Biodiversidade: riscos, oportunidades e o impasse brasileiro

Artigo de Vanderlan da Silva Bolzani, professora-titular do IQAr-Unesp e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), para a coluna Ciência & Matemática do jornal O Globo

Divulgado na segunda semana de novembro, o “1º Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos” assinala um marco na tomada de consciência do País sobre uma questão urgente da agenda nacional – o papel ambiental, social e econômico da nossa megabiodiversidade. O documento, produzido por cerca de 100 autores (professores universitários, pesquisadores, gestores ambientais e tomadores de decisão), não poderia ser mais claro quanto ao alerta que emite. Riscos e grandes oportunidades estão hoje à espera que a sociedade se conscientize, apoie e assuma a defesa de políticas públicas orientadas para a exploração sustentável da biodiversidade.

Com a crescente preocupação global em fazer emergir uma economia não destrutiva dos recursos naturais, baseada em fontes de energia renováveis, essa questão deixou de ser periférica e deveria ocupar o centro dos debates no País. Parece óbvio que ninguém poderá deixar de interagir com essa nova economia, com seus valores, lucros e prejuízos.

Os sinais já são muitos e se disseminam crescentemente pela imprensa. Países europeus começam a fixar prazos para proibir a venda de automóveis a gasolina. Ativistas e parlamentares dos Estados Unidos mobilizam-se para pressionar o governo a elaborar um grande plano de transição da economia baseada em combustíveis fósseis para alternativas cada vez mais disponíveis (por exemplo, o Green New Deal), a ser adotado nas próximas décadas.

Nesse sentido, o documento da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (PBBSE) é um guia importante e de referência para pesquisadores e tomadores de opinião, em especial sobre políticas públicas e setores empresariais. Ele constata que o perfil da economia brasileira hoje está fortemente ligado aos ecossistemas através das atividades agrícola e pecuária, da pesca, turismo, produtos florestais e energia. Cita exemplos de como esse potencial econômico é viável: mais de 245 espécies da flora brasileira são bases de produtos cosméticos e farmacêuticos, e ao menos 36 espécies botânicas nativas já possuem registro de fitoterápicos.

Ao mesmo tempo, o País dispõe de um aparato legal para dar suporte a ações de preservação e exploração dos ecossistemas de forma produtiva, criativa e sustentável.

Ao tratar o papel da ciência na tarefa de aproveitar as oportunidades oferecidas pela biodiversidade, o relatório lembra que “há uma deficiência na comunicação entre ciência e sociedade. É preciso aprimorar esse processo estabelecendo um fluxo efetivo que torne a comunicação inclusiva e representativa, alcançando os tomadores de decisão públicos e privados”. Comunicação científica sobre todos os aspectos é hoje um tema global recorrente e com relação ao papel da biodiversidade na sustentabilidade do planeta, torna-se ainda mais urgente.

A opção pela exploração sustentável da biodiversidade como um novo caminho econômico para o Brasil teria também como lastro os investimentos realizados em ciência, tecnologia e inovação (CT&I) nas últimas décadas. Um profícuo processo de aprendizado vem sendo construído tijolo por tijolo para qualificar pesquisadores brasileiros não apenas na busca de conteúdo científico e tecnológico, mas também na forma de gerenciar o trabalho de pesquisa extramuros. Diria em maior dimensão, transformar conhecimento em tecnologia e inovação e mostrar para a sociedade em geral a importância das pesquisas científicas para o avanço da sociedade. Parte importante desse processo está hoje nos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), redes de pesquisa que agregam pesquisadores de reconhecida qualificação, de todo o país, voltados para temas estratégicos como biodiversidade, meio ambiente, fármacos, alimentos, fontes de energia, nanomateriais, entre outros. Centenas de projetos de pesquisa estão hoje em andamento no âmbito dos INCTs, alguns já claramente prejudicados pelos cortes de recursos para CT&I. Eles têm tudo a ver com a inserção do País na economia que está nascendo e na qual o Brasil poderá, ou não, ocupar um lugar estratégico no cenário mundial. Biodiversidade e bioprodutos são prioridades globais, resta saber se o país pretende ser destaque nesta agenda mundial.

O Globo