Após nove anos de congelamento, as bolsas da Capes e do CNPq atingiram, em 2022, o menor valor real em três décadas. Em 1995, um bolsista de doutorado ganhava R$ 1.073, o que correspondia a dez salários mínimos da época ou doze cestas básicas. Em 2013, o valor nominal chegou a R$ 2,2 mil, o que equivalia a quatro salários mínimos ou seis cestas básicas. De lá para cá, sem nenhum reajuste, ela vale hoje aproximadamente 1,8 salário mínimo e permite a compra de apenas três cestas básicas.
“A minha situação é bem ruim”, desabafa a estudante Larissa Inácio, que recebe bolsa de doutorado do CNPq, no Instituto de Física da UFRJ. Morando de aluguel, sozinha, a estudante conta com a ajuda mensal dos pais para continuar seus estudos. Ao mesmo tempo, Larissa estudante enfrenta questões de saúde agravadas pelas dificuldades financeiras. “A taxa de pessoas com problemas psicológicos na pós-graduação é tão alta que existe uma série de pesquisas a respeito”, explica. “Você tenta sobreviver e existe o estresse da Academia. Não ter o reajuste é um estresse a mais. Preciso de remédios que, só com a bolsa, não teria como pagar”.
A rotina da pós é, sob muitos aspectos, ainda mais pesada do que a da graduação. Os pós-graduandos não têm bilhete único universitário, como os colegas da graduação. O único “alívio” é o direito à refeição de R$ 2, no bandejão da UFRJ. Outro problema são os livros técnicos. “É impossível comprar um livro importado da minha área”, afirma Larissa. A estudante poderia utilizar a chamada “taxa de bancada”, exclusiva dos bolsistas CNPq, de R$ 394, e que só pode ser utilizada em apoio às atividades acadêmicas. Mas decidiu priorizar a aquisição de equipamentos de informática e a participação em congressos científicos com a verba. Por trabalhar em um projeto teórico, Larissa não precisa gastar com material de experimentos como os colegas de outras áreas. Mas os eventos cobram caro pela inscrição — para os padrões brasileiros —, mesmo realizados em meio remoto. “Na semana passada, paguei 25 libras, o que corresponde a R$ 200, com o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para um congresso online”, diz.
Outro problema é que as agências de fomento exigem dedicação exclusiva à pesquisa – com poucas exceções, como a contratação como professor substituto, tarefa que Larissa assumirá a partir de abril. “Amo dar aula, mas eu deveria me dedicar, pela dinâmica da Academia, apenas à pesquisa no doutorado, o que se torna impossível”.
O cenário sombrio da pós se torna prova de resistência para os que ficam. Larissa conta que vários colegas já desistiram da vida acadêmica. Alguns, que terminam a graduação, se recusam a enfrentar um mestrado no qual vão receber — se conseguirem a bolsa — apenas R$ 1, 5 mil. “Como não somos tratados como profissionais da Educação, isso dificulta muito a negociação de um reajuste”, conclui.
Outros tempos
Enquanto Larissa amarga o congelamento nos repasses da Capes e do CNPq, uma realidade bem diferente viveu seu orientador no Instituto de Física, o professor Felipe Rosa e ex-diretor da AdUFRJ. Em apenas quatro anos, de 2002 a 2006, o ex-bolsista do CNPq teve direito a dois aumentos no doutorado. “Assim que entrei, era de R$ 1.073. Dois anos depois, foi para R$ 1.267. E, nos últimos três meses, subiu para quase R$ 1.400”, disse.
“Para dar uma ideia da defasagem atual, lembro que eu cheguei a pegar a gasolina a R$ 1 o litro. Hoje, está mais de R$ 7. Quer dizer, enquanto a gasolina aumentou sete vezes, a bolsa que tive a maior parte do tempo não chegou a dobrar”, afirmou. “Eu também conseguia comprar livros técnicos. Claro, o dólar também estava bem mais favorável. Um livro de capa dura que eu comprei antes até de ser bolsista, no ano 2000, custou R$ 35. Hoje, a edição com capa mole, está US$ 35, o que dá R$ 175, fora o frete”.
Em 2005, Felipe também lecionou como professor substituto com grau de especialização e recebia R$ 770. “O que correspondia a 60% do valor da bolsa. Hoje, alguém com especialização ganha em torno de 25% a mais que a bolsa. E não é que o salário de professor tenha melhorado”, compara.
Veja o texto na íntegra: Jornal AdURFJ