Cesar Lattes e a descrição dos inobserváveis

Artigo da nova edição da Ciência & Cultura reflete sobre os limites das palavras na Física de partículas

WhatsApp Image 2024-03-11 at 12.28.48 PMCesar Lattes é um nome amplamente reconhecido na comunidade científica brasileira. De 1946 a 1948, suas pesquisas se tornaram objeto de estudo em um número significativo de publicações, revelando um cientista envolvido em polêmicas com renomados colegas, indicado diversas vezes ao Prêmio Nobel de Física, frequentando montanhas de difícil acesso, acompanhado por seus cachorros em sala de aula, e lutando contra problemas de saúde. Isso é o que discute artigo da nova edição da Ciência & Cultura, que celebra o centenário do físico brasileiro César Lattes.

Foi sob a liderança de Lattes que experimentos cruciais foram conduzidos, permitindo a afirmação científica da existência dos mésons pi e mi. Utilizando elementos radioativos e aceleradores, físicos experimentais lançavam deutérios, partículas alfa, entre outras, contra núcleos de elementos cuidadosamente escolhidos para provocar colisões controladas. Além disso, exploravam raios cósmicos, abrindo mão de parte do controle experimental em troca de descobertas. O objetivo era entender as transmutações de elementos e partículas subnucleares que surgiam dessas colisões. “Com a mobilização de novos instrumentos, temos novos dados, novas habilidades de análise e há a necessidade de terminologia adequada que, via de regra, ainda não existe”, explica Heráclio Tavares, professor do curso de História da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT)

Para analisar tais fenômenos, os cientistas necessitavam de detectores adequados, como o contador Geiger, a câmara de Wilson, a chapa fotográfica halftone e a emulsão nuclear. Cada um desses instrumentos fornecia informações valiosas sobre as características das partículas resultantes das colisões. Por exemplo, o contador Geiger indicava a energia das partículas através de um ponteiro e até mesmo podia emitir sons. Já a câmara de Wilson, equipada com uma máquina fotográfica, registrava automaticamente as trajetórias das partículas carregadas, deixando um rastro de bolhas no gás dentro da câmara. A emulsão nuclear, evolução da chapa halftone, permitia análises tridimensionais dos traços deixados pelas partículas através do escurecimento de grãos de brometo de prata em gelatina.

A escolha de instrumentos e teorias revela a visão dos cientistas sobre os dados em circunstâncias específicas. Lattes desempenhou um papel crucial ao desenvolver métodos para lidar com essa nova instrumentação, calibrando, por exemplo, a emulsão nuclear usada na observação dos mésons. Sua colaboração com José Leite Lopes para criar o primeiro livro em português sobre física atômica e nuclear reflete o compromisso em compartilhar conhecimento e introduzir novidades no cenário científico brasileiro. A escrita de artigos científicos sobre física de partículas não é tarefa simples. Envolve uma complexa interação entre a natureza investigada, os dados produzidos pelos instrumentos, as ações experimentais e os resultados alcançados. O cientista se torna o mediador entre a ciência e o público, traduzindo fenômenos complexos em palavras e símbolos compreensíveis. “Há uma dialética entre a natureza investigada, os dados produzidos pelos instrumentos, as ações de enunciação do experimento e resultados alcançados que colocam o cientista no centro desse processo de significação”, aponta Heráclio Tavares.

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