Câmeras monitorando o trânsito, sensores que detectam as condições de tráfego e reprogramam os semáforos sempre que necessário, altos investimentos em tecnologia, instalação de ciclovias, controle dos níveis de poluição, reaproveitamento da água, reciclagem do lixo urbano, são algumas características das chamadas cidades inteligentes, conceito que ganhou força nos últimos 30 anos e que foi tema da conferência “Cidades mais humanas, inteligentes e sustentáveis”, proferida pelo professor do Departamento de Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Eduardo Moreira da Costa. Ele, no entanto, não acredita que o mero investimento em tecnologia basta para tornar uma cidade inteligente: “é preciso olhar para os problemas da população e criar soluções em conjunto com a comunidade. Temos que ir além das cidades inteligentes e criar cidades humanas”, disse.
Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, um moderno (e caro) centro de controle de tráfego informa onde há congestionamentos, acidentes, bem como a velocidade de deslocamento. “Não é raro o sistema detectar a velocidade de 12 km/h na Linha Vermelha, via expressa que liga o centro da cidade à Baixada Fluminense. Essa é a mesma velocidade de deslocamento de uma carroça!”, compara Costa. Esse tipo de controle informa uma situação, mas não gera soluções. “Ele não melhora, de fato, a vida das pessoas”, afirmou. Segundo ele, no Brasil, o conceito de cidades inteligentes foi capturado pelos fornecedores de equipamentos, que se limitam a vender sistemas que se limitam a apontar um problema e gerar informações. “A tecnologia só tem sentido para resolver um problema real. Em minha opinião, a questão principal é: como contribuir para criar uma cidade mais amigável para os que vivem nela?”.
Eduardo Costa apontou vários equívocos no planejamento das cidades. A separação da cidade em funções distintas é um deles. Essa divisão é fruto da Revolução Industrial que confinou as indústrias em uma zona separada, estabeleceu bairros residenciais e deixou para o centro da cidade a função de abrigar os serviços de entretenimento. Uma das características mais deletérios desse modelo, sem dúvida, é a necessidade do carro. “Temos que recuperar o modelo de organização das cidades medievais, o que eu chamo de urbanização inteligente, na qual as pessoas, para trabalhar, morar, e se divertir, precisariam de deslocar por, no máximo, uma milha (pouco mais de 1,5 quilômetro)”, diz. Esse modelo incentiva o uso de bicicletas e a caminhada, além de facilitar o estabelecimento de vínculos entre as pessoas.
Um segundo equívoco é pensar soluções sem ouvir a população que será afetada por elas. Costa deu o exemplo do projeto de instalação de um teleférico na Rocinha, no Rio, pelo ex-prefeito Eduardo Paes. Houve apenas uma audiência de consulta à comunidade que, prontamente, rejeitou o projeto, alegando que havia necessidades mais urgentes como saneamento básico. “É fundamental planejar as cidades para atender os desejos, interesses e necessidades da população. Não é incomum que a própria comunidade tenha soluções para diversos problemas”, declara.
O planejamento das cidades, ainda hoje, obedece ao paradigma da industrialização que o engenheiro considera ultrapassado. Para ele temos que passar por um processo de desindustrialização mental. “Seguimos achando que a indústria é o empreendimento mais importante para uma cidade. Prefeituras concedem incentivos fiscais para atrair empresas, mas a verdade é que o retorno é baixo porque a fábrica moderna gera poucos empregos e um retorno econômico em termos de PIB pouco significativo”, afirmou. O paradigma da industrialização dita a organização do tempo que, na prática, coloca milhares de carros ao mesmo tempo nas ruas, uma das causas do caos urbano que afeta todas as metrópoles brasileiras.
Mudanças de paradigma são as mais desafiadoras. Otimista, Eduardo Costa, finalizou a conferência citando fontes de inspiração que podem ajudar a acreditar que é possível construir cidades mais inteligentes, humanas e sustentáveis. Um exemplo é a mudança da capital do Brasil para Brasília, quando uma cidade inteira foi construída em pouco mais de dois anos e meio. Outra iniciativa inspiradora é High Line Park, em Nova York, um parque linear de aproximadamente 2,5 quilômetros, construído em 2009, numa linha férrea desativada. “Finalmente, as crianças são sempre uma boa referência para medir se uma solução é boa ou não, porque se é bom para elas, é bom para todos”.
Patricia Mariuzzo – para o Jornal da Ciência