A educação é libertadora. E as universidades públicas federais tornaram-se referência em ensino, pesquisa e extensão. Lá estão os professores com maior qualificação acadêmica e de lá saem mais de 90% da produção científica do País. O que pareciam flores até ontem, pode começar a murchar a partir de agora, por causa do bloqueio de aproximadamente 30% no orçamento de custeio e capital destas instituições, anunciados pelo Governo Federal este mês.
Além das dificuldades em manter Ensino e Pesquisa, já que com o bloqueio devem faltar insumos básicos para o dia a dia acadêmico, o contingenciamento do Governo Federal vai também prejudicar quem vive fora das universidades, pessoas comuns, geralmente em situação de vulnerabilidade social, que fazem uso dos programas de Extensão das instituições para conseguir tratar de problemas urgentes.
A saúde mental, por exemplo, é um desses problemas crescentes na sociedade, mas que ainda não é de fácil acesso a todos. Diante de um cenário onde o tratamento por clínicas privadas custa caro e na falta de oferta pública pelas secretarias de Saúde, a Clínica Escola de Psicologia, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), é quem assume a responsabilidade que falha ao Estado. Com este bloqueio orçamentário, o funcionamento do espaço ficará comprometido, destaca a coordenadora, Dra. Marísia Oliveira. “Se mantido o bloqueio iremos operar de maneira muito precária, porque se hoje não conseguimos atender todo mundo, devido a vários fatores, como falta de recursos humanos, infraestrutura, você imagina com 30% de corte? Hoje faltam servidores, muitas vezes ficamos com a recepção sem ninguém para atender. Hoje temos terceirizados e estagiários administrativos, que é uma forma dos alunos aprenderem e ganharem uma bolsa. Mas esse corte vai complicar em tudo isso”, disse.
Mantido o bloqueio, as escutas psicológicas, por exemplo, que contam com alunos bolsistas, ficarão comprometidas. A professora explica ainda que o corte no orçamento e a consequente perda de qualidade do serviço pode prejudicar o resultado final aos pacientes. “O ser humano que chega na clínica está fragilizado. Ele chegar aqui e não encontrar a segurança de continuidade do tratamento é um fator a mais de aumento do seu estresse. Sabendo que o serviço está ameaçado de ser extinto ele não tem como ficar bem. Temos uma lista de espera grande, atendemos pessoas não só de João Pessoa, mas de todo o Estado. Não conseguiremos dar continuidade se esse bloqueio se mantiver”.
Por mês, a Clínica Escola de Psicologia faz 1.376 atendimentos. Há uma lista de espera de 164 pessoas em busca de atendimento, que, mantido o corte, deverá mais que dobrar. Ela é um dos projetos extensionistas mais antigos da instituição, que mantém hoje 1.100 ações de extensão em todos os Campi. São projetos que fomentam o Ensino e a Pesquisa dentro da universidade, já que são tocados por alunos e professores, mas que auxiliam a comunidade exterior.
Um dos últimos projetos do tipo criado pela UFPB foi o Instituto Paraibano do Envelhecimento (IPE), inaugurado semana passada. O espaço, primeiro do tipo em uma universidade pública da América Latina, é destinado à promoção da saúde do idoso, com atividades de lazer, cultura, fisioterapia e psicologia. O equipamento deve sofrer uma rasteira, caso o bloqueio no orçamento não seja revertido.
O vice-presidente do IPE, o professor Robson Antao de Medeiros, detalhou as implicações. “Como foi cortado parte do orçamento da universidade, indiretamente seremos afetados. Além das atividades de extensão e pesquisa, tem o custeio de manutenção do espaço com água, luz, além do dinheiro para pagar os terceirizados. Precisamos de serviço de segurança, motorista, limpeza, sem ele fica difícil o funcionamento”, disse.
O IPE será prejudicado também na execução do serviço à população, tendo em vista que precisaria dos bolsistas para funcionar. “O Instituto foi pensado para atender os professores e técnicos administrativos da UFPB, mas também pessoas fora da universidade, como o Clube da Terceira Idade. A população está envelhecendo e precisa desse tipo de atividade para que se melhore a qualidade de vida. Mas sem os bolsistas, sem custeio do dia a dia e orçamento fica inviável”.
“A Clínica é um Centro de Extensão. Temos mais de 10 projetos que funcionam a base de bolsa. E eles sofrerão cortes caso o bloqueio continue. Professores e estudantes não se sentirão motivados a continuar e mesmo que o serviço continue será de forma deficitária, porque não tem como funcionar bem diante desse bloqueio.” – Marísia Oliveira, coordenadora da Clínica Escola de Psicologia
PESQUISA E ENSINO DEVEM SER AFETADOS
Além dos projetos de Extensão, que beneficiam a população que está fora da universidade, especialistas afirmam que esta nova realidade atinge as instituições em vários outros eixos: primeiro, dificulta a saúde e a independência financeira, já que elas ficariam impossibilitadas de honrar contratos com empresas terceirizadas na área de limpeza e segurança, por exemplo. Problemas também para pagar as contas básicas do dia a dia, como abastecimento de água e energia elétrica.
Mantido o bloqueio, as instituições também terão grandes problemas em fomentar Ensino e Pesquisa, já que bolsas de iniciação científica e monitorias, pagas pela instituição aos alunos, serão cortadas e equipamentos básicos de laboratório e sala de aula, como computadores, não poderão ser adquiridos.
Na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), maior instituição do Estado, o valor já contingenciado é de cerca de R$ 45 milhões. O mesmo cenário é esperado para a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e o Instituto Federal da Paraíba (IFPB), que também já tiveram bloqueios confirmados. Em outras palavras, as instituições federais do Estado e todo o País irão se ‘apequenar’, murchar frente aos áureos tempos de expansão dos Campi.
Pós-doutora pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, e conselheira da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a professora Fernanda Sobral acredita que, diante dos anúncios de corte no Ensino Superior público, o País terá um futuro ainda mais frágil e difícil no que diz respeito a produção de conhecimento e fomento à cidadania. Na sua avaliação, é vazio um dos argumentos utilizados para os bloqueios: a baixa produção das instituições.
“A SBPC tem mostrado em números a produção das universidades públicas em geral, que fica em torno de 90% da produção do País. Há na verdade um duplo corte em curso: um contingenciamento dos recursos do Ministério de Ciência e Tecnologia, em torno de 40%, que deixou o CNPQ e Capes em situação periclitante, além deste corte de 30% nas instituições de Ensino Superior. Se está acabando com o futuro”, disse.
Com o enfraquecimento dos órgãos de fomento à pesquisa (CNPQ e Capes) somado ao bloqueio nas verbas de custeio e capital das instituições federais de Ensino Superior, explica a conselheira da SBPC, a tendência é que as universidades públicas brasileiras percam ano a ano o status e a credibilidade que alcançaram nas últimas décadas, deixando de ser referência no país e no mundo. Um ‘antinacionalismo’ acadêmico, já que, diante dos demais países, o Brasil se tornará menor em produção de Ciência.
“Se parar a pesquisa nosso futuro está comprometido. Os ataques dirigidos a nossa Ciência constituem parte de uma estratégia que ameaça a pesquisa científica do País. Se você não apoia a pesquisa científica você quer uma mera aplicação de técnicas importadas. Está se acabando com o futuro. Se não investe agora em ciência, tecnologia e educação você está acabando com nosso futuro”, disse a Drª Fernanda Sobral, que também é docente da Universidade de Brasília (UnB).
Veja o texto na íntegra: Correio do Estado