Somente se o Brasil validar o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e assegurar a continuidade das políticas é que teremos mais 200 anos de crescimento acadêmico. Este é o principal diagnóstico de uma série de debates realizados durante a Reunião Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorre até hoje na Universidade Federal do Piauí (UFPI), em Teresina, e no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI), em Campo Maior.
Intituladas “Pontapé para o próximo Bicentenário”, as duas mesas-redondas contaram com as presenças de representantes do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), da Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) e da Fapepi (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí).
Realizada na segunda-feira (13/03), a primeira mesa teve como tema o debate sobre políticas públicas para a pesquisa científica e tecnológica no Brasil e contou com as participações do diretor de Programas e Bolsas da Capes, Laerte Guimarães Ferreira Junior; do diretor científico do CNPq, Olival Freire Junior; e do professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Anderson Stevens Leônidas Gomes. A mediação foi do presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Renato Janine Ribeiro.
Ferreira Junior abordou a estrutura do Sistema Nacional de Pesquisa e Pós-graduação, composto por CNPq, Capes, Finep e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), uma estrutura mais organizada do que em muitos países:
“Esse sistema fabuloso de pesquisa e pós-graduação que temos é um sistema resiliente. Ele responde muito rápido aos estímulos positivos. Esse sistema, com todo o descaso à ciência nacional, à educação, com todos os ataques que sofremos [nos últimos anos], ele continuou em movimento”, pontuou.
O diretor da Capes afirmou que, ao todo, a agência disponibilizará 110 mil bolsas em 2023, sendo 104 pela Diretoria de Programas e Bolsas, e 6 mil correspondentes ao Programa de Relação Internacional. O especialista também destacou o aumento de 40% nos valores destas bolsas, e respostas a algumas demandas exigidas pela SBPC desde as últimas eleições. “Na Reunião Anual da SBPC em Brasília, no ano passado, a SBPC apresentou um conjunto de ações prioritárias: redução de assimetrias, saúde, problemas ambientais, direitos humanos, preservação da Amazônia, oceanos e zonas costeiras e políticas afirmativas. E a boa notícia é que para cada um desses problemas prioritários, nós tivemos um ou mais de um programa estratégico [desenvolvido].”
Entre os programas da Capes para a resolução das demandas estão: 4 editais emergenciais de combate a epidemias, 2 editais emergenciais de prevenção e enfrentamento a desastres e o programa Amazônia Legal, que visa ao desenvolvimento da pós-graduação na região amazônica.
Complementando as falas iniciais, o diretor do CNPq, Olival Freire Junior, abordou perspectivas nas políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação. Para o especialista, o grande problema do desenvolvimento de CT&I é o subfinanciamento da ciência, algo recorrente na história do País. Por isso, é necessário a continuidade de políticas e um corpo político que entenda a importância da área acadêmica, enfatizou.
Freire Junior também elogiou a estrutura de pesquisa do País, mas ponderou que é necessário trazer a Educação a este mesmo patamar. “É verdade que o nosso Sistema de Ciência e Tecnologia é um trunfo para o Brasil, mas é verdade também que a nossa educação básica está longe de ser isso. Por exemplo, a educação em tempo integral começou a ser apresentada como novidade em alguns estados agora em 2023, como é o caso da Bahia”, alertou.
Segundo ele, as medidas urgentes do ano passado já repercutiram nas ações dos 100 primeiros dias de governo. “A PEC da Transição nos permitiu sair de R$ 1 bilhão de orçamento para R$ 1, 6 bi. Isso permitiu que o CNPq se associasse, digamos assim, à Capes, e seguisse a determinação de reajustar as bolsas, e permitiu também que o CNPq anunciasse 500 novas bolsas de produtividade PQ2, reveladas na semana passada.”
Entre os anúncios futuros está o programa Meninas e Mulheres na Ciência, um edital a ser publicado em abril no valor de R$ 100 milhões para estimular o ingresso das mulheres na ciência, além do programa de estímulo à pós-graduação, que deve ser reformulado e fortalecido, para ser lançado ainda no 1º semestre de 2023.
Contra a evasão de cérebros, o CNPq pretende relançar o Programa de Apoio à Fixação de Jovens Doutores, lançado em junho de 2022, e mais de 1.300 bolsas oferecidas em convênio com as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs).
Para o professor da UFPE, Anderson Stevens Leônidas Gomes, é importante que o Governo Federal estruture adequadamente as Políticas de CT&I, de modo que elas não sejam perdidas com a troca presidencial, um panorama contínuo da história do País. “Política pública de CT&I tem que ser política de Estado, para não ser afetada quando muda o governo, e para começarmos a planejar os próximos 200 anos, a gente tem que ter resultados já nos próximos 2 anos”, afirmou o educador, que também é conselheiro da SBPC e vice-presidente regional da ABC (Academia Brasileira de Ciências).
Inovação só aparece com reconhecimento de falhas e investimentos contínuos, apontam especialistas
Já a segunda mesa ocorreu nessa terça-feira (14/03), com o tema Inovação, e contou com as presenças do superintendente da Finep, Marcelo Nicolas Camargo; do presidente da Fapepi, Ciro Gonçalves e Sá, e do diretor de operações da Embrapii, Carlos Eduardo Pereira. A mediação foi da representante da Academia Pernambucana de Ciências, Lúcia Melo.
Abrindo a mesa, Melo afirmou que as conquistas somente surgem com batalhas e com o povo determinado, e destacou a importância da CT&I. “Ciência, Tecnologia e Inovação é um componente importante de uma política de desenvolvimento, não dá pra desatrelar e ter uma política de CT&I voltada apenas para as universidades, para a academia e para algumas empresas. A gente precisa de uma política que olhe para o conjunto da sociedade como um todo.”
Continuando com os debates, o representante da Finep, Marcelo Nicolas Camargo, afirmou que o maior desafio da entidade é aumentar a sua atuação, de modo a proporcionar maior inovação em escala nacional.
“O que nós temos no País? Um gap enorme entre a pesquisa que desenvolvemos e, efetivamente, o que se torna produtos e serviços inovadores. Nós somos o 14º lugar no ranking mundial de produção científica. Isso explicita ainda um encapsulamento do que é produzido nas universidades, explicita um meio empresarial muito pouco ávido a mudar o status quo das coisas, a querer continuar a fazer o mais do mesmo.”
Camargo reforçou a importância de políticas contínuas, principalmente envolvendo a integração entre ministérios e instituições. “Inovação exige que você tenha entendimento do risco tecnológico e que você tenha continuidade [de recursos]. Não existe inovação por geração espontânea.”
A continuidade da estrutura das políticas científicas e o aumento de recursos também foram temas recorrentes na fala do presidente da Fapepi, João Xavier da Cruz Neto.
Sobre inovação, destacou que a entidade apoiou 61 startups somente em 2022, mas que almeja a expansão dos programas de amparo, acompanhada pelo necessário crescimento orçamentário da instituição: “O orçamento da Fapepi está em torno de R$ 35 milhões, o que representa 0,28% da receita líquida do Estado, é muito pouco, muito acanhado. A meta é chegar a 1% nestes próximos quatro anos”.
Encerrando as falas do dia, o diretor de operações da Embrapii, Carlos Eduardo Pereira, afirmou que o maior desafio do Brasil é entender a importância da ciência para resolver os problemas da sociedade.
“É importante termos fontes de financiamento que sejam relevantes, permanentes e, também, ágeis. Esse é um outro ponto importante. Porque você aguardar um ano, um ano e meio até que um projeto seja aprovado, o recurso ser depositado, para dinâmica da inovação, é complicado. Quando o recurso chegar, o projeto já estará velho.”
Para 2023, a entidade está focando em parcerias empresariais dedicadas ao desenvolvimento sustentável e está com uma chamada aberta de modelo de competência, ou seja, focada no desenvolvimento humano.
Presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro elogiou as ações apresentadas nos dois dias, e acrescentou que a mudança apenas virá com um olhar para um futuro global sobre a inovação para a justiça social, o bem-estar de todos e a saúde do Planeta.
“Quando a gente pensa no longo prazo, 200 anos obviamente é muito mais uma retórica, uma ideia. Mas quais seriam as questões para se pensar a humanidade nesse futuro? Primeiro, a humanidade precisa de um nível de vida mais equilibrado e de melhor qualidade, nós temos um índice de miséria muito alto no mundo todo. A questão da desigualdade também é extremamente grave. Nós precisamos pensar um projeto não só no Brasil, mas metas do mundo até 2070, que defenda a igualdade de oportunidades a todos.”
Os debates da série “Pontapé para o próximo bicentenário” e as demais atividades da Reunião Regional da SBPC no Piauí estão disponíveis no canal do YouTube da entidade.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência