A Constituição Federal brasileira promulgada em 1988 dedica um capítulo exclusivo à Ciência e Tecnologia, onde pela primeira vez nossos constituintes manifestam de modo explícito a importância estratégica da área para o desenvolvimento sócio econômico do País. O primeiro parágrafo do Artigo 218 determina, com propriedade, que “a pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências”. Entre as inúmeras propostas de emendas constitucionais (PECs) apresentadas durante os últimos anos, temos agora na pauta de votação da Câmara dos Deputados a PEC 290/13 de autoria da deputada Margarida Salomão (PT-MG), que muda vários dispositivos constitucionais para melhorar a articulação entre o Estado e as instituições de pesquisa.
O objetivo é, sem dúvida, estimular o desenvolvimento científico, tecnológico e a inovação, o que por certo tem inteiro apoio da comunidade científica e acadêmica, e se submetida fosse a um escrutínio popular, receberia o aval da sociedade. .Entre as novidades está a ampliação da lista de entidades que poderão receber apoio financeiro do poder público. Atualmente, apenas as atividades universitárias de pesquisa e extensão podem receber esse apoio. Com o texto, além das universidades, também as instituições de educação profissional e tecnológica poderão receber recursos.
Ocorre que nas idas e vindas por comissões parlamentares, desde que apresentada em agosto de 2013, foi excluída da PEC 290/13 uma pequena palavra, que para nós, estudiosos e praticantes da ciência, faz toda a diferença no impacto que poderá representar na elaboração e realização de políticas públicas na área de ciência, tecnologia e inovação. Trata-se da palavra “básica” que subtraída da emenda (embora, repito, expressa na Constituição), assim ficou no relatório já com parecer favorável para votação: Artigo 218 – § 1º A pesquisa científica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado.
Essa aparentemente insignificante subtração levou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) a posicionarem-se contra a exclusão da palavra, pois no entender das duas entidades representantes do meio científico e acadêmico brasileiro a pesquisa básica é o alicerce do desenvolvimento da tecnologia e da inovação. Uma das principais razões para apoiar claramente a pesquisa básica é que os conhecimentos proporcionados por ela, ainda que com aparente desprovimento de uso imediato em tecnologias e serviços para a sociedade, acabam por contribuir de forma incisiva com a melhoria da condição humana em diversas áreas.
Um exemplo conhecido a mencionar é citado no livro “O Quadrante de Pasteur”, de Donald E. Stokes, sobre os estudos realizados a partir de 1930 no campo da física do estado sólido como uma extensão da mecânica quântica, que para os cientistas da época não tinham ainda nenhuma finalidade prática. Mas a descoberta do transistor logo após a 2ª. Guerra Mundial mostrou que aqueles estudos representavam uma notável interatividade entre ciência e tecnologia. O autor afirma que “a física do estado sólido passou a ser um campo de estudo universitário, o que encorajou a realização de uma boa quantidade de pesquisa básica, tanto pura quanto inspirada pelo uso, verificando e estendendo a teoria quântica da matéria condensada”. Outras descobertas oriundas da pesquisa básica como a Eletricidade, a Física Atômica, a Física Quântica, a estrutura do DNA e a Engenharia Genética tiveram e ainda têm enorme impacto sobre o desenvolvimento econômico e social da humanidade. Também na área de humanas o pensamento abstrato no campo da filosofia, literatura ou da física sobre a origem do Universo são essenciais para a ampliação do conhecimento humano.
Portanto, não é por pouca coisa que solicitamos aos parlamentares que recoloquem o termo “pesquisa básica” na emenda constitucional. Temos a exata noção do que isso poderá representar em momentos futuros, quando houver a necessidade de tomadas de decisão no campo das políticas públicas sobre onde melhor investir recursos que possam impactar no futuro das próximas gerações.
Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)