Cientistas querem um novo projeto de Brasil

Em painel online promovido pela SBPC em 8 de julho, em comemoração ao Dia Nacional da Ciência e o Dia Nacional do Pesquisador, parlamentares e membros destacados da comunidade científica e acadêmica alertaram para o desmonte e pediram o resgate da CT&I, Educação, Meio Ambiente, Direitos Humanos e Saúde

whatsapp-image-2021-07-12-at-14-52-45Cortes orçamentários, negacionismos, desmonte de políticas públicas, ações mal planejadas. A longa lista de desafios dos profissionais da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) brasileira foi tema do painel virtual promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) na última quinta-feira, 8 de julho. O evento celebrou o Dia Nacional da Ciência e o Dia Nacional do Pesquisador, criados por ocasião do aniversário de fundação da SBPC, em 1948.

Intitulado “Os desafios atuais da ciência no Brasil”, o painel reuniu parlamentares, cientistas, pesquisadores e representantes das instituições científicas e acadêmicas para debater as dificuldades enfrentadas nas áreas de CT&I, Meio Ambiente, Liberdade de Pesquisa, Educação, Saúde e a crise sanitária provocada pela pandemia de covid-19, além das ameaças às populações Indígenas e Quilombolas.

O atual presidente da entidade, Ildeu de Castro Moreira, apresentou o evento lembrando que a SBPC, que reúne 165 entidades científicas de todas as áreas do conhecimento, luta há 73 anos pela ciência, pela democracia e pelos direitos humanos. Ele registrou o pesar pelos mais de 520 mil brasileiros e brasileiras mortos pela covid-19 e afirmou que “essa tragédia poderia ser muito menor, se não houvesse um negacionismo orquestrado do uso da ciência e dos cuidados sanitários, aquisição e distribuição de vacinas”.

Moreira listou alguns dos desafios que ele vê mais urgentes para o setor, como a redução dos recursos para a ciência no País nos últimos anos, principalmente a partir de 2016, com orçamentos cada vez mais declinantes, a lei do teto de gastos (EC95) que impede a recuperação dos recursos, laboratórios sucateados, cortes de bolsas de estudos e, consequentemente, evasão de jovens estudantes e pesquisadores.

“Estamos em uma luta junto ao Congresso Nacional, junto ao Ministério da Economia (ME) para liberar o chamado FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)”, disse Moreira, resgatando a luta da comunidade científica para conseguir derrubar a reserva de contingência e os vetos presidenciais para acessar R$ 5 bilhões em recursos que estavam congelados para outras utilizações que não a que a lei determina – apoiar a CT&I no País.

“No entanto, o ME ainda não liberou uma parcela significativa desse fundo, metade dele continua ainda preso e estamos fazendo grande pressão para que seja liberado logo, em tempo para que seja utilizado pelos institutos de pesquisa, para o edital universal do CNPq, para subvenção econômica das pequenas e médias empresas, para recuperar a infraestrutura dos laboratórios ainda neste ano”, afirmou.

Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), reforçou a preocupação de Moreira: “Pesquisas importantes para a população brasileira estão sendo interrompidas, estão desviando os recursos para a pesquisa. Isso é roubo, estão roubando o futuro do País.”

O novo presidente eleito da SBPC, Renato Janine Ribeiro – que tomará posse em 23 de julho-, destacou a mudança nas relações da ciência com a sociedade ao longo desses 73 anos. “Nesse dia de luta, temos também que pensar que a ciência representada pela SBPC e suas 165 entidades cientificas brasileiras tem um papel fundamental a desempenhar na reconstrução do Estado e da sociedade brasileira. Temos que não simplesmente recuperar os valores democráticos, do conhecimento, da cultura, da inclusão social, do respeito à saúde e da valorização do meio ambiente, temos também, graças à valorização do conhecimento rigoroso e científico, que ocupar um espaço de protagonismo na construção desse círculo virtuoso composto por todas as áreas que a SBPC milita”, afirmou Janine. E concluiu: “A tarefa de defesa da ciência é trabalho de todos.”

Odir Dallagostin, presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), disse que o Brasil continua avançando em artigos científicos e, graças ao crescimento da pós-graduação ano a ano, é crescente o número de mestres e doutores titulados. Segundo ele, as FAPs estaduais são as que mais aportam na pesquisa atualmente, garantindo 82% do auxílio à pesquisa comparado a 16% do CNPq e apenas 2% da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. “A solução para essa crise passa em parte pela liberação dos recursos do FNDCT”, reiterou.

O bloco de pronunciamentos sobre CT&I contou ainda com a participação do ex-ministro Celso Pansera, coordenador da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), o senador Izalci Lucas (PSDB/DF) e os deputados Paulo Ramos (PDT/RJ), Gonzaga Patriota (PSB/PE), Aliel Machado (PSB/PR), Felício Laterça (PSL/RJ), André Figueiredo (PDT/CE) e Vitor Lippi (PSDB/SP).

Luz da educação

O coordenador do Grupo de Trabalho (GT) de Educação Superior da SBPC, o neurocientista Carlos Alexandre Netto, ressaltou que a ciência é feita sobretudo em instituições de ensino superior, além de laboratórios de pesquisa, e uma das missões da SBPC é lutar pela qualidade e universalidade da educação. “Vivemos um momento crítico para a educação no País, assim como para tantas outras áreas sociais, porque as políticas públicas parecem querer apagar a luz da educação”, afirmou.

Eduardo Mortmer, Coordenador do GT de Educação Básica da entidade, chamou a atenção para a importância do ensino fundamental público para combater o negacionismo que tem “corroído” a sociedade brasileira. E, no entanto, apenas 10% das escolas públicas do País dispõem de laboratórios de ciência, situação que se agravou na pandemia, com a maior parte das crianças em idade escolar sem condições de acompanhar o ensino remoto, exigido pela pandemia, por falta de acesso à internet. “A estes estudantes não resta alternativa a não ser abandonar a escola”, afirmou Mortimer.

O bloco sobre Educação contou ainda com a participação de Edward Madureira Brasil, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes); Roberto Muniz Barretto, presidente do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais da Carreira de Gestão, Planejamento e Infraestrutura em Ciência e Tecnologia (SindGCT); Fernando Peregrino, presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies) e os deputados Nilto Tatto e Paulo Teixeira (PT/SP); Rodrigo Agostinho (PSB/SP); Luciano Ducci (PSB/PR) e Alessandro Molon (PSB/RJ).

Políticas ambientais desmanteladas

Na área do meio ambiente, o desmonte de regulamentações e do sistema de fiscalização somados à perseguição a pesquisadores que têm tido liberdades cerceadas, foram apontados como os maiores desafios por Luciana Barbosa, coordenadora do GT de Meio Ambiente da SBPC. “O atual cenário de desmantelamento de políticas ambientais, bem como dos mecanismos de proteção de ecossistemas e biodiversidade, tem sido agravado pela progressiva redução de recursos orçamentários do Ministério do Meio Ambiente desde 2019”, frisou Barbosa. “Tal redução tem reflexos tanto na contenção de incêndios, como o que ocorreu o Pantanal, atingindo 20% a 26% de sua área, bem como no cumprimento dos acordos climáticos”.

Além dela, falaram sobre o tema André Gomyde, presidente do Instituto Brasileiro de Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis (Ibrachics); Clemente Ganz, do Fórum das Centrais Sindicais; Paulo Jerônimo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), os senadores Marcelo Castro (MDB/PI) e Leila Barros (PSB/DF) e os deputados Luísa Canziani (PTB/PR); Professor Israel Batista (PV/DF); Professora Rosa Neide (PT/MT) e Reginaldo Lopes (PT/MG).

“Democracia mutilada”

A vice-presidente da SBPC, a socióloga Fernanda Sobral, recordou a luta histórica da SBPC nessa área e do papel fundamental que exerceu na elaboração do artigo 6º dos direitos sociais, saúde segurança da Constituição Federal. “A SBPC tem se pronunciado sobre vários aspectos de violências contra mulheres, negros indígenas, constrangimentos e arbitrariedades contra pesquisadores, tanto que decidiu constituir o ‘Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade’, para registrar todos esses casos”. Para Sobral, diante das arbitrariedades cometidas diariamente no País, aceleradas nos últimos dois anos, pode-se afirmar que o Brasil passa por uma fase de “democracia mutilada”. “No entanto, nós não podemos esquecer a esperança; a SBPC vai colaborar na reconstrução da democracia e da ciência”, declarou.

Maria Filomena Gregori, coordenadora desse Observatório, explicou que o objetivo é registrar, acompanhar e tornar público qualquer atentado à ciência e ao pensamento cientifico. “A missão do Observatório é registrar, acompanhar, tornar público, encaminhar às autoridades competentes qualquer atentado à liberdade de expressão, de aprender, de ensinar, de pesquisar e divulgar ciência e pensamento cientifico”, descreveu.

O antropólogo Alfredo Wagner, coordenador do GT de Direitos Humanos da SBPC, denunciou as violações que estão sendo cometidas contra os indígenas. Mencionou vários episódios, como a invasão das terras indígenas Yanomami, onde cerca de 20 mil garimpeiros ilegais extraem ouro e o ataque armado de criminosos contra aldeias indígenas em Roraima. “Esses atos frequentes e a certeza de impunidade que os cercam – não se conhece ninguém que tenha sido preso ou detido nessas circunstâncias-, revelam a violação dos direitos territoriais indígenas, complementada por ações no Congresso, com projetos de lei que querem permitir a exploração mineral em terras indígenas e restringir o tempo de ocupação dos próprios indígenas, restringindo seus direitos e abrindo essas terras a explorações econômicas questionáveis”, afirmou Wagner.

Também falaram sobre direitos humanos o cientista político André Singer, representando a Comissão Arns; Dom Walmor Oliveira de Azevedo, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e os deputados Bira do Pindaré (PSB/MA); Lídice da Mata (PSB/BA); Orlando Silva (PCdoB/SP) e Leônidas Cristino (PSB/CE).

Saúde e corrupção

A médica Ligia Bahia disse que, apesar da pior pandemia em um século, a humanidade tem também o que comemorar a respeito da saúde nas últimas décadas. “É um espaço conquistado em função da valorização da vida. A humanidade passou a viver mais anos, com mais qualidade de vida”. O Brasil, entretanto, vai em um movimento contrário do resto do mundo, com retrocesso significativos dos avanços obtidos até agora em termos mundiais. “Tivemos um recuo na expectativa de vida, continuamos no epicentro da pandemia, junto com a Índia, liderando número de mortos por covid-19”, alertou Bahia. Ela disse temer que, devido aos escândalos de corrupção que estão sendo denunciados na Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso (CPI da Covid), a saúde saia de cena para dar lugar à corrupção na atenção do público. “Precisamos manter a saúde como centro do debate”, reiterou.

Outros participantes que falaram no último bloco do painel foram Gulnar Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco); a deputada Eliziane Gama (Cidadania/MA) e o senador Carlos Portinho (PL/RJ); Flávia Calé, presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG); Gianna Sagazio, diretora da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI/CNI) e Rubens Belfort, presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM).

O Dia Nacional da Ciência foi criado pela Lei nº 10.221, de 18 de abril de 2001 e o Dia Nacional do Pesquisador pela Lei nº 11.807, de 13 de novembro de 2008. Essas datas foram criadas em homenagens à fundação da SBPC em 8 de julho de 1948, em São Paulo.

Assista ao painel na íntegra no canal da SBPC no Youtube

Jornal da Ciência