Ciência no parlamento: é preciso um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil

Ao analisar a atuação da comunidade científica no Congresso Nacional, debatedores destacam a importância de consolidar um projeto de Nação para que a ciência volte a ser valorizada

Nos últimos anos, a comunidade científica tem se aproximado cada vez mais das atividades do Congresso Nacional. O que antes era um movimento para ações específicas – como a construção do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) – hoje tornou-se uma atividade cotidiana, muitas vezes motivada pela necessidade de proteção contra projetos de desmonte do setor. Para debater este cenário de aproximação entre a ciência e a política, membros da Iniciativa para Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) conduziram a mesa-redonda “CT&I no Parlamento” na 74ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Neste ano, a RA está sendo realizada na Universidade de Brasília (UnB), até o dia 30 de julho.

Abrindo os debates, o secretário executivo da ICTP.br e vice-presidente do Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), Fábio Guedes, apontou os principais desafios da atualidade para a comunidade científica no ambiente legislativo. Depois da recente tentativa frustrada do governo federal de legalizar o bloqueio do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o setor ainda enfrenta a ameaça da Medida Provisória (MP) n° 1112/2022, que retira recursos destinados à pesquisa e desenvolvimento (P&D) para descomissionar veículos que ultrapassaram sua vida útil. Batizada de MP da Sucata, a proposta do Poder Executivo ainda não foi deliberada pelo Congresso e segue colocando em risco as pesquisas tecnológicas, especialmente na área energética.

“Estão tirando do futuro para colocar no passado”, ilustrou Guedes ao resumir o efeito da MP. Ele lembrou que, ainda que os recursos afetados pela medida sejam oriundos das empresas exploradoras de óleo e gás natural, as pesquisas financiadas não se restringem a estas modalidades de geração de energia. “No site da ANP (Agência Nacional de Petróleo), no início do financiamento de P&D, as palavras-chave se resumiam a vinte. Hoje, a nuvem de palavras chega a mais de uma centena. E não são palavras só relacionadas a combustíveis fósseis, mas também a tecnologias de baixo carbono e de produção de energia sustentável. Isso mostra a dimensão das pesquisas financiadas com estes recursos”, alertou o secretário da ICTP, expondo também seu desejo de que a MP perca a validade sem ser deliberada pelos parlamentares. “Espero que caduque.”

Estas iniciativas para retirar recursos da pesquisa científica têm, infelizmente, se tornado corriqueiras no atual cenário político. Em vídeo encaminhado à reunião, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB/RJ) criticou a falta de perspectiva para o futuro que o Brasil se encontra. “Nós temos condição de fazer uma transição para energia limpa, mas não conseguimos sequer entrar no debate de meio ambiente. Nós somos um vexame internacional”, desabafou. Para a deputada, é urgente para o País pensar a ciência e a inovação voltadas para o bem-estar e a segurança alimentar do povo, colocando o interesse coletivo como base estratégica para as políticas. Mas, para isso, é fundamental construir estas novas políticas, abandonadas na atual gestão.

Um novo projeto de Nação

Para o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), reitor Marcus Vinícius David, são três os eixos que precisam ser trabalhados com o Congresso Nacional para que ciência e educação possam prosperar no Brasil: a política, o financiamento e a governança do sistema de P&D. “E, sem uma política de desenvolvimento, é absolutamente impossível superar a crise da ciência. Falta uma política de desenvolvimento do País. Nós podemos afirmar de forma muito segura que o Brasil não tem um projeto de Nação”, pontuou David. “Se eu não tenho esse projeto, seria até ingenuidade nossa achar que haveria um projeto de ciência e tecnologia”, complementou.

David lembrou que os países que adotam políticas de base tecnológica invariavelmente possuem também uma preocupação precípua com a qualidade de vida da população, que normalmente engloba temas como política ambiental e garantia de renda. Mas que o Brasil tem adotado uma visão profundamente arcaica, fazendo com que não se adote nenhuma política como linha-mestra para o desenvolvimento do País. Para o presidente da Andifes, o parlamento “precisa mergulhar neste projeto de Nação” se queremos recuperar qualquer perspectiva de avanço social e progresso tecnológico.

Ligado a esta falta de um projeto de Nação está o desmonte dos mecanismos de financiamento das universidades e dos aparelhos de investigação científica do País. Na visão do reitor, o Brasil tem adotado um caminho onde o único foco é criar condições para que o capital internacional invista. Com este foco, a pesquisa científica não só não interessa aos governantes, como potencialmente mina o ambiente de atração dos recursos estrangeiros, ao permitir que o País desenvolva suas próprias opções tecnológicas. “As universidades não só não têm espaço, como se transformam em adversárias, porque elas atrapalham este projeto ao colocar o País no caminho da soberania.”

A principal ferramenta para sufocar o desenvolvimento nacional tem sido o Teto de Gastos, imposto pela Emenda Constitucional n° 95. A existência do teto criou uma realidade onde, mesmo havendo recursos para financiar os projetos necessários para o desenvolvimento do País, esta verba não é liberada por conta do limite de gastos públicos. E este limite já está afetando o funcionamento básico das estruturas educacionais, por exemplo. “Hoje estamos tendo problemas para manter as nossas universidades, trocar uma lâmpada, pintar uma parede, manter a segurança…”, desabafou o reitor.

Para completar o cenário crítico, universidades e órgãos de controle não se entendem para criar um ambiente que seja amistoso para que a educação feche parcerias de pesquisa e inovação com a iniciativa privada. “Os nossos instrumentos ainda não estão normatizados de uma forma que dê segurança para os nossos gestores. E isso assusta o setor produtivo.” Marcus Vinícius David explicou que organizar estas ferramentas de governança é um passo após o setor estabelecer uma política de desenvolvimento e garantias mínimas de financiamento seguro. Mas é um passo imprescindível para o avanço da pesquisa científica e tecnológica. “Para todas essas funções, a gente precisa do parlamento.”

Apesar dos desafios, o setor tem comemorado as ações de aproximação da ciência com o Poder Legislativo, como a própria constituição da ICTP.br a partir da união de oito grandes entidades representativas do setor. Fazem parte da ICTP.br, além da SBPC, Andifes e Confap, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), o Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência Tecnologia e Inovação (Consecti), o Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies) e o Instituto Brasileiro de Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis (IBRACHICS).

Mariana Mazza – Especial para o JC