“O planeta está ficando 3°C mais quente. Caso medidas não sejam tomadas com urgência, o aquecimento da Terra só irá aumentar”, alertou Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), durante sua conferência que teve como tema “Como construir uma sociedade sustentável”. A atividade, apresentada no dia 16 de março, fez parte da programação da Reunião Regional da SBPC no Piauí, realizada em Teresina.
Segundo o cientista, as ações humanas têm aquecido o planeta a uma taxa sem precedentes há pelo menos 100 mil anos e não é mais uma questão de reduzir emissões, mas de como transformar a sociedade em uma sociedade sustentável. “O Brasil hoje é o sétimo emissor do planeta, o quarto em emissões per capita e o sexto em emissões históricas desde 1950. Ou seja, nós temos, sim, uma grande responsabilidade.”
Segundo o cientista, se os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) não forem efetivamente adotados, as coisas tendem a piorar. Ele frisou que o problema é urgente e que necessita de soluções imediatas, que tenham como objetivo um desenvolvimento econômico sustentável.
Dentre vários dados listados na atividade, Artaxo citou os resultados do último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), ressaltando que o foco do documento de 4.890 páginas, produzido por mais de 7 mil cientistas, é alertar o mundo sobre a necessidade premente de se reduzir emissões de gases de efeito estufa. Segundo ele, o texto mostra que é indiscutível que as atividades humanas sejam as causadoras das mudanças climáticas, provocando eventos climáticos extremos, como ondas de calor, as chuvas fortes e secas mais frequentes e severas.
Na avaliação do pesquisador, o documento, repleto de frases fortes, é o que traz a mensagem mais contundente sobre a crise ambiental entre todos os relatórios produzidos pelo IPCC nos últimos 30 anos. No entanto, ele salientou que o documento deve ser visto como um alerta para a humanidade.
Uma dessas frases destacadas por Artaxo, chama a atenção para o fato de as mudanças recentes no clima serem generalizadas, rapidamente intensificadas e sem precedentes. Outra citação do relatório, recortada por ele, faz o seguinte alerta: “A evidência científica é inequívoca: mudanças climáticas são uma ameaça ao bem-estar humano e à saúde do planeta. Qualquer atraso em uma ação global, coordenada e conjunta, resultará na perda de uma breve janela que se fecha rapidamente para assegurar um futuro habitável”. O relatório ainda chama a atenção para o fato de que se não houver reduções imediatas, rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa, “limitar o aquecimento a 2,0ºC pode ser impossível.”
O relatório do IPCC indica, segundo o pesquisador, que as mudanças climáticas já estão afetando todas as regiões da Terra e os impactos aumentarão com o aquecimento global. E, embora os mais ricos sejam os maiores emissores de gases de efeito estufa, Artaxo ressaltou que, nesse cenário, serão os mais pobres os mais prejudicados.
“O que observamos é que o aquecimento está aumentando a ocorrência de eventos climáticos extremos no mundo inteiro e que, por exemplo, a região do Nordeste do Brasil ficará inabitável em algumas décadas. Estamos vendo incêndios gigantescos nos Estados Unidos e na Europa, secas intensas e ondas de calor muito grandes na Europa, nos EUA e na Ásia e inundações muito fortes. E isto é um sinal claríssimo, já previsto pelos modelos climáticos, de uma das consequências das mudanças climáticas globais. Elas estão trazendo um aumento na frequência e na intensidade de inundações, chuvas muito intensas, secas prolongadas e assim por diante”, disse.
Ele lembrou ainda que o Brasil vem registrando, desde o ano passado, enchentes enormes e chuvas torrenciais em várias regiões, como Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro, bem como secas no Sul do País. “Tivemos em Petrópolis, e, recentemente, em São Sebastião na Barra do Sahy, no litoral de São Paulo. É evidente que o Brasil precisa melhorar a sua preparação, a sincronia entre os vários agentes nessa questão, que vão desde a previsão meteorológica e os alertas aos governos municipais, estaduais e federal, até a ação da Defesa Civil.”
Artaxo reforçou que faz 50 anos que a ciência vem alertando aos governantes e que algo está errado. “Hoje, apesar das 27 COPs, as emissões de gás efeito estufa só crescem. Elas sequer estabilizaram. Estamos emitindo 60 gigatoneladas de CO2 para a atmosfera terrestre. Mesmo com a quase paralisação de transporte, durante a pandemia, as emissões continuaram aumentando”, alertou.
Para limitar o aquecimento global, Artaxo advertiu que o relatório do IPCC recomenda que sejam feitas reduções fortes, rápidas e sustentadas de CO2, metano e outros gases de efeito estufa. “Isso não só reduziria as consequências das mudanças climáticas, mas também melhoraria a poluição do ar nas cidades”, explicou.
O vice-presidente da SBPC disse também que o Brasil tem as condições ideais para ser o pioneiro na redução da emissão de gases do efeito estufa. “O Brasil tem vantagens estratégicas enormes na questão das mudanças climáticas globais. Atualmente no Brasil, 44% das nossas emissões de gases de efeito estufa se dão através do desmatamento da Amazônia e não há nenhum outro país do planeta entre as 196 nações da ONU que possa reduzir as suas emissões pela metade em pouquíssimos anos e com muitos benefícios”, disse.
Quanto às projeções de temperatura média do Planeta em diferentes cenários desenhados pelo IPCC, Artaxo disse que no cenário mais otimista, seria registrado aumento de 1.4 a 1.9 graus Celsius. Mantendo as emissões atuais, o Planeta está caminhando para um aumento médio de temperatura de 3.7 a 4.3 graus Celsius. “Se permitirmos que em média global aumente 3.5 graus, o Brasil registrará um aumento de temperatura em torno de 5.5 graus, e no Ártico em torno de 7 a 9 graus. E essa ficha não caiu para a população como um todo”, avaliou.
As publicações da Embrapa e do Fórum Econômico Mundial apontam que o déficit hídrico é outro item dos impactos das mudanças climáticas, no Brasil, em curso, destacou o cientista. “O Brasil está se tornando uma área mais seca. Enquanto, nas últimas duas ou três décadas, as regiões com déficit hídrico muito alto limitavam-se ao Nordeste brasileiro, agora está havendo um deslocamento para o Brasil Central”, continuou Artaxo, prevendo uma queda de entre 40% e 50% na produtividade agrícola em um cenário de aumento de temperatura de até 3º C. “Como vamos alimentar dez bilhões de pessoas em 2050? ou como vamos atingir o Net Zero em 2050, se a produção de alimentos hoje é responsável por 30% das emissões?”, questionou. Para ele, essas e outras questões relacionadas com as mudanças climáticas precisam entrar no planejamento estratégico brasileiro.
De acordo com Artaxo, o aumento do nível do mar por causa do degelo dos extremos norte e sul do planeta foi mais um dos fenômenos decorrentes do aquecimento global analisados pelo IPCC. “Um país como o Brasil que tem cerca de 8 mil quilômetros de extensão de área costeira tem de se preocupar. O IPCC fez uma projeção de que o aumento adicional do nível do mar pode chegar até 1.5 metro. E até 2300, o potencial é de 15 metros”, assinalou, prevendo impactos de grande proporção no Brasil. “Um porto como o do Rio de Janeiro ou de Santos, em São Paulo, por exemplo, vão requerer gigantescos investimentos em infraestrutura. Isso vai causar um grande impacto socioeconômico e esse é só começo dos problemas”, observou.
Para o pesquisador, a redução das emissões e a adaptação às mudanças climáticas irão requerer governos que pensem em uma estratégia de país de longo prazo. “Se, há dez anos, tivéssemos investido em energia solar e eólica, particularmente no Nordeste, não teríamos uma crise energética tão séria quanto a que estamos passando.”
O cientista ressaltou que as desigualdades socioeconômicas são chaves para as soluções. “Se os países desenvolvidos não reduzirem o nível de consumo para que milhões de pessoas na África e América Latina possam consumir o mínimo, vamos levar o planeta à sua exaustão”, disse.
“Temos que restabelecer a conexão vital entre os humanos e o resto do mundo que nos sustenta. Somente com ações integradas entre governos, empresas e sociedade, iremos construir um mundo sustentável”, finalizou.
A atividade foi apresentada por Samuel Goldenberg, pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que ressaltou que a sustentabilidade é um tema caro e extremamente importante para a sociedade e que todos precisam se apropriar dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para que o mundo seja melhor. “O futuro do nosso planeta depende da apropriação dessas práticas já discutidas há anos”, afirmou, lembrando que a discussão em torno do meio ambiente começou com a Conferência da ONU em Estolcolmo, na Suécia, que aconteceu nos dias 5 a 16 de junho e 1972 e reuniu chefes de Estado de 113 países para tratar de assuntos como poluição atmosférica e consumo excessivo dos recursos naturais. O encontro teve como tema “Estocolmo+50: um planeta saudável para a prosperidade de todos e todas — nossa responsabilidade, nossa oportunidade”.
Leia aqui os slides da apresentação de Paulo Artaxo.
Veja aqui a conferência na íntegra.
Vivian Costa – Jornal da Ciência