Com a promessa de acelerar o desenvolvimento científico e promover a inclusão social, a ciência aberta busca derrubar barreiras tradicionais ao compartilhamento de conhecimento, facilitando o acesso a dados, metodologias e publicações científicas. No Brasil, essa abordagem é vista como essencial para enfrentar desafios científicos e sociais, desde a inovação tecnológica até a resolução de problemas de saúde pública e ambientais. No entanto, a implementação da ciência aberta no país enfrenta obstáculos significativos, como a falta de infraestrutura adequada, questões de propriedade intelectual e a necessidade de mudança cultural entre os pesquisadores. Esse foi o tema da mesa-redonda “Como podemos contribuir para uma política de ciência aberta?”, realizada nesta terça-feira (09/07) durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que acontece de 7 a 13 de julho na Universidade Federal do Pará (UFPA).
A mesa-redonda, coordenada por Fernanda Antônia da Fonseca Sobral, professora emérita do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB) e diretora da SBPC, contou com a participação de Sigmar de Mello Rode, professor do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e presidente da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC Brasil), Luiz Antônio Pessan, professor do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e diretor de Programas e Bolsas no País da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Olival Freire Junior, diretor científico do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e Claudia Maria Bauzer Medeiros, professora do Instituto de Computação da Unicamp e coordenadora adjunta para o programa eScience e Data Science da Fapesp.
A ciência aberta é uma prática que visa reduzir a exclusão digital, tecnológica e de conhecimento entre os países. Segundo Sigmar de Mello, a pesquisa está se tornando cada vez mais complexa, colaborativa, digital e baseada em dados e grandes capacidades de computação científica. No entanto, ainda continuamos a realizar, publicar, financiar e avaliar a pesquisa da mesma forma que no século passado, necessitando repensar como esses dados são divulgados. Ele destaca que a ciência aberta aumenta a cooperação e a reprodutibilidade de dados entre os diversos envolvidos na pesquisa, academia e sociedade. “Além disso, otimiza os investimentos na pesquisa, pois, ao divulgar a pesquisa em andamento, evitamos repetições desnecessárias e economizamos recursos”, afirma Mello. Ele também defende que a ciência aberta aumenta a visibilidade da pesquisa, tornando-a acessível não só para a academia, mas também para a sociedade. “O conhecimento é um bem público global, especialmente em nosso país, onde a maioria das pesquisas é financiada por recursos públicos, seja por agências de fomento ou universidades públicas”, acrescenta.
Luiz Antônio Pessan aponta que a ciência aberta envolve muitos aspectos e, portanto, precisa ser discutida em vários níveis da sociedade, envolvendo a academia, grupos sociais e o governo. “É essencial proporcionar à comunidade e aos pesquisadores o acesso não apenas para consulta, mas também para publicar o que está sendo feito”, argumenta. Pessan ressalta os princípios da ciência aberta – transparência, acessibilidade, reprodutibilidade, liberdade acadêmica, compartilhamento e colaboração, integridade das pesquisas, excelência científica e inclusão – e enfatiza a importância do envolvimento da sociedade. “Precisamos estar mais próximos da sociedade civil para que, quando comunicarmos o que a ciência indica como verdade, sejamos acreditados. Se estivermos distantes, em momentos de crise, será muito mais difícil transmitir essas informações”, conclui.
A publicação de pesquisas em revistas e periódicos acadêmicos é um dos pilares da ciência atual, pois esses veículos garantem a revisão por pares e permitem que os resultados alcancem mais pesquisadores. No entanto, esse sistema enfrenta contradições. Olival Freire Junior destaca que a ciência deve ser considerada um bem público, não podendo ser apropriada por entidades privadas. Ele afirma que, além de envolver a sociedade, é preciso transparência na comunicação dos resultados e no compartilhamento dos dados. “A ciência aberta não é apenas a ciência em si, mas também a publicação dos resultados e a transparência nos mecanismos de produção científica. A ciência não pode ser entendida como algo exclusivo dos iniciados, imune a críticas”, explica. Freire reforça que a ciência aberta é uma tendência crescente, que se constituiu ao longo da história e deve ser incentivada para facilitar o acesso ao conhecimento científico.
O compartilhamento de dados ganhou grande importância durante a pandemia de covid-19, quanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) defendeu a publicação de dados de pesquisa como uma estratégia para o combate da patologia. Segundo Claudia Medeiros, é preciso ir além: não basta apenas disponibilizar os dados, mas é preciso colocar o processo científico e resultados da pesquisa científica de forma livre e aberta. “Nós compartilhamos e colaboramos não só com quem está ao nosso lado, mas com gente que não conhecemos, e com o futuro”. Ela também defendeu a necessidade de educar sobre as vantagens de praticar ciência aberta. “A ciência aberta exige não apenas tecnologia ou estrutura, mas exige que todos os cientistas estejam preparados para trabalhar de forma colaborativa, quer totalmente aberta, quer semiaberta, quer fechada, dependendo do ambiente. Exige que todo o pessoal de apoio entenda o que fazer. Exige que as pessoas sejam treinadas. Então a educação para a ciência aberta é fundamental.”
Fernanda Sobral finalizou destacando o papel da divulgação científica como uma forma de ciência aberta. Para ela, a comunicação pública da ciência é imprescindível para envolver a sociedade nos processos científicos e em tomadas de decisões embasadas na ciência. Mas, para tanto, é preciso saber como atingir esse público. “É preciso não apenas trazer os resultados, mas também se referir aos mecanismos pelos quais a ciência é produzida, até o próprio fomento. Por exemplo, o cientista vai para a televisão e fala de vacina, que é uma descoberta, um resultado. Mas é muito interessante que se diga com uma linguagem clara como se chegou a essa vacina. Isso vai dar muita mais legitimidade à ciência”.
Assista à mesa-redonda na íntegra:
https://www.youtube.com/watch?v=MGkRfyLDqsI
Chris Bueno – Jornal da Ciência