O Espaço Ciência, museu interativo localizado em Pernambuco, entre Recife e Olinda, está lutando para não perder parte de seu território. Uma lei estadual aprovada em outubro autorizou a doação de uma área de 8 mil metros quadrados para a instalação de um data center. Segundo o Governo do Estrado, a construção é necessária para melhorar a qualidade de internet na região. Mas para a direção do centro cultural e científico, a infraestrutura tecnológica pode ser instalada em outro local, sem prejuízos a nenhuma das partes.
Criador e diretor do Espaço Ciência, Antonio Carlos Pavão só teve conhecimento dessa legislação quando recebeu, por e-mail, uma notificação da Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Adepe), sociedade de economia mista de administração indireta do Estado, pedindo que o museu liberasse com urgência o território doado. Pavão já conhecia a empresa, pois participou da negociação entre ela e o Governo de Pernambuco, mas os termos combinados eram outros:
“Nós vínhamos acompanhando há uns dois, três anos, essa proposta de chegada do cabo submarino aqui em Pernambuco. Então, a nossa concordância foi em acomodar a estação de recepção do cabo, que é uma coisa diferente do data center. O data center é uma edificação de porte muito maior, que faz a redistribuição do sinal. Redistribuição e venda, é importante destacar isso. Eles vão vender internet para nós, é um empreendimento privado”, conta.
Diferentemente de museus tradicionais, que são focados na exposição de itens, o Espaço Ciência mistura exposição com interatividade, e foi construído pensando no trajeto a ser realizado pelo público. Ele é dividido em cinco áreas – Água, Movimento, Percepção, Terra e Espaço, e cada área conta parte de uma mesma história. O que o governo cedeu foi toda a área Espaço.
Pavão detalha que a proposta inicial, de recepção dos cabos submarinos, comprometeria apenas mil metros quadrados. E ainda havia uma contrapartida: a empresa de tecnologia deveria construir uma área cultural, que explicasse aos visitantes o que seriam esses cabos e a importância deles. O museu já tem áreas dedicadas a parcerias com instituições, como uma estação meteorológica da Agência Pernambucana de Águas e Clima, e a ideia era firmar um acordo desse tipo.
“É revoltante você imaginar uma interferência de um investimento privado num museu. Guardando as proporções, eu falei para a pessoa que mandou o e-mail: ‘Olha, isso, pra mim, é o equivalente a você chegar lá no [Museu do] Louvre e mandar tirar a Monalisa. Tira a Monalisa aí que eu quero colocar meu computador nesse lugar’. É uma coisa inimaginável. Quer dizer, que civilização nós temos? Que pessoal é esse que destrói os equipamentos culturais da cidade?”, alerta.
Em entrevista ao Jornal do Commercio, o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação de Pernambuco, Fernando Jucá, afirmou que a área do Espaço Ciência é a única possível para a instalação do data center, por ser uma brecha entre os arrecifes naturais da região, e que o museu receberá um novo território, de 10 mil metros quadrados.
Segundo o diretor do Espaço Ciência, o novo território é um estacionamento abandonado e degradado, diferente da área que foi doada para a construção do data center, que está conservada e ainda é tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional):
“Nós temos vegetação ali, nós temos um baobá de 25 anos, palmeiras com mais de 30 anos. Além disso, é um projeto paisagístico de Roberto Burle Marx, protegido pelo Iphan, não se pode fazer nenhuma construção grande ali”, pontua Pavão, destacando o trabalho do famoso artista plástico e paisagista brasileiro.
Entidades se posicionam contra decisão governamental
Sancionada no dia 21 de outubro de 2022, a lei estadual nº 17.940, de Pernambuco, não cita em nenhum momento de seu texto o Espaço Ciência, limitando-se a descrever o território doado como um imóvel “situado na Avenida Cruz Cabugá, s/n, Bairro de Santo Amaro, Município do Recife”.
Em nota, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) se posicionou contra essa decisão governamental, ressaltando a omissão da descrição do museu no texto legislativo:
“Essa forma de mencionar a parte agora subtraída do Espaço Ciência mostra que não foi devidamente informada a opinião pública pernambucana, nem mesmo a própria Assembleia Legislativa, de que estava em jogo a mutilação desse lugar que já despertou tantas vocações e ainda há de despertar muitas outras”, afirmou, em documento
Professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e ex-conselheiro da SBPC, José Antônio Aleixo da Silva destaca que há outras áreas que poderiam receber o centro tecnológico, como a Fábrica Tacaruna ou a Avenida Cruz Cabugá, ambas localizadas em Recife, além do território que o Governo Estadual quer dar ao museu.
“A comunidade científica pernambucana não é contra a chegada dos cabos submarinos no Espaço Ciência, o problema é que não se pode destruir uma área de um museu. Por que não fazer esse novo data center nesta área que querem doar ao Espaço Ciência?”, questiona.
Presidente da Academia Pernambucana de Ciências, Anísio Brasileiro ressalta os aspectos culturais e societários da decisão governamental, criticando a falta de visão do Estado na importância da ciência como pilar do desenvolvimento do País.
“Formação cidadã, democracia e redução de desigualdades caminham juntas e é isso que está sendo posto em risco imenso quando você tem [a doação de] uma parte do museu, do principal espaço de ciência a céu aberto do Brasil. É incompreensível que o governo doe sem discussão, sem nenhum debate com a sociedade e com a direção do Espaço Ciência, oito mil metros quadrados para localizar um empreendimento privado que poderia perfeitamente estar em qualquer outra região da cidade [de Olinda]”.
Para evitar a perda da área do Espaço Ciência, o diretor do museu, Antonio Carlos Pavão, acionou o Ministério Público de Pernambuco e está articulando uma grande mobilização para o próximo domingo, dia 27 de novembro. “Nós já temos 28 anos de ocupação dessa área, tudo construído com muito esforço, muito trabalho e muita dificuldade. A gente precisa é de investimento, não de agressões deste tipo”, conclui.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência