“Ciência tem que ser política de Estado para promover justiça social”, defende Francilene Garcia, nova presidente eleita da SBPC

Professora e pesquisadora da UFCG afirma que País necessita consolidar um plano político de CT&I para os próximos anos e mostrar o impacto científico na sociedade. Quarta mulher a presidir a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência tomará posse no dia 17 de julho, durante a 77ª Reunião Anual da entidade, na UFRPE, em Recife
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Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

Considerando o novo arranjo político global, com ataques à Ciência principalmente na Argentina e nos Estados Unidos, o papel do Brasil como protagonista nos debates ambientais e a necessidade de o País ser cada vez mais autônomo tecnologicamente, quais os desafios da comunidade científica brasileira nos próximos dois anos? Para Francilene Procópio Garcia, presidente eleita da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para o biênio 2025-2027, a resposta é olhar para os problemas mundiais e lutar por mais espaço da Ciência na política nacional.

“Se a Ciência não for política de Estado, ela não transforma a vida das pessoas como deveria. Precisamos manter a excelência na produção de conhecimento, mas, sobretudo, é preciso mostrar como esse conhecimento pode e deve contribuir para melhorar a vida da população”, destaca.

Professora e pesquisadora da Universidade Federal de Campina Grande, Francilene Garcia foi pesquisadora visitante da Tsinghua University (1996-1999), na China, secretária executiva de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) do Governo da Paraíba (2011-2018), presidiu o Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti), a Fundação Parque Tecnológico da Paraíba e a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec). Também atuou como conselheira de importantes entidades e movimentos, como a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e o Conselho Deliberativo Nacional do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

Olhando para o Brasil de hoje, Garcia ressalta positivamente o fim dos bloqueios orçamentários do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o FNDCT, que é a principal fonte de recursos públicos para a Ciência brasileira, mas ressalta que, agora, o desafio é garantir continuidade e estabilidade dos investimentos necessários.

“Tem uma questão central que é a gente assegurar a perenização do financiamento à Ciência no País, numa expectativa de que esse descontingenciamento dos recursos do FNDCT, alcançado desde 2022 e mantido no atual Governo Lula, se mantenha e possa ser acompanhado por uma governança aprimorada na aplicação desses recursos.”

Garcia é uma das atuais vice-presidentes da SBPC. Entre as ações de sua gestão, a pesquisadora representou a entidade como parte do corpo técnico da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), assumindo a coordenação da Subcomissão de Sistematização e Documentação do evento. Em linhas gerais, a 5ª CNCTI teve como objetivo realizar uma série de debates para apresentar diretrizes às novas políticas científicas do País.

“Numa visão bem pragmática, nós precisamos de uma Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e um Plano Decenal de Ciência, Tecnologia e Inovação que olhem para os problemas atuais do País e do mundo. Tudo isso ancorado pelos debates da 5ª Conferência.”

Entre as principais frentes defendidas na 5ª CNCTI, e documentadas no Livro Violeta entregue ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), estão: a continuidade e evolução das infraestruturas de pesquisa no País; a presença e valorização da Ciência nas políticas ambientais e um aparato de políticas conjuntas entre órgãos de Ciência, Meio Ambiente e Saúde para que o Brasil consiga combater ou estar preparado para novas crises sanitárias.

“Tem um outro ponto que considero fundamental e que também está presente nas diretrizes da 5ª Conferência Nacional de CT&I: precisamos defender uma plataforma de desenvolvimento sustentável baseada em evidências científicas. Mais do que nunca, é essencial fortalecer o papel das sociedades científicas, em articulação com outras instituições, para combater a desinformação e o negacionismo — que infelizmente ainda persistem, inclusive em temas cruciais como a crise climática”, complementa Garcia.

A futura presidente da SBPC, que assumirá o cargo no dia 17 de julho, durante a 77ª Reunião Anual da entidade, em Recife, também reforça a participação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia e o papel do Brasil buscar a sua soberania científica e tecnológica em algumas áreas, como a questão do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, anunciado durante a 5ª CNCTI.

Ciência para além do fomento público

Além da defesa pela regularidade no financiamento público da Ciência, outra questão que preocupa Garcia é a diversificação de fontes de recursos. Para a especialista, é necessário também que o Brasil estimule a participação privada no setor, a Filantropia para Ciência.

“Perenizar o financiamento à Ciência não é apenas fortalecer o FNDCT. Precisamos ampliar e diversificar as fontes de fomento — e uma dessas linhas é a filantropia. É urgente promover um maior aculturamento de doadores para a Ciência, como já acontece em países com tradição nessa prática”, defende Garcia

Garcia cita como exemplo positivo a Universidade de Harvard, nos Estados Unidos “Toda essa crise que as universidades americanas estão vivendo seria bem mais aguda, bem mais danosa se esse modelo de doação lá não fosse tão presente. Harvard, por exemplo, conta com doadores privados e alumni, ex-estudantes que são empresários bem-sucedidos, CEOs de instituições, e que mantêm uma frente de recursos para a instituição há muitos anos. Isso faz com que ela, apesar de ter dependência de recursos públicos, consiga sobreviver em períodos de crise.”

Para a intensificação desse cenário no Brasil, Garcia defende duas frentes: a primeira é intensificar a compreensão da comunidade científica sobre as leis vigentes no Brasil que tornam esse mecanismo de doação presente. Já a segunda frente é entender leis de outras áreas que podem beneficiar doações à Ciência, como é o caso da Lei do Bem.

“Tenho discutido com alguns atores do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação a possibilidade de que a Lei do Bem seja utilizada não apenas para apoiar o desenvolvimento de P&D nos nichos de interesse direto das empresas, mas também para permitir que elas realizem doações a grandes infraestruturas de pesquisa no Brasil. Esse pode ser um caminho importante: unir mecanismos de incentivo que já existem no País a ajustes normativos que ampliem a prática da filantropia voltada à ciência e à pesquisa”..

Integração de gerações

Outra frente de atuação de Garcia enquanto vice-presidente da SBPC foi a promoção da igualdade de gênero Ciência brasileira por meio do Prêmio Carolina Bori “Ciência & Mulher”, que reconhece meninas e mulheres cientistas. Para a especialista, é importante seguir com a premiação, mas principalmente, criar artifícios que promovam a integração entre gerações de cientistas.

“A gente tem uma comunidade científica sênior importante, que vai continuar sendo importante na determinação de agendas estratégicas para política científica, principalmente nesse contexto de transições complexas e reconfigurações geopolíticas no mundo. Mas eu gostaria de ver mais gerações dialogando. Então, uma das coisas que eu pretendo fazer – e o Prêmio Carolina Bori é uma alavanca nessa direção -, é incentivar a maior presença de jovens cientistas nas discussões que a SBPC comanda e lidera. Eu acho que esse diálogo é bastante importante para um País como o nosso, considerando o tamanho da agenda e os desafios que a gente tem.”

A integração já começou durante a realização do evento “Vozes da Ciência”, que teve a coordenação de Garcia e a participação de diferentes gerações em seus debates, um movimento que deve ser integrado. Garcia defende que esse movimento seja uma característica estrutural da própria SBPC:

“A SBPC tem essa característica de ser uma plataforma inclusiva e diversificada. Que tem a voz das sociedades científicas afiliadas, a voz dos pesquisadores de várias gerações, e que reconhece a importância da carreira acadêmica. Que valoriza a participação das mulheres no ambiente científico; que dialoga com os pesquisadores da Argentina e dos Estados Unidos, que estão sofrendo ondas de negacionismo. É uma entidade capaz de se expressar junto ao Congresso Nacional para mostrar que as legislações precisam melhorar, e também é capaz de cobrar dos órgãos o monitoramento e os dados com muita transparência, para que a sociedade brasileira entenda para onde esses recursos investidos em Ciência vão, no que eles se transformam na ponta. A SBPC, com os seus 77 anos de vida, é uma das principais representações da comunidade científica na busca de fazer Ciência como política de Estado e a gente sabe que Ciência é importante para promover justiça social em um país tão desigual como o nosso”, conclui.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência