A compreensão da nossa imensa biodiversidade, uma das mais ricas do mundo, é fundamental para a sua exploração econômica e uso sustentável. O País hoje tem a expertise científica e tem as ferramentas essenciais e necessárias para que a nossa rica biodiversidade forneça bioprodutos de alto valor agregado e contribuam para a economia e melhoria da sociedade. O que falta é um programa organizado no qual o Estado brasileiro e as lideranças de setores industriais acreditem que a bioeconomia resultante de ativos da biodiversidade tropical e equatorial é factível de inovação industrial radical e incremental. O assunto foi discutido em duas das principais exposições sobre “Ciência e inovação nas fronteiras da bioeconomia, da diversidade e do desenvolvimento social”, tema que está no centro do debate nesta 71ª Reunião anual da SBPC.
Apresentadas pela professora Vanderlan Bolzani, vice-presidente da SBPC, as palestras trouxeram para o público as grandes novidades na pesquisa científica sobre biodiversidade, meio ambiente e os meios de valoração da nossa rica diversidade químico-biológica.
Pela manhã, o cientista Norberto Peporine Lopes, falou das novas ferramentas para o estudo da biodiversidade, baseadas no conceito de equilíbrio dos indivíduos (vegetais e animais). Presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), Peporine conduziu a exposição “Análise química em larga escala de sistemas biológicos: ferramentas para compreensão da biodiversidade brasileira”.
Termos como Metabolomic, Targeting Analisys e GNPS Molecular Network são conceitos que denominam o universo molecular sendo, portanto, instrumentos metodológicos modernos desenvolvidos para auxiliar no mapeamento molecular e na compreensão de como ocorrem as interações vitais dos organismos, sejam plantas, insetos animais. Compreender a natureza é harmonizar uma série de informações químicas e biológicas em sistemas inteligentes integrados. “O equilíbrio leva a entender como os organismos estão interagindo”, afirmou Peporine.
Na parte da tarde, Marcos Buckeridge, do Instituto de Estudos Avançados da USP, Vera Maria Fonseca de Almeida Val, pesquisadora do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e Rodrigo Cabral, executivo da empresa alemã de biotecnologia Symrise, dividiram a mesa redonda “Biodiversidade e bioeconomia: riscos, oportunidades e o impasse brasileiro”.
Buckeridge falou sobre os desafios brasileiros para adaptação às mudanças climáticas no século 21 e apresentou as linhas gerais do Relatório do IPCC Global Warming 1.5°C – documento intermediário ao relatório quadrienal – que traça cenários para o sucesso ou insucesso no controle da temperatura global.
Segundo ele, o Global Warming 1.5°, elaborado por 91 autores de 40 países, mais 133 autores contribuintes, envolveu seis mil estudos, 1.113 revisores e mais de 42 mil comentários. A conclusão: “Estamos atualmente em 0,75° a mais do que durante a revolução industrial. Segundo projeções do IPCC, se continuarmos assim, passaremos de 1,5° em 2030”.
Nesse cenário, pontuaram os palestrantes, o País deve buscar a preservação de sua biodiversidade para garantir a integridade deste patrimônio e, assim, o acesso aos seus recursos e serviços ecológicos. “Bioeconomia implica em uso sustentável e conservação das espécies e ecossistemas para eles continuarem ali, para que o produto possa ser utilizado a longo prazo”, disse Rodrigo Cabral, da Symrise.
A professora Vera Val, que vive há 40 anos na região Amazônica, defendeu a pesquisa científica como forma de garantir o esperado futuro do desenvolvimento sustentável tão almejado. “A indústria depende da ciência de base, que tem que ser financiada pelas agencias publicas governamentais” afirmou.
Em sua apresentação, Rodrigo Cabral explicou que a Symrise tem na natureza a base orgânica para os insumos certificados que produz para a fabricação de fármacos, alimentos, e cosméticos – um mercado estimado em 15 bilhões de euros para 2021. “Biodiversidade é fonte de inspiração e inovação para a Symrise”, declarou.
“Temos a maior biodiversidade do planeta, um verdadeiro laboratório químico, altamente sofisticado, que permite a compreensão da própria natureza dos nossos biomas ainda poucos estudados e explorados e a partir de modelos moleculares estruturalmente inusitados selecionar “hits” e “leads” de fármacos, cosméticos e suplementos alimentares”, comentou a professora Vanderlan Bolzani.
Em ambas as apresentações, as salas da UFMS ficaram completamente lotadas de alunos da graduação e pós-graduação. Vanessa Samudio, aluna do pós-doutorado em biotecnologia, disse que a palestra de Peporine acrescentou dados importantes ao seu trabalho de quimiossistemática com produtos naturais: “Não conhecia os elementos que ele trouxe”. “É um olhar diferenciado”, completou Katyuce de Souza Faria, pós-doutoranda da UFMT e professora da área de Farmácia da UFMS.
Janes Rocha – Jornal da Ciência