Especialistas discutiram em mesa-redonda realizada nessa quarta-feira, 19, durante a 69ª Reunião Anual da SBPC, em Belo Horizonte, os desafios para superar as desigualdades, um dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas. Segundo os apresentadores, este hoje é um fator central para se atingir as metas propostas até 2030.
“Se não forem observadas, as desigualdades podem arruinar todos os outros 16 objetivos”, alerta o pesquisador canadense, Mathieu Denis, do Instituto Internacional de Ciências Sociais (ICSS, na sigla em inglês).
O Instituto escolheu a Reunião Anual da SBPC para fazer o lançamento no Brasil do livro “World Social Science Report 2016”, que tem como tema o enfrentamento das desigualdades e os caminhos para um mundo mais justo. “É uma honra que o lançamento do relatório no Brasil tenha sido nessa Reunião da SBPC”, comentou a presidente da SBPC, Helena Nader, presente na mesa-redonda.
O relatório traz o alerta de que os países não estão estudando com profundidade os impactos da desigualdade na sustentabilidade no longo prazo em suas economias, sociedades e comunidades. Em um mundo em que as oito pessoas mais ricas possuem a mesma riqueza que toda a metade mais pobre da população – 3,6 bilhões de pessoas -,segundo estudo publicado pela Oxfam no início desse ano, é urgente conhecer as causas, as consequências e as saídas para a desigualdade.
“A desigualdade é ética e moralmente inaceitável”, sentencia Denis. Segundo ele, não existe uma bala de prata que com uma única mudança, solucione todo o problema no mundo todo.
A ONU descreve sete dimensões da desigualdade: econômica, política, social, cultural, ambiental, espacial e cognitiva. E, pelas experiências de países que obtiveram avanços na promoção de mais igualdade, o sucesso é mais provável quando políticas são combinadas. “As ações devem ser adaptadas ao contexto, por conta da grande ligação das desigualdades com as diferenças culturais”, explica. Isso inclui, também, medidas globais, fortalecidas por ações locais.
O relatório da ICSS concluiu que ampliar o conhecimento sobre as desigualdades é uma prioridade. Hoje, a área que produz mais conhecimento sobre o tema é a Saúde Pública, segundo o pesquisador. E 80% dos estudos estão concentrados na América do Norte e União Europeia. “É preciso ir além de quantificação. É preciso estudar abordagens multidisciplinares, combinar os números com dados qualitativos, para compreender por que as desigualdades persistem e como elas podem ser superadas”, conclui.
Avanços brasileiros
O Brasil, que apresenta um dos índices das desigualdades mais altas do mundo, tem um comportamento curioso, segundo o professor do Insper, em São Paulo, Ricardo Paes de Barros: “É uma sociedade que nunca se preocupou em ofuscar suas desigualdades, é como se fosse natural”, diz, salientando a documentação exaustiva e refinada que existe aqui sobre esse problema.
Barros demonstrou que nos últimos 15 anos o País reduziu de maneira sistemática suas desigualdades. A taxa de crescimento dos 10% mais podres, cresceu 4 vezes mais rápida que a dos 10% mais ricos. E, mesmo com a crise a partir de 2015, ela se manteve. “Avançamos muito em igualdade, mas ainda temos muitas desigualdades para resolver”, pondera.
Um ponto importante, que ele ressaltou, é que não existem estudos que expliquem quais políticas exatamente favoreceram esses avanços, o que dificulta identificar o que pode ser continuado e o que deve ser descartado. “A gente não consegue associar a redução das desigualdades às diversas políticas públicas”.
A pobreza entre crianças, demonstrou ele, ainda é muito grande, especialmente se comparada à dos idosos: 30% delas vivem abaixo da linha da pobreza, enquanto os idosos são apenas 1%. Outro problema são as oportunidades: 100% dos jovens de famílias ricas concluem o ensino fundamental, enquanto que entre os mais pobres, as chances são menores que 50%.
Quando se trata de ensino superior, as desigualdades são ainda mais gritantes. Hoje, apenas 20% dos pós-graduandos são negros. “Melhoramos a igualdade em tudo o que é básico em todo o País. Agora, temos que melhorar as desigualdades para as melhores oportunidades. A cereja do bolo, a gente ainda reserva para a população mais rica”, disse.
O professor alertou que nunca tivemos tantos jovens no País – cerca de 50 milhões de pessoas. Investir na educação desse imenso contingente jovem, é garantir que no futuro o País tenha profissionais qualificados e condições de produzir uma economia sustentável e competitiva. Porém, conforme ressalta Barros, a educação ainda não consegue ajudar a economia brasileira. E segundo ele, é preciso prestar atenção à Base Nacional Comum Curricular, pois o que sair de lá, pode aumentar ainda mais as desigualdades. “Nosso problema agora é traduzir a educação em progresso econômico e social. A gente tem que buscar uma educação que tenha mais significado para a vida das pessoas”.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência