Candidatos ao 2º turno em SP têm planos fracos para ciência e tecnologia

Proposta de Doria é mais vaga e menos dedicada a CT&I que a de França. Ambos não detalham investimentos e ignoram a pesquisa básica

Os dois candidatos no segundo turno das eleições para governador de São Paulo apresentaram propostas fracas na área de ciência, tecnologia e inovação (CT&I), segundo lideranças da comunidade científica paulista ouvidas por Direto da Ciência. Para os especialistas, além de dar pouco espaço ao tema, os dois planos de governo de João Doria (PSDB) e Márcio França (PSB) desconsideraram a ciência básica.

Os dois candidatos fazem propostas genéricas e vagas para a CT&I de um estado que responde por 23% do investimento público total do país no setor, envolvendo atividades em 62 instituições públicas e privadas, entre universidades estaduais e federais e centros de pesquisa, cerca de 15 mil empresas inovadoras, 18 institutos de pesquisa particulares, além de 74 mil pesquisadores, dos quais 27 mil em empresas, segundo dados do Plano Diretor para Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo.

Os planos de governo dos dois candidatos praticamente não fazem um diagnóstico da CT&I no estado, e também são muito vagos em relação a metas a serem alcançadas. Desse modo, resta aos eleitores apenas a comparação entre declarações de princípios e propostas genéricas.

Sem diagnóstico nem metas

Das suas 68 páginas, o documento “Proposta de Governo” da coligação São Paulo Confia e Avança (PSB, PSC, PPS, PTB, PV, PR, Podemos, PMB, PHS, PPL, PRP, Patri, PROS, Solidariedade e Avante), de França, dedica apenas duas para CT&I (págs. 50-51). No plano, o tema é abordado na seção “Desenvolvimento sustentável”.

João Doria (PSDB), por sua vez, tratou de CT&I no tópico “Inovação, Tecnologia e Empreendedorismo”, que ocupa o espaço equivalente a menos de uma das 21 páginas (págs. 16-17) no documento “Programa de Governo” da coligação Acelera SP(PSDB, DEM, PSD, PP, PRB e PTC).

Comparando-se os dois programas, a falta de um diagnóstico ainda que sumário da CT&I no estado é imperdoável para o candidato do PSB, que no governo estadual foi secretário do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia (2015-2018).

Nesse ponto está a única vantagem do candidato do PSDB, que aponta alguns dos indicadores mostrados acima (pág. 12). No entanto, mesmo nesse nível genérico e insatisfatório de apresentação, o plano de Doria se destaca como muito mais vago e muito menos dedicado a CT&I que o de França.

Investimentos indefinidos

O plano de França destaca que “os principais motores da economia são a educação, o conhecimento científico e tecnológico e a inovação nas diferentes dimensões da vida”. Doria não fala diretamente sobre pesquisa científica em seu plano, mas diz que “a inovação tecnológica é considerada a estratégia mais eficaz para gerar riqueza por meio da agregação de valor à produção”.

Os dois candidatos mencionam o estímulo à inovação em seus planos. França propõe sumariamente “consolidar o sistema paulista de ambientes e distritos de inovação e ampliar a rede de parques tecnológicos integrados entre si”, “consolidar a rede paulista de centros e de núcleos de inovação tecnológica”, “atualizar e aplicar a Lei Paulista de Inovação”, “Estimular a inovação nas empresas”, e “Fomentar práticas inovadoras na educação com a Rede Estadual de Inovação Educacional”. 

Doria destaca em seu plano os “benefícios de investimentos em parques tecnológicos incubadoras de empresas, empresas inovadoras, startups e em iniciativas empreendedoras no Estado”, mas não chega a mencionar como serão esses investimentos.

Os investimentos em ciência e tecnologia são mencionados no plano de França sem detalhamento. O texto fala em “Ampliar o Programa de Apoio Tecnológico aos municípios”, “Impulsionar o programa de apoio às micros, pequenas e médias empresas” e “Ampliar o apoio a startups de base tecnológica, articulando as ações das universidades, institutos e agências públicas com as iniciativas privadas e incubação e aceleração de empresas inovadoras”.

Já o plano de Doria não sinaliza nenhum novo investimento na área, embora diga que o Estado de São Paulo já é o principal polo científico do País graças a um “forte conjunto de programas de apoio ao ensino superior e de pesquisa, financiado pelo contribuinte estadual”. O candidato também compara o sistema de ciência e tecnologia paulista ao de países desenvolvidos.

Falta de articulação

De acordo com Lucile Maria Floeter Winter, diretora da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC), uma das principais falhas em ambos os planos é que eles não propõem nenhum tipo de articulação entre órgãos de ciência e tecnologia do Estado, da União e dos municípios – uma necessidade que já havia sido apontada no portal das eleições da SBPC, após intensas discussões com a comunidade científica.

“Em nenhum dos dois planos apresentados aos postulantes do ao cargo de Governador do Estado de São Paulo observa-se essa preocupação de articulação nas três esferas. É importante reafirmar a necessidade da efetiva aplicação, nos níveis federal, estadual e municipal do novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação”, disse Lucile.

 

Pesquisa básica

Outra lacuna importante nos dois planos de governo é o estímulo à ciência básica, sem a qual a ciência aplicada e o desenvolvimento tecnológico tornam-se impossíveis, apontou a pesquisadora, que, questionada sobre qual das duas propostas de governo considera melhor, preferiu apontar que ambas são insatisfatórias.

“Os dois planos falam sobre estimular a participação de empresas no desenvolvimento científico e tecnológico, chegam a apontar a necessidade de estimular a criatividade na resolução de novos problemas, mas não focam na necessidade de apoio à pesquisa básica, que constitui o alicerce no aumento e domínio do conhecimento, para que aí sim, possa haver a transferência e aplicação na solução dos problemas”, afirmou.

Segundo Lucile, a escassa frequência dos termos ciência, tecnologia e inovação detectada nos dois programas é reflexo da pouca importância que é dada ao tema pelos dois candidatos. Segundo ela, os dois documentos “não apontam soluções objetivas para os problemas centrais enfrentados pelos institutos de pesquisa e pelas universidades estaduais, principalmente no se refere à renovação e reconhecimento do quadro de pessoal qualificado”.

‘Ciência nas entrelinhas’

“Os dois programas demonstram fraqueza na área científica”, disse o presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (ACIESP), Marcos Buckeridge, que é professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).

“Ambos os candidatos não parecem ter se esforçado para colocar em seus programas o que talvez seja uma das maiores forças do estado de São Paulo em tempos modernos, a sua capacidade de produzir ciência, tecnologia e inovação”, afirmou Buckeridge, que também preferiu não indicar qual dos dois programas de governo considera melhor para CT&I.

Para o cientista, a força do Estado de São Paulo em CT&I justificaria que esse tema formasse a base dos dois programas, para mostrar à população que os candidatos estão cientes dessa pujança. “No entanto, a ciência aparece praticamente nas entrelinhas, de forma tênue, sem aproveitar os avanços espetaculares que fizemos nas últimas décadas.”

Dados disponíveis

A carência de propostas para a ciência não pode ser atribuída à falta de informações, segundo Buckeridge, já que a a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) tem publicado anualmente relatórios completos e de alta qualidade sobre a CT&I em território paulista.

“A ACIESP também publicou um estudo no ano passado mostrando aspectos ainda mais amplos. As equipes dos candidatos têm, portanto, à disposição todos os dados necessários para construir um bom programa na parte de ciência. É uma pena que sejam tão vagos”, comentou Buckeridge.

“Esperamos que, depois que um dos dois candidatos se torne eleito, ele decida olhar melhor as informações sobre a ciência em nosso Estado. A população terá muito a ganhar se o novo governador fizer isto.”

Direto da Ciência