Com as temperaturas atingindo sucessivos recordes de alta, o Brasil precisa da ciência para desenvolver estratégias de adaptação. Este foi o foco da mesa-redonda “Mudanças climáticas: impactos no clima e biodiversidade do Brasil e a construção de uma sociedade sustentável”, realizada na quarta-feira (26/7) dentro da programação da 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Com abordagens amplas – da bioeconomia e biodiversidade até modelos climáticos – a mesa-redonda apresentou projetos e estudos que estão sendo desenvolvidos no governo e nas universidades para mitigar os efeitos do aquecimento global no País.
A física Marcia Cristina Bernardes Barbosa, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que neste momento está conduzindo a Secretaria de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), falou do trabalho e dos objetivos da Secretaria. Segundo ela, o órgão está preparando a abertura de novos editais para apoio à pesquisa em diversas áreas, em especial a promoção da bioeconomia a partir das cadeias produtivas, identificando elementos para otimizar e dar suporte aos produtores na construção dessas cadeias.
“Bioeconomia significa olhar para nossa biodiversidade e identificar como podemos ajudar a população local a ter mais ganhos com essa biodiversidade”, definiu Barbosa.
Mariana Moncassim Vale, ecologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), alertou que a maioria (82%) das espécies endêmicas do País sofre de alguma maneira com os impactos das mudanças climáticas, seja pelo risco de extinção, seja pelo deslocamento forçado ou mesmo expansão, o que pode, inclusive, causar problemas para humanos.
Um exemplo são as cobras da espécie cascavel (Crotalus durissus cascavella) que, como anunciado no início da semana por pesquisadores da UFRJ, estão mudando o seu território, deixando as regiões de vegetação aberta, em áreas de floresta como a Amazônia e Mata Atlântica, para o Sudeste, região mais populosa do Brasil, por conta das mudanças climáticas.
“Ecossistemas e sua biodiversidade associada são parte integrante de um modelo de desenvolvimento climaticamente resiliente. Não apenas as mudanças climáticas impactam os ecossistemas, mas, sobretudo, eles são capazes de se adaptar e mitigar as mudanças climáticas e também prover os serviços ecossistêmicos necessários para aumentar a nossa resiliência”, concluiu Vale.
O vice-reitor da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), Moacyr Araújo, coordenador da Rede Clima – organização ligada ao MCTI que congrega pesquisadores -, enfatizou também a bioeconomia. Ele propôs um projeto com o nome sugerido de Biomas 4.0 (em alusão ao existente Amazônia 4.0) como estratégia de desenvolvimento, envolvendo transferência de conhecimento entre as cadeias produtivas e as pesquisas, com foco nos impactos socioeconômicos e ambientais.
“Desse modo, a bioeconomia se transforma em um instrumento, não só de capacitação e geração de recursos, mas também de combate às mudanças climáticas”, afirmou Araújo.
A climatologista Alice Marlene Grimm, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), centrou sua apresentação na análise de diferentes modelos para previsão dos efeitos das mudanças climáticas nas temperaturas e precipitações pelo País. Em qualquer deles, no entanto, a conclusão foi que “a Amazônia terá um clima futuro mais seco, especialmente em sua estação chuvosa, o que representa mais um risco para sua sobrevivência.”
Ao final dos debates, o coordenador da mesa, o cientista do clima Paulo Artaxo, vice-presidente da SBPC, reiterou o alerta que toda a comunidade científica vem fazendo pela necessidade de cortar emissões de gases de efeito estufa para controlar o aquecimento global.
“Todos queremos estabilizar a temperatura em 2°C, só que na taxa atual de emissões, da ordem de 42 bilhões de toneladas de CO2, aumentando a 2% ao ano, estamos na verdade em uma trajetória de aumento de 3°C na média global. Em áreas continentais o aumento da temperatura é maior, da ordem de 4°C”, afirmou Artaxo. E completou: “Essa é a realidade que temos que encarar, tanto do ponto de vista da ciência, quanto dos cidadãos. E isso vai levar a uma necessidade de adaptação sem precedentes no Brasil.”
Segundo ele, os países mais afetados pelo aquecimento global serão os de clima tropical – justamente os que menos contribuíram para o fenômeno -, que já se situam no limite superior de temperaturas. “Países como a Suécia vão ter um clima até mais agradável do que eles tinham 20 a 30 anos atrás, mas nos tropicais, particularmente o Nordeste brasileiro, a vida não vai ser fácil”, disse o cientista.
Janes Rocha – Jornal da Ciência