Leia a carta abaixo:
Carta aberta à Organização das Nações Unidas Iniquidade em Saúde durante a Pandemia: um Grito por Liderança Ética Global
Sua Excelência Senhor Antonio Guterres
Secretário Geral da Organização das Nações Unidas
Como instituições de saúde pública, cuidados de saúde, científicas, acadêmicas e outras áreas relacionadas, estamos profundamente preocupados com o crescente impacto da pandemia de
COVID-19 entre populações já vulneráveis e marginalizadas em todo o mundo. Relatos da mídia informam sobre taxas mais altas de infecção e mortalidade em populações carentes. De Nova York a Nova Orleans e Chicago, nos EUA, às imagens chocantes de corpos nas ruas do Equador, vemos um prelúdio do impacto do coronavírus em países de baixa e média renda, lar de mais de 80% da população mundial.
Populações desfavorecidas e marginalizadas correm maior risco de serem infectadas. Elas têm risco de exposição elevado devido à superlotação em residências e bairros, menor acesso ao saneamento básico, são mais propensos a usar o transporte público e têm empregos que não permitem que trabalhem em casa. Adicionalmente, em muitas partes do mundo, os desafios cotidianos de uma vida precária podem superar a percepção dos riscos apresentados pela pandemia de coronavírus, tornando as pessoas menos propensas a adotar medidas preventivas, muitas das quais – como distanciamento social e higienização frequente das mãos – são luxos que simplesmente não estão ao alcance.
Quando infectadas, as pessoas marginalizadas têm maior probabilidade de evolução para casos graves, uma vez que sofrem de doenças crônicas, obesidade e desnutrição em taxas desproporcionalmente mais altas. Elas também são menos propensas a terem acesso, se houver, a testes e tratamentos, incluindo hospitalização e terapia intensiva, já que os hospitais em suas comunidades já possuem pessoal e recursos inadequados e, em muitos casos, os cuidados implicam despesas elevadas. Para os cidadãos mais vulneráveis do mundo, todos esses fatores aumentam a probabilidade de morte.
Apesar dos avisos ameaçadores, a maioria dos sistemas de saúde não está preparada para lidar com uma pandemia dessa magnitude, uma situação exacerbada por um modelo de saúde que visa o lucro e que a trata como uma mercadoria, e não como um direito humano básico. Os desafios comuns incluem déficits severos no número de profissionais de saúde qualificados, infraestrutura e equipamentos hospitalares, leitos hospitalares e de UTI, equipamentos de proteção individual (EPI), material para testes (de cotonetes a reagentes), meios para controle de qualidade dos testes, e acesso a medicamentos (mesmo que experimentais). Se os sistemas de saúde da China, Itália, Espanha e Estados Unidos estão sendo sobrecarregados, podemos apenas imaginar o impacto nos países menos abastados.
Essa situação trouxe à tona o melhor da natureza humana, especialmente a solidariedade. Muitas histórias circulam sobre o apoio amável de vizinhos e o comprometimento dos profissionais de saúde da linha de frente e daqueles que mantêm serviços essenciais durante o isolamento. No entanto, também estamos testemunhando as piores respostas, desde a acumulação de alimentos básicos e suprimentos de higiene por pessoas cegas às necessidades das demais, a acumulação de EPI, exames laboratoriais, remédios e ventiladores por parte de nações ricas, freneticamente cobrindo ofertas umas das outras. Nestes mesmos países, a mídia revela planos para garantir patentes e benefícios de vacinas eficazes e medicamentos que salvam vidas, como vimos há 30 anos com o HIV/AIDS. Esse frenesi de acumulação é em resposta ao pânico, mas também é associado a uma tentativa de extrair lucros da crise. Assim, devemos perguntar: o que acontecerá com aqueles que não têm musculatura econômica para superar as ofertas dos grandes jogadores? Os cenários para estes serão ainda mais sombrios à medida que novos medicamentos e vacinas forem desenvolvidos?
A acumulação deve ser condenada nos termos mais firmes. Em um momento de angústia compartilhada como este, devemos ser capazes de dar um passo atrás e nos unir em solidariedade, para que todos tenham pelo menos uma chance melhor de sobreviver a essa ameaça universal (e desigual), que terá um impacto injusto dependendo de onde se vive.
Nós propomos que o Secretário-Geral da ONU forneça o apoio necessário à Organização Mundial da Saúde (OMS), criando uma “Força-Tarefa pela Equidade Global em Saúde”, um grupo multissetorial para enfrentar o impacto da pandemia do COVID-19 em suas dimensões plenas de saúde, sociodemográficas e econômicas. A Força-Tarefa atuaria para apoiar a coordenação dos órgãos pertinentes da ONU, incluindo o Comitê Permanente de Agências de Prontidão e Resposta ao Surto de COVID-19, o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) e, se necessário, obter o apoio do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral.
A Força-Tarefa, sediada na OMS, seria encarregada de tomar as medidas necessárias para o exercício da liderança global necessária para uma resposta à pandemia, de forma abrangente e focada na equidade, e guiada pelos princípios éticos de justiça, beneficência e não maleficência, e pela Declaração Universal de Direitos Humanos. Também incentivaria a cooperação internacional para a alocação justa de recursos a todos os países, conforme a necessidade.
A Força-Tarefa desenvolveria normas internacionais necessárias para apoiar a produção regional de medicamentos genéricos, suprimentos e equipamentos de qualidade. Afinadas com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3 (ODS 3) da Agenda 2030 (assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades), essas normas devem abolir as patentes de quaisquer suprimentos, equipamentos, medicamentos e vacinas relacionados à pandemia. A Força-Tarefa apoiaria a quantificação e previsão de necessidades, adotando medidas para salvaguardar uma cadeia de suprimento global equitativa e viável, com o apoio logístico necessário.
A Força-Tarefa se concentraria no desenvolvimento de recomendações aprimoradas sobre preparação e resposta, para aumentar as modalidades de capacitação para atender às necessidades de nossas populações mais vulneráveis e em maior risco em todo o mundo, incluindo comunidades que vivem na pobreza; aqueles com alta prevalência de comorbidades; minorias raciais, étnicas e religiosas; e pessoas que vivem em abrigos, centros de detenção, campos de imigração e zonas de conflito.
A Força-Tarefa também deve aconselhar países e regiões sobre estratégias coordenadas, justas e equitativas de flexibilização de confinamento, estabelecendo as bases e promovendo medidas para fortalecer os sistemas universais de saúde em todo o mundo e minimizar as terríveis disparidades econômicas e sociais que levaram a essa desigualdade ampliada nos efeitos da COVID-19.
Senhor Secretário Geral, as organizações que assinam esta carta solicitam que a Sua Excelência atenda a nossa solicitação e envolva os órgãos e programas pertinentes das Nações Unidas, a fim de apoiar os esforços para evitar os efeitos desastrosos, que são esperados pela chegada da pandemia, às pessoas mais desfavorecidas e marginalizadas globalmente. A magnitude do impacto dessa pandemia requer intervenções corajosas para proteger os mais necessitados.
Veja aqui a lista das instituições que assinam o documento.
Saiba mais sobre o movimento e faça parte:
https://www.sustainablehealthequity.org/
Jornal da Ciência