Cabem às Ciências Humanas e Humanidades oferecerem as bases acadêmicas que comprovem a desigualdade social no mundo e, assim, auxiliarem na construção de políticas públicas. Este é o principal parecer da mesa-redonda “Pesquisas científicas e sua contribuição para a inclusão social”, atividade que integrou uma das conferências preparatórias para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI).
Realizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) na última terça-feira (26/03), o evento contou com as participações de Irlys Barreira, professora titular de Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC); Anete Ivo, professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA); e Edna Castro, professora emérita da Universidade Federal do Pará (UFPA). A mediação foi de Fernanda Sobral, diretora da SBPC e professora emérita da Universidade de Brasília (UnB).
Na abertura do evento, o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, destacou a importância de se reconhecer o papel das Ciências Humanas e Humanidades como articuladoras de uma sociedade cada vez melhor:
“O mundo atual está inteiramente marcado pela Ciência, tudo o que nós temos, como roupas ou a internet que usamos no dia a dia, tem a ver com a Ciência. Porém, quando a gente fala da Ciência e dos ganhos que ela traz, normalmente pensamos nas Ciências Exatas, nas Ciências Biológicas, e as Ciências Humanas ficam como um patinho feio nessa história, como se a gente não soubesse muito bem para que servem. Por isso, é extremamente importante a gente mostrar o papel das Ciências Humanas e das Humanidades, o que é o objetivo desse evento.”
A mediadora do debate, Fernanda Sobral, complementou o discurso de Janine Ribeiro sobre as Ciências Humanas terem um reconhecimento aquém das demais áreas do conhecimento, mas que isso não desmerece sua importância.
“Em vez de a gente ficar falando da nossa secundarização, nós temos que mostrar cada vez mais a nossa importância, e essa conferência tem a intenção de mostrar como são importantes as Ciências Humanas e as Humanidades para a política de Ciência. Tecnologia e Inovação.”
Sobral ressaltou que os problemas do mundo têm sua dimensão mensurada pelas áreas humanas. “O conhecimento produzido pelas Ciências Humanas e Sociais tende a ser reflexo da sociedade e, ao mesmo tempo, ter reflexo sobre a mesma, apontando um diálogo entre ciência e sociedade da maior relevância na contemporaneidade. Ou seja, se as Ciências Humanas e Sociais podem ser concebidas enquanto espelhos da sociedade e de seus indivíduos, elas devem, além de explicar os principais determinantes dos problemas da sociedade, também contribuir para subsidiar políticas em prol da superação desses problemas.”
Primeira das palestrantes, a professora da UFC Irlys Barreira iniciou sua fala abordando o conceito da desigualdade social, segundo teóricos da Sociologia: “nós temos inclusão e exclusão como faces de uma mesma moeda, são temas que se convergem”.
Segundo a pesquisadora, o Brasil começou a desenhar políticas públicas especificamente voltadas para o enfrentamento das desigualdades econômicas e sociais após o fim da Ditadura Militar.
“Eu não digo que essas políticas vêm do processo de redemocratização do País, mas naquele momento era importante pensar em transformar em política pública algumas iniciativas que já vinham da sociedade civil desde a década de 1970 e que reivindicavam cidadania e direitos humanos”, complementou.
Entre os programas citados por Barreira como precursores das políticas sociais estão o “Ação da Cidadania”, criado pelo sociólogo Herbert de Souza, também conhecido como Betinho, para a erradicação da fome no País. Vieram, depois, o Programa “Comunidade Solidária”, de Fernando Henrique Cardoso, e o “Fome Zero”, do primeiro Governo Lula.
“Nós temos esses programas se instituindo como pioneiros, nos quais indivíduos se inserem na forma de complementação de um certo produto social para depois entrarem no mundo do trabalho e em outras possibilidades sociais, juntamente com os demais cidadãos”, explicou Barreira.
A professora da UFC encerrou sua fala citando exemplos de políticas municipais e o papel dos cientistas em embasar as informações sobre desigualdade para, assim, culminar com a criação de políticas. “Nós, sociólogos, temos a importância de dar munição à comunidade na luta pela legalização de seus direitos.”
Professora da UFBA, Anete Ivo complementou as falas de Barreira sobre a força política das Ciências Humanas e Humanidades e os desafios de inserção social. “É trazer a relação entre a Ciência – ou seja, a ambição sociológica com emergência social -, e a política – o que, para quem e como.”
A pesquisadora ponderou que no desenvolvimento do capitalismo há uma relação intrínseca com o progresso material da sociedade. “A questão social se expressa, ao mesmo tempo e contraditoriamente, no empobrecimento massivo das famílias trabalhadoras, nas desigualdades sociais e na degradação das condições de vida.”
Encerrando sua fala, Ivo ressaltou o crescimento dos estudos sociais ao redor do mundo. “Em todos os países, as Ciências Humanas e Sociais têm contribuído para a formulação de inovações sociais institucionais, visando exatamente a minimizar as brechas estruturais e as assimetrias inerentes da tendência à exclusão da matriz socioeconômica e o princípio de reconhecimento da igualdade política do viver junto e da vida democrática.”
Já a professora da UFPA, Edna Castro, destacou o aumento de temáticas que permeiam os estudos sociais, trazendo as classificações da Sociedade Brasileira de Sociologia, instituição que preside:
“Hoje, nós temos as áreas de Sociologia, Ciências Sociais, temos produções na área das Humanidades em todo o território nacional. Somente a Sociedade Brasileira de Sociologia organiza esses campos de conhecimento em 29 comitês de pesquisa, que englobam temas variados, como teoria sociológica, ruralidades, inovações tecnológicas, sociologia da imagem, movimentos sociais, entre outros.”
Para Castro, o desafio das Ciências Humanas e Humanidades hoje é encontrar novas formas de se ingressar nos processos de construção legislativa. “Não é por falta de Ciência e de conhecimento que temos tanta desigualdade social. Nós precisamos, talvez, de uma nova política, uma mudança de atuação para transformarmos essa Ciência que temos e torná-la mais presente na sociedade brasileira, diante dos processos de exclusão social”, concluiu.
A mesa-redonda completa pode ser conferida no canal da SBPC no YouTube.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência