A pós-graduação exige que os docentes acompanhem e participem do que está acontecendo no mundo em suas áreas. O mesmo vale para os pós-graduandos. Essa foi uma das principais ideias defendidas pelo presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, durante palestra na cerimônia de abertura do I Simpósio de Pós-Graduação da UFSJ.
Uma das maiores autoridades científicas do país e convidado ilustre da primeira edição do evento, Janine Ribeiro apresentou, com muito conhecimento e naturalidade, o tema A pós-graduação no Brasil: uma análise sobre o cenário e as perspectivas.
De início, o convidado afirmou que a pós-graduação é, entre os níveis da educação brasileira, “o único que tem qualidade internacional.” O que se deve, na visão do palestrante, à avaliação da Capes. “Essa avaliação parte de um princípio muito simples: você somente forma um mestre ou doutor se ele for orientado por quem está efetivamente pesquisando e em articulação com outros grupos. A grande questão é: os orientadores estão fazendo pesquisa deles próprios ou estão parados no tempo?” Para ilustrar sua fala, lembrou de sua orientadora de mestrado, a professora Gilda de Mello e Souza, que costumava criticar professores da pós que não se atualizavam, que ministravam sempre a mesma aula, com o mesmo material, que ela chamava de “cadernos amarelados.”
Pôsteres e doutorado-sanduíche
Renato Janine Ribeiro falou também sobre vários aspectos da realidade dos pesquisadores brasileiros. Um deles, as modificações no sistema de apresentação de trabalhos em eventos científicos. “Durante bastante tempo, a metodologia era o da comunicação oral. Esta passou a mostrar diversas falhas, como o tempo insuficiente para a explanação dos pesquisadores. Já com os pôsteres isso não ocorre: você fica em frente ao material, discutindo a pesquisa com os interessados, trocando ideias e contatos, o que é muito bom para a pesquisa e para o pesquisador. A lógica é: o orientador aprende a pesquisar e o orientando pesquisa”, explicou.
O professor Renato Janine discorreu sobre outra iniciativa, muito estimulada quando ele foi diretor de avaliação da Capes – o doutorado-sanduíche. Três orientandos seus foram enviados a grandes centros de pesquisa no exterior e o resultado foi muito estimulante. “Eles voltaram muito melhores. Estabeleceram relações com pesquisadores de ponta, aprenderam coisas inovadoras e mostraram o valor dessa gente bronzeada”, brincou. “Na minha época, doutorado-sanduíche era prioridade, porque o resultado era muito positivo.” Há 15 anos, segundo Janine, o Brasil formava 10 mil pesquisadores em um ano; apenas a USP formava 600 deles. A consequência foi que o Brasil aumentou muito a sua mão de obra altamente qualificada, a qual, todavia, enfrentou problemas como a absorção pelo mercado de trabalho.
Essa questão esbarra no compromisso das instituições particulares em investir em pesquisa. “Muitas particulares não investem na pós, pois pesquisa custa dinheiro, não vale a pena, pois afeta o lucro.” Janine defendeu o mestrado profissional, que capacita a pessoa a atuar no mercado de trabalho – a Universidade deve pensar qual direção vai trazer ao pós-graduando ou de que forma a pesquisa de um programa pode melhorar a vida do cidadão brasileiro.
Indicadores de solidariedade
Ao retomar o tema da avaliação da pós-graduação pela Capes, um item merecedor de atenção é o que ele chama de “fator de solidariedade”, ou seja, qual o grau de articulação dos pesquisadores de um determinado programa com outros de áreas idênticas ou afins, no Brasil ou no exterior. “Em termos de avaliação, não basta ser muito bom no que faz, mas para uma nota 6 ou 7 é preciso articular-se com outros grupos, maiores e menores.”
No panorama brasileiro, Janine Ribeiro entende que a Capes tem sempre que investir num Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) que deixe claro onde é interessante o país investir, evitando assim a disseminação do negacionismo e a redução drástica dos recursos para pesquisa. Janine é taxativo: “Temos que reverter esse cenário. Sem investimentos públicos não acontece a pesquisa. Ótimo se empresas pudessem financiar a Ciência, mas os poucos casos isolados nos mostraram que esse dinheiro privado apenas pinga… O que o país precisa é que a Ciência seja tratada como política de governo.”
Ao final da palestra, Renato Janine Ribeiro definiu a SBPC como “um braço de luta pela Ciência brasileira” e convidou os pesquisadores da UFSJ a participarem da entidade.
Cerimônia de abertura
O I Simpósio foi aberto pelo coordenador geral do evento, o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFSJ, professor André Baldoni. Ele agradeceu aos diversos atores que construíram a pós-graduação na UFSJ, destacando os 20 anos do primeiro programa de mestrado instituído na Universidade. O Programa de Pós-Graduação em Física e Química de Materiais (FQMAT) é herdeiro da história do Programa de Pós-Graduação em Física, Química e Neurociência (Fiquine), iniciada em 2001.
O evento registrou 663 inscritos, com participantes dos seis campi da UFSJ, e 81 participantes da comunidade externa. “Espero que esse Simpósio seja farto de ideias para o fortalecimento da nossa pós-graduação”, declarou André.
O discurso do reitor Marcelo Andrade convocou à esperança, após expor a gravidade da situação das instituições públicas de ensino superior, decorrente da falta de financiamento estatal. O dirigente usou o exemplo do enfrentamento à covid-19, para mostrar como o envolvimento dos cientistas do país influi positivamente na solução de problemas nacionais.
Momento especial da abertura do Simpósio foi a apresentação musical Tributo a Ian Guest. Nascido na Hungria, o grande músico, arranjador e compositor desenvolveu diversas atividades com o Departamento de Música. Márcio Luiz Bacelar, mestre em Música pela UFSJ, executou magistralmente ao violão duas composições do maestro: Serra da Mantiqueira e Choro da gaivota.
Acompanhe o I Simpósio pelo canal da Prope no YouTube, onde as palestras ficarão gravadas:
Dia 10: https://youtu.be/6D0K1-n1Q3g
Dia 11: https://youtu.be/yZ9XL-IPeoU
Dia 12: https://youtu.be/UYQ_sFFdx4Q