política que atribui a reserva de recursos em editais para projetos das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte. Segundo ele, do modo que a lei é concebida, os recursos estão sendo distribuídos de forma desigual entre estas regiões. “Precisamos olhar para este recurso separando-o em frações específicas para atender as demandas de cada uma dessas regiões.”
O presidente do CNPq também defendeu mais programas de mobilidade interna de pesquisador, como Helena Nader afirmou anteriormente, reforçando parcerias com as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs), além da criação de mais iniciativas que estimulem a presença de professores visitantes internacionais.
Seguindo com o debate, o presidente da Fapes, Rodrigo Varejão Andreão, falou da evolução dos programas de pós-graduação no Espírito Santo em comparação com o resto do País. Andreão destacou futuros editais que serão abertos para o estado em parceria com a Finep, e que devem ser divulgados no decorrer deste ano.
O presidente da Fapes afirmou que o estado do Espírito Santo, apesar de viver um crescimento científico, ainda carece de estruturas de ensino e pesquisa. Formatos já consolidados no território brasileiro ainda não chegaram à região, como INCTs e parques tecnológicos. “Participamos dos últimos editais e enviamos seis propostas de INCTs e uma para parque tecnológico, todas passarão por análise”.
Andreão afirmou que o caminho para a redução de assimetrias é o fortalecimento do diálogo entre instituições. “É necessário o esforço estadual e o esforço federal. Se todos cumprirem as suas parcelas de contribuição, certamente nós vamos mitigar essa questão.”
Encerrando as falas, o representante da Finep, Luiz Davidovich, apresentou dados sobre os recursos que a entidade destinou no comparativo de 2002 e 2024. “Houve um crescimento da região Sul, mas as outras regiões também encolheram”, ponderou.
Davidovich listou alguns caminhos que a entidade vem realizando para a redução de desigualdades. O primeiro é o estímulo a colaborações internacionais, principalmente com países amazônicos. O segundo é o estímulo a laboratórios de purificação de insumos provenientes da biodiversidade da Amazônia e do Cerrado. E, por fim, a promoção do desenvolvimento tecnológico e mecanização da agricultura familiar na região do semiárido nordestino.
Desigualdades para além da Ciência
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As reflexões sobre redução de assimetrias pautaram também outras atividades da Reunião Regional da SBPC no Espírito Santo. Foi o caso da conferência “A política social como uma forma de combate à desigualdade entre territórios”, coordenada pela diretora da SBPC, Fernanda Sobral, e com apresentação do professor da Ufes, Rogério Naques Faleiros, ocorrida na última sexta-feira (21/02). “A questão social, mesmo quando se fala de clima, oceano, economia verde, aparece sempre”, pontuou Sobral, na abertura.
Em sua palestra, Rogério Naques Faleiros afirmou que não dá para falar de desigualdade sem entender que existe uma retroalimentação de cenários desiguais, que são a base do capitalismo. O especialista também ponderou que o maior exemplo da desigualdade é a situação ambiental do País e do mundo. “Qualquer saída ou resolução das questões ambientais pressupõe que se produza menos e que se consuma menos, o que é absolutamente incompatível com a natureza expansiva do Capital. Aliás, a questão ambiental está estritamente ligada ao capitalismo.”
Para o olhar às políticas sociais, Faleiros trouxe os investimentos do Brasil em benefícios previdenciários, Bolsa Família, abono e seguro-desemprego nos últimos anos, que seguem estáveis. “Essa estabilidade denota que o orçamento brasileiro destinado à política social sofre de um verdadeiro congelamento, em um contexto no qual os desafios são crescentes.”
O especialista concluiu que as reduções das assimetrias sociais começam com a sociedade olhando para as atuais problemáticas que conduzem este panorama. “A gente vive um mundo com muitos desafios. Vivemos um padrão de acumulação que, embora tecnológico, não incorpora pessoas. A gente vive num mundo onde a utilização dos recursos naturais ocorre de maneira muito desigual, principalmente entre países. E também vivemos num mundo onde a questão climática parece uma questão de antropoceno, mas é uma questão de imperialismo.”
A mesa-redonda “Políticas científicas para corrigir as assimetrias regionais” e a conferência “A política social como uma forma de combate à desigualdade entre territórios” estão disponíveis na íntegra no canal da SBPC no YouTube.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência