Apagão na ciência

Cerca de cinco anos de pesquisas científicas estão condenadas por conta da política errônea do governo. Os recursos do FNDCT, de R$ 5,1 bilhões, estão represados e as universidades perdem pesquisadores por falta de bolsas

É desanimador o cenário que se encontra a ciência e a tecnologia brasileira. A atual estratégia de estrangular os investimentos é a mais perversa desse século no País. Na contramão das necessidades advindas com a pandemia da Covid, o governo federal não investe o necessário e ainda promove cortes bilionários nos recursos para o setor. A primeira consequência é o desestímulo aos pesquisadores que já abandonam o Brasil. Nas universidades, o sucateamento é visível. Órgãos que financiam as pesquisas tiveram recursos diminuídos e novas bolsas são raras. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) teve seu orçamento diminuído de R$ 4,2 bilhões (2019) para R$ 1,9 bilhão (2021). Em meio à escassez de recursos, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, demitiu o presidente da Capes, Benedito Guimarães Aguiar Neto. Por sua vez, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) passou de R$ 1,2 bilhão (2019) para R$ 560 milhões (2021), menos da metade. As duas instituições são as mais importantes no incentivo à pesquisa científica dentro das universidades. O presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, Rodrigo Cunha (PSDB-AL), compreende a gravidade da situação. “Se estivéssemos em tempos normais, isso já seria uma lástima”. Mas, em meio à pandemia, a política utilizada pelo governo vai causar um apagão na ciência em muito pouco tempo.

O desenvolvimento científico sofrerá atraso de cinco anos, conforme projeta a pró-reitora de pós-graduação e professora do Instituto de Medicina da Unifesp, Lia Bittencourt. O ciclo de pesquisa de um doutor é de quatro ou cinco anos e sem novos pesquisadores um ciclo inteiro será perdido. A professora enxerga um déficit proposital. “O investimento em educação coloca as pessoas em outro nível de discernimento e de questionamento. E esse governo não quer isso”, afirma. Lia também lembra que essa política traz um prejuízo imediato de cérebros e inovação. “Muitos alunos vão embora para outros países que valorizam a pesquisa. A gente está perdendo esse patrimônio”. É exatamente o que aconteceu com o doutorando em biologia molecular, Luiz Gustavo Nogueira de Almeida, 27 anos. Ele foi para o Canadá em 2019. Hoje, recebe uma bolsa de 2.500 dólares canadenses, o equivalente a R$ 11.300, na University of Calgary. Aqui, a bolsa de estudos é de R$ 2.200 e não tem reajuste algum desde 2013. No Brasil, ele fez o mestrado na USP e sente certa frustração. “A gente fica triste porque podia desenvolver aqui tudo o que aprendeu para o País, mas não há como sustentar a pesquisa no Brasil”, lamenta. Almeida diz que no Canadá todo pesquisador tem automaticamente uma bolsa de estudo e, apesar da saudade, pretende ficar por lá: “me vejo construindo minha vida por aqui”.

O abandono da ciência tem como método por parte do governo Bolsonaro, destruir qualquer possibilidade de construir uma carreira acadêmica. A pró-reitora de pós-graduação e professora do Instituto de Química da UFRJ, Denise Freire, chama de “natimortos” os novos cursos de pós-graduação que são criados. Sem estímulo financeiro, não há chance de prosperar qualquer inovação. Outra ameaça paira sobre os alunos de graduação. “As bolsas de iniciação científica sempre foram primordiais para preparar os próximos cientistas, mas elas quase não existem mais”. Denise aponta a experiência da China como exemplo. “Não precisa ser muito brilhante pra entender o sucesso obtido pela China depois de investir em tecnologia e pesquisa científica”. O senador Fabiano Contarato (REDE-ES) também condena o que chama de “política de governo” contra a ciência. Contarato diz que “com mais esse retrocesso, o Governo suprime qualquer oportunidade de progresso para as futuras gerações”.

Artimanha do governo

Os problemas de investimentos em ciência e tecnologia já estariam resolvidos não fosse uma artimanha do governo. Segundo o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Ildeu de Castro Moreira, existem recursos de R$ 5,1 bilhões destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), “mas basta que o governo cumpra a lei e não contingencie a verba com base na Lei 177/21”. Bolsonaro vetou parte da lei que deixava indisponível a verba do Ministério da Ciência e Tecnologia e teve o seu veto derrubado pelo Congresso. O estratagema utilizado foi promulgar o orçamento em 25 de março, um dia antes do veto do presidente ser derrubado. Os recursos sempre foram o suporte para a tecnologia do ponto de vista público e privado. Novos laboratórios e a continuidade de pesquisas dependem desse dinheiro que o governo federal tem repassado para outras pastas. Na disputa por recursos, a ciência está no fim da fila de prioridades do governo Bolsonaro.

IstoÉ