Em entrevista ao Jornal do Cremesp, a presidente da SBPC, Helena Nader, comenta a questão da destinação de recursos para pesquisas no País e os desafios da sociedade para que C&T e Educação sejam entendidas como políticas de Estado
Os índices da pesquisa no Brasil são positivos e estão bem acima da média mundial. É o que afirma a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Bonciani Nader, doutora em Biologia Molecular pela Unifesp, com pós-doutorado na University of Southern Califórnia. “Em 2015, publicamos 61.122 artigos e subimos para a 13ª posição global”, revela. Nesta entrevista ao Jornal do Cremesp, ela também fala sobre a questão da destinação de recursos para pesquisas no País e dos desafios da sociedade para que Ciência e Tecnologia (C&T), e Educação, sejam entendidas como políticas de Estado e não simplesmente como políticas de governo.
Helena Nader é professora titular da Unifesp e membro titular da Academia de Ciências de São Paulo, da Academia Brasileira de Ciências e da World Academy of Science (TWAS) for the advancement of science in developing countries. Também é professora visitante da Loyola Medical School (Chicago, EUA), W. Alton Jones Cell Science Center (Nova Iorque, EUA), Instituto Scientifico G. Ronzoni (Milão, Itália) e Opocrin Research Laboratories (Modena, Itália).
Como avalia o estágio da pesquisa hoje no Brasil em relação a outros países em desenvolvimento?
Nossos números são positivos. Temos índices de publicação bem acima da média mundial e ocupamos boa posição entre os emergentes. O SCImago Journal & Country Rank, reconhecido universalmente, mostra que, em 1996, os pesquisadores brasileiros publicaram nas principais revistas científicas do mundo 8.784 artigos, número que dava ao Brasil a 21ª posição no ranking mundial da produção científica. Em 2015, publicamos 61.122 artigos e subimos para a 13ª posição global. Nossa produção científica se multiplicou por sete nesses 20 anos, enquanto a mundial cresceu 2,8 vezes. Dentre os países do BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), perdemos somente para a China, cujo crescimento da produção científica foi 14,5 vezes, entre 1996 e 2015. Na comparação com os demais membros do bloco, o Brasil ficou acima: a produção da Índia cresceu 5,9 vezes; a da África do Sul, 4,0; e da Rússia, 1,8. Quase empatamos com a Coreia do Sul, que multiplicou por 7,2 sua produção de ciência no mesmo período. Para comparar com outras economias emergentes: o México cresceu 4 vezes e a Austrália, 3,5.
Em quais áreas temos destaque?
A atividade científica brasileira é bastante diversificada. Atuamos em um número grande de áreas e subáreas. Por isso, é difícil ou mesmo desaconselhável fazer inferências rápidas sobre áreas com maior ou menor destaque. Podemos destacar as áreas em que o Brasil já constituiu um universo considerável de pesquisadores e que têm uma produção de destaque em termos globais. As principais são: Agronomia, Veterinária, Zoologia, Parasitologia e Medicina Tropical. Focando exclusivamente o Brasil, cabe destacar que a área que mais cresceu em termos de publicação de artigos foi a de Medicina Clínica. Segundo apuração da Thomson Reuters, no quinquênio 1985-1989, foram publicados cerca de 1.500 trabalhos. Já no período 2010-2014, foram aproximadamente 38 mil. Foi a área que mais cresceu.
Quais os principais desafios e limites da atuação da SBPC sobre as questões que determinam os rumos das políticas de C&T e da Educação no Brasil?
O principal desafio da SBPC é contribuir para que Ciência e Tecnologia (C&T) e Educação sejam entendidas como políticas de Estado e não simplesmente como políticas de governo, e que os dispêndios financeiros com essas áreas sejam considerados investimento no futuro do País e não como despesas correntes do dia-a-dia dos orçamentos públicos. A partir dessa matriz de pensamento, vamos para a ação cotidianamente. Posso garantir que nos últimos dez anos a SBPC procurou de alguma maneira contribuir para os rumos dos principais assuntos sobre Educação e C&T que chegaram ao nosso conhecimento.
Em que áreas se concentram mais fortemente os recursos destinados à pesquisa no País? Quais requerem maior atenção?
Em termos de grandes áreas, as que recebem mais recursos públicos para pesquisa são Agropecuária e Saúde, nessa ordem. Quanto às áreas que requerem maior atenção do governo, creio que o ponto inicial da discussão deva ser colocado em dois níveis. O primeiro, quais são os problemas que o Brasil tem e que serão resolvidos pela ciência brasileira. O segundo, que modelo de desenvolvimento o Brasil quer ter e como a ciência deve colaborar. O problema é que, infelizmente, ainda não adquirimos a maturidade cultural e política necessária para formular essas questões. Então, fica difícil dizer qual área da ciência deve merecer mais atenção se o País ainda não definiu o que quer da ciência.
O programa Ciência sem Fronteiras tem apresentado bons resultados? Em que moldes ele deve continuar?
A ideia do Ciência sem Fronteiras é muito boa e não deve ser abandonada. Ciência é um bem universal, as instituições de ciência estão procurando se internacionalizar cada vez mais, então o Brasil e a Ciência só têm a ganhar quando jovens brasileiros vão para o mundo vivenciar diferentes experiências acadêmicas. Creio, sim, que alguns ajustes devem ser feitos, como na definição de instituições que receberão nossos estudantes e a implantação de um sistema de acompanhamento da trajetória deles quando voltam ao Brasil.
Entre os novos médicos registrados no Cremesp, há mais mulheres que homens. A pesquisa brasileira caminha no mesmo sentido?
Caminha. A tomar-se por base o número de bolsas de mestrado e doutorado, no início deste século, a maior quantidade delas, 51,5%, ia para homens. Atualmente, as bolsas para mulheres já superam os 50%. Em algumas áreas o grande predomínio masculino está diminuindo, como nas ciências agrárias e nas engenharias. Já nas Ciências da Saúde como um todo o predomínio das mulheres aumenta cada vez mais. Por outro lado, o número de homens está aumentando, se bem que mais modestamente, em áreas de predomínio de mulheres, como nas Ciências Humanas e em Letras e Artes.