O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, dedicou um dia inteiro, nessa quinta-feira, 9 de maio, para discutir planos estratégicos para contornar a crise no setor com entidades científicas de todo o País. Em duas reuniões, uma pela manhã, fechada, na qual participaram cerca de 15 representantes, e outra à tarde, mais ampla, com mais de 50 instituições, os pesquisadores levaram ao dirigente do MCTIC os pontos mais preocupantes no momento, que, além do orçamento e problemas diretamente relacionado ao Ministério, incluíram questões ambientais, da Educação e sociais.
Na manhã, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), uma das articuladoras do encontro, apresentou oito pontos considerados críticos pelas sociedades e entidades científicas do País, entre eles, a recomposição do orçamento do MCTIC, o apoio para a aprovação de projetos de leis em trâmite no Congresso, como o PLS 315, que transforma o FNDCT em fundo financeiro e o projeto de lei 5876/16, que destina 25% do Fundo Social do Pré-sal à CT&I; a implementação do Marco Legal da CT&I, uma atuação com os estados em defesa das Fundações de Apoio; e a necessidade de maior articulação com outros ministérios (veja a lista com os 8 pontos ao final do texto).
Também participaram desse encontro entidades como Academia Brasileira de Ciências (ABC), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência Tecnologia e Inovação (Consecti) e Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Municipais de Ciência, Tecnologia, Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), Clube de Engenharia, Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação (Abipti) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Na parte da tarde, após um balanço da discussão da manhã, as dezenas de entidades presentes tiveram a oportunidade de expor suas críticas, preocupações e apresentar sugestões. O físico Ennio Candotti entregou ao ministro a carta aberta dos presidentes de honra da SBPC em defesa da CT&I e reforçou o pedido de apoio à comunidade científica para evitar o colapso do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, o que inclui o próprio MCTIC.
Os cientistas lembraram ao ministro que a ideia em discussão de uma estratégia de longo prazo para o desenvolvimento do setor e transversalidade com outros setores da sociedade e da economia é um sonho antigo que vem sendo delineado em estudos aprofundados publicados ao longo de décadas pelos cientistas. Um exemplo é o Livro Azul da 4ª Conferência Nacional de CT&I, publicação que mobilizou mais de 5 mil pessoas entre pesquisadores, políticos, empresários e membros de instituições científicas para apresentar propostas de grandes projetos para saúde, inovação e meio ambiente no País. “Ao definir uma estratégia, é importante levar em conta que esta comunidade científica brasileira já fez muito. O Livro Azul foi esquecido por este governo. É preciso resgatá-lo para não perdemos tempo inventando coisas que já existem e que são muito boas”, disse Ricardo Galvão, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Outra preocupação foi como o ambiente desalentador de cortes paulatinos de bolsas de estudos e de investimentos em estrutura para pesquisa desestimula jovens cientistas a seguirem carreira. “Vamos perder pesquisadores, e isso é difícil de recuperar. Quando essa onda de cortes passar, não teremos mais essa estrutura que levamos décadas para erguer. Precisaremos de mais de uma geração para reconstruir essa destruição que estamos vendo agora”, alertou Valério Pillar, presidente da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (Abeco).
Manuella Matias, da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), insistiu na necessidade de reverter os cortes nas bolsas sob o risco de um colapso na pós-graduação. “Os jovens cientistas hoje não veem mais perspectivas. Prove que o senhor está com a gente revertendo esse quadro, senhor ministro”.
Os pesquisadores brasileiros também estão sumindo do cenário internacional, como enfatizou o presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), Marcos Pimenta. “O Brasil está muito longe dos países desenvolvidos e para nós a internacionalização é essencial. Mas cada vez menos vemos nossos cientistas brasileiros nas conferências pelo mundo, apresentando seus trabalhos, trocando experiências. Estamos fechando a torneira e nossa planta vai morrer.”
Nessa triste realidade de desmonte do sistema de CT&I, Qelly Rocha, vice-presidente da Andes, ressaltou a necessidade de abrir mais concursos para professores permanentes, para recomposição de quadros nas universidades, que, por conta do estrangulamento de verbas, vem se constituindo uma preocupação crescente.
Ciência e cultura
A desmoralização das ciências Humanas e Sociais pelo atual governo também foi abordada pelos participantes. Afinal, conforme ressaltaram, é inviável, em qualquer país do mundo, fazer ciência sem incorporar nessa atividade os aspectos humanos que levam aos questionamentos fundamentais para a criação científica e como essa ciência se desenvolverá nos diferentes espaços sociais. “A filosofia é a mãe de todas as ciências”, destacou Lígia Pavan, filósofa e secretária-regional da SBPC-DF.
A socióloga Fernanda Sobral, conselheira da SBPC, defendeu o impacto importante das avaliações sobre políticas públicas e das contribuições das análises sociológicas da CT&I. “Você não consegue fazer inovação sem a análise dos aspectos culturais de uma população. Um engenheiro precisa saber dos efeitos possíveis de suas pesquisas”, corroborou.
Ronaldo Pilati, da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), acrescentou que hoje a interdisciplinaridade não é apenas uma tendência, é uma realidade da ciência e da tecnologia. “Não tem possibilidade de não compreender a ciência hoje como algo interdisciplinar. Políticas públicas devem ser baseadas em evidências. A Google compreende isso tão bem, que tem cientistas sociais trabalhando em conjunto com toda a equipe de desenvolvimento para estudar os potenciais de suas tecnologias. E essa comunidade presente nesse encontro hoje também está disposta a fornecer essas evidências.”
Junto à importante dimensão humana e social da atividade científica, outro ponto que foi dirigido à atenção do ministro foram os impactos positivos da interiorização da pesquisa científica. Rodrigo Bianchi, diretor da Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituição Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico (Proifes) falou sobre a importância dos institutos federais de educação ciência e tecnologia, uma rede composta por campi pequenos espalhados em diversas cidades no interior dos estados. “Nesses institutos são realizadas pesquisas com relações íntimas com os arranjos produtivos locais e regionais. E mesmo em pouco tempo de existência com esse formato, 10 anos, já começam a mostrar resultados, como a posição de número 33 obtida pelo IF-RS no ranking das 50 instituições brasileiras que mais publicaram artigos científicos segundo ranking da Clarivate Analytics. O projeto dos institutos federais, precisa ser consolidado”, ressaltou Bianchi.
Anderson Santos, presidente da Ulepicc-Brasil, deu como exemplo a criação dos campi da Universidade Federal de Alagoas no interior do Estado. Ele mesmo é professor do campus Sertão da Ufal. “Estamos conseguindo construir e contar a história do sertão de Alagoas. Os dados que estavam disponíveis antes dessa interiorização eram apenas da capital. Hoje, temos cada vez mais informações sobre essas regiões do Estado, antes desconhecidas. É preciso entender que isso também é inovação”, pontuou.
“As ciências humanas têm sido muito desqualificadas”, criticou Izabela Tamazo, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). “Trabalhamos com estudos sobre populações vulneráveis, indígenas, quilombolas, LGBTs. E, por conta dessa desmoralização, essas populações estão muito vulneráveis, elas correm riscos sérios”, alertou, ressaltando ainda a importância das populações indígenas para a preservação da biodiversidade nacional.
Lua de mel
O ministro tomou notas das sugestões levantadas e, ao final do encontro, sugeriu a criação de um grupo para elaborar um plano estratégico com alternativas de financiamento para ciência, tecnologia e inovação. Ele concordou que entre os principais problemas do setor estão a restrição orçamentária e a perda de recursos humanos nas instituições de pesquisa. “Não é um trabalho fácil, mas é possível de fazer”, afirmou. Pontes, no entanto, pediu “paciência para convencer as pessoas” e bons argumentos – em resumo, explicou que a melhor tática no contexto atual é aplicar o chamado “soft power”.
“Nossa principal função é informar as pessoas. Demora para convencer as pessoas, não adianta brigar com outros ministérios. Temos que levar um conjunto de informações necessárias, temos de utilizar esses trabalhos que já foram feitos. Preciso de argumento para conseguir convencer a mudar esse orçamento. E temos capacidade suficiente para trabalharmos juntos para isso.”
A palavra confiança foi mencionada diversas vezes pelo ministro, que também manifestou concordância com muitos dos pontos levantados. “Ciência, tecnologia e educação são colados por natureza. E todas as matérias são importantes, todas as profissões são importantes”, resumiu.
O presidente da ABC, Luiz Davidovich, avaliou como positivo o balanço geral das discussões. “Mostra a coesão e o esforço da ciência brasileira. E é isso que vai nos manter vivos”, afirmou.
Apesar de avaliar como muito positiva a disposição do ministro em ouvir às reivindicações da comunidade científica – alguns cientistas, inclusive, ressaltaram durante o encontro que nunca um ministro da ciência dedicou tanto tempo em uma discussão com os representantes deste setor -, os participantes também cobraram ações concretas. “Essa lua de mel que o setor está tendo com o senhor tem hora para acabar, ministro”, advertiu o diretor da SBPC, Sidarta Ribeiro, referindo-se ao momento crítico em que se encontra o setor e à necessidade de se buscar soluções efetivas para os problemas mais urgentes.
Marcelo Morales, secretário de Políticas para Formação e Ações Estratégicas do MCTIC, defendeu que o Ministério vem trabalhando para que se abram mais editais, pela desburocratização da atividade científica e para apresentar projetos para parcerias com outros ministérios. Ele disse também que os encontros realizados na quarta e quinta-feira foram “pragmáticos”, no sentido de se conseguir visualizar pontos concretos de ação. “Temos as propostas de lei para proibir o contingenciamento do FNDCT, para destinar 25% do Fundo Social do Pré-sal à CT&I e para derrubar os vetos à lei dos Fundos Patrimoniais. Se focarmos nesses três pontos para tentar aprová-los no Congresso, conseguiremos fôlego para no próximo ano caminhar.”
Para o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, a participação da comunidade científica nas decisões políticas do setor é essencial e encontros como esse mostram que existem canais de diálogo possíveis para que essa participação cresça. Ele, no entanto, ponderou que a cobrança por ações por parte do governo é importante, mas é também necessário que a comunidade científica aproveite esse momento crítico para fazer sua autocrítica e se perguntar se ao longo desses anos realmente se esforçou em mostrar para a sociedade os resultados de seus trabalhos. “É fundamental que a gente preste conta ao povo brasileiro do que fazemos com o dinheiro público. Temos que fazer um balanço das nossas instituições, das nossas atividades e, de forma clara e transparente, apresentar esses resultados para que as pessoas percebam melhor a importância dessa ciência em suas vidas e para que possamos também incluí-las mais nesses processos”, disse.
Confira abaixo os oito pontos prioritários apresentados pela SBPC e sociedades científicas afiliadas:
- Recomposição do orçamento do MCTIC, com redução paulatina e integral (em 2019) do contingenciamento de 42%. Reforço do orçamento de 2019 do CNPq e da FINEP (FNDCT) – e Capes (MEC).
- Atuação integrada no Congresso: 1) Aprovação do PLS 315, transformando o FNDCT em fundo financeiro; ii) Apoio a PL na Câmara destinando 25% do Fundo Social do Pré-Sal à CT&I; iii) Derrubada dos vetos 03/2019 (Lei dos Fundos Patrimoniais)
- Desburocratização: Novo decreto da Biodiversidade. Implantação efetiva do Marco Legal e extensão a estados e municípios. Debater estratégia de uma rubrica única (GND) para o setor no Orçamento da União.
- Atuação integrada em defesa das FAPs e dos dispositivos estaduais que garantem recursos para CT&I. Parcerias do CNPq com as FAPs. Atuação política do MCTIC junto aos estados para fortalecimento das FAPs.
- Ações de outros ministérios com impacto na CTI: Capes (PG, Portal de Periódicos e Educação Básica), Amazônia, Biodiversidade, Código Florestal, Meio Ambiente, corte de recursos para as ciências humanas e sociais, Censo, saúde pública, …
- Atuação para a obtenção de mais recursos para CT&I na definição do PLOA 2020
- Convocação de reunião do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia – CCT e usá-lo de forma mais efetiva e permanente como um organismo importante para a definição de políticas de CT&I
- Posicionamento em prol da CT&I brasileira como elemento essencial para a superação dos graves problemas do país. Iniciar debates sobre projetos mobilizadores e estruturantes em CT&I para o país, que possibilitem o seu desenvolvimento sustentável e a soberania nacional.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência