Enquanto a pandemia afetou o desenvolvimento industrial em nível global, o Brasil se distanciou mais ainda do cenário internacional por não investir em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Este é o principal diagnóstico da primeira conferência da série “Contagem Regressiva para o Bicentenário: Rumos à Independência”, que buscou refletir sobre a relação entre ciência e indústria.
O evento foi realizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e contou com uma palestra do professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Fernando Sarti; além das presenças do físico e também professor da Unicamp, Marcelo Knobel, que atuou como debatedor, e do membro da comissão regional da SBPC em São Paulo (SBPC-SPII), Sávio M. Cavalcante, que apresentou o evento.
Iniciando sua fala, Sarti apontou que não há um processo de desindustrialização no mundo, ao contrário, o que mudou foi a forma de produzir, consumir e informar globalmente, e isso tem impacto direto em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). O especialista também apresentou o ranking dos países com melhor valor agregado manufatureiro (VAM), com base no relatório elaborado pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial, a Unido:
“A China tem a liderança absoluta como maior produtor global, tendo 4,4 bilhões de dólares em Valor Agregado Industrial em 2021. Atrás dela estão os Estados Unidos, o Japão e a Alemanha. Mas se somarmos os valores dos três, eles não chegam no nível da China. E essas regiões representam mais de 80% de toda a produção de bens de média e alta intensidade tecnológica”, explicou o pesquisador. Neste ranking, o Brasil ocupa a 15ª posição.
Fernando também trouxe os impactos econômicos com a chegada da covid-19. Globalmente, a pandemia ocasionou na perda de 6 trilhões de dólares na produção industrial, além da perda de 250 milhões de empregos e de deixar mais de 100 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema.
“A economia global ainda não se recuperou dos efeitos da pandemia. Mas os números mostram que as nações que possuem uma maior resiliência, ou seja, maiores mercados domésticos e estruturas produtivas mais complexas e diversificadas, conseguiram conter os impactos da crise econômica global. Isso ressalta a importância do desenvolvimento industrial”, pontuou.
Brasil, uma problemática industrial
Na análise sobre o Brasil, o especialista Fernando Sarti apontou uma fragilização até do ponto de vista dos esforços na economia brasileira. “Enquanto todas as demais economias de média renda atuam de forma absolutamente exponencial neste setor, os investimentos do Brasil seguem estagnados em 1% do PIB.”
Essa ausência de visão do potencial da P&D em âmbito nacional também ocorre no mercado. Das 2.500 maiores empresas globais que concentram gastos em P&D, apenas sete são brasileiras. E essas empresas representam 90% dos investimentos no setor em todo o mundo. Além disso, segundo o Ranking de Competitividade Industrial (CIP), o Brasil caiu, em 30 anos, do 26º lugar para o 42º.
“Com o passar dos anos, houve uma complexidade maior do ponto de vista tecnológico na estrutura de produção e de exportação. Só que aqui no Brasil a gente vê um movimento inverso, nós temos um downgrade. Estamos em um País que tem um déficit de R$ 20 bilhões em propriedade intelectual e que não quer gastar R$ 4 bilhões para a Ciência. Nós precisamos de um esquema de Ciência, Tecnologia e Inovação dinâmico e robusto, porque não se pode pensar em investimentos para a CT&I sem continuidade, que é o que o País está fazendo hoje”, alertou Sarti.
Debatedor do evento, o professor Marcelo Knobel complementou as falas de Sarti apontando para a importância da recuperação do setor nacional de CT&I. “Nós precisamos ter produtos com base tecnológica e investir em conhecimento, senão o país vai ficar para trás, não tem escapatória. O mundo segue avançando e nós estamos nos movendo para perdermos a soberania nacional.”
O seminário sobre Ciência e Desenvolvimento Industrial foi realizado na última quarta-feira (30/08), na Unicamp, com transmissão no canal do YouTube da SBPC. A palestra está disponível na íntegra neste link.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência