Encontro foi promovido ontem pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados
Os constantes debates acerca da exploração do gás de xisto no Brasil continuam gerando polêmica. O cerne da questão gira em torno dos graves impactos sobre o ambiente e a saúde pública. A contaminação de lençóis freáticos e o uso excessivo da água são as maiores críticas feitas pela forma como o gás é explorado.
Hoje é realizada uma técnica chamada fraturação hidráulica. Nesse processo, toneladas de água misturadas a produtos químicos e areia são injetadas na rocha para se extrair o gás, após furos verticais e horizontais. A água usada volta à superfície já poluída por hidrocarbonetos, metais e aditivos químicos.
Para debater a questão, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados promoveu mais uma audiência pública, realizada na manhã desta quinta-feira (05/12), em Brasília.
Contra a exploração, o Partido Verde quer impedir o procedimento no Brasil. “Não temos segurança tecnológica para explorar isso. Por que não damos ênfase nas energias renováveis?”, criticou o deputado Sarney Filho (PV/MA),líder do partido na Câmara dos Deputados. Ele afirmou que o PV vai propor uma moratória de cinco anos de prospecção do recurso. O parlamentar informou que o partido tomará a decisão como exemplo de países da União Europeia, como a França.
“A exploração do xisto é relativamente nova. Tem ocorrido com bastante intensidade nos países afora. É preciso que se façam estudos cautelosamente”, afirmou o parlamentar. “E o Brasil, ao contrário dos Estados Unidos e França, tem alternativas. Temos produção de energia elétrica limpa, quase toda ela de hidrelétrica, temos potencial da energia solar e eólica, que está sendo subaproveitado”, explicou Sarney Filho.
Segundo Ricardo Baitelo, coordenador da Campanha de Energia da ONG Greenpeace, o uso do gás de xisto não é imprescindível neste momento. “Ainda que a demanda energética nacional aumente mais de duas vezes até 2050, temos fontes renováveis e reservas de gás convencional suficientes para suprir a demanda do setor industrial e elétrico”, defendeu.
Para Carlos Alberto Bocuhy, do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, o País “não pode embarcar em uma aventura tecnológica (exploração de gás de xisto) ainda sem respostas”.
O professor da Universidade Federal de Santa Catarina Luiz Fernando Scheibe alertou que a exploração de gás não convencional, ou de xisto no País, deve ser submetida a uma avaliação ambiental estratégica antes de autorizada. A avaliação, prevista legalmente, é um instrumento mais amplo do que os estudos de impacto ambiental normalmente utilizados para o licenciamento de empreendimentos energéticos.
Também pesquisador do tema e Conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Jailson de Andrade lembrou que a maioria dos estudos sobre o assunto aponta a necessidade de estudos prévios locais para exploração. Segundo ele, ainda há muita controvérsia científica quanto à questão.
“Há um estudo da National Academy of Science, nos Estados Unidos, que mostra que, em 141 poços de água potável na Pensilvânia, quanto mais próximo de áreas de exploração de gás não convencional, maior a quantidade de metano (tóxico e inflamável) na água”, informou Jailson. “A controvérsia na literatura é se isso já existia antes ou se é resultado da perfuração para obtenção de gás”, observou o pesquisador.
E acrescenta “O Brasil está em uma posição muito confortável em relação à energia, sua matriz energética é majoritamente hídrica, renovável, tem um programa de bicombustível que é o melhor do mundo, então porque entrar nesta nova era sem a menor necessidade energética que justifique isto?”.
Nomenclatura
Apesar de chamar de gás de xisto, os especialistas da área esclareceram durante o debate que a questão é em relação ao gás natural extraído de folhelho (shale gas, em inglês). Folhelho é uma rocha argilosa de origem sedimentar; xisto é uma rocha metamórfica, de outra origem, portanto. Mas, há uma longa e equivocada tradição brasileira de chamar folhelho (shale) de xisto (schist), daí se falar muito em gás de xisto.
Carta
A SBPC e Academia Brasileira de Ciências (ABC) enviaram uma carta à presidente Dilma Rousseff, solicitando a suspensão da licitação para a exploração do gás de xisto, até que estudos mais conclusivos sobre a questão sejam realizados.
No documento, a presidente da SBPC, Helena Nader, e o presidente da ABC, Jacob Palis, justificam sua preocupação pelo fato de que a exploração econômica do gás de xisto vir sendo muito questionada pelos danos ambientais irreversíveis que pode causar.
Por isso, eles pedem que antes da realização da licitação sejam realizados novos estudos por universidades e institutos de pesquisa públicos, sobre a real potencialidade da utilização do método da fratura hidráulica para a retirada do produto das rochas e os possíveis prejuízos ambientais causados por isso.
Governo
Otaviano da Cruz Pessoa, gerente-geral da Gerência Executiva de Exploração da Petrobras, reconheceu que, de fato, há riscos na exploração de gás de xisto. Mas, segundo ele, são riscos inerentes a qualquer atividade energética, inclusive de gás convencional.
“A única diferença do gás de xisto em relação ao tradicional é que, no caso do xisto, as rochas onde está o gás têm menos fluidos e, por isso, você tem que perfurar milhares de poços”, explicou Pessoa.
De acordo com Luciano Teixeira, representante da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), os riscos inerentes à exploração de gás de xisto são reais e devem ser melhor conhecidos e mitigados. Mas, segundo ele, a exploração comercial do produto dependerá de autorização prévia, a partir de critérios que devem ser divulgados pela agência em janeiro em uma nova regulamentação.
“Essa regulamentação tem uma base forte na questão da apresentação de estudos e documentações que venham a demonstrar que aquele operador está em condições de realizar aquela atividade e que o ambiente onde ele vai realizar a atividade vai estar protegido da melhor forma possível”, afirmou.
No entanto, Luciano Teixeira explicou que “E, com isso, conta-se com a apresentação de licenciamentos ambientais, estratégia de utilização e disposição de efluentes gerais e o monitoramento de toda a região com relação à possível degradação dos recursos hídricos.”
Segundo o representante da ANP, a atual fase de pesquisa não depende de autorização prévia. Essa etapa pode levar até oito anos, prorrogáveis por mais seis.
Leilão
Em leilão realizado, no dia 28 de novembro, pela ANP, foram arrematados 72 de 240 blocos ofertados com possibilidade de exploração de gás de xisto. A Petrobras participará da exploração em 70% das áreas, localizadas, principalmente, em Sergipe, Alagoas, Bahia e Paraná. Em um primeiro momento, as empresas estão autorizadas apenas a fazer pesquisas para avaliar a segurança econômica, ambiental e social da exploração.
(Camila Cotta e Beatriz Bulhões)