A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e comunidade científica que representa lamentam a aprovação da Base Nacional Comum Curricular para o ensino médio, sem levar em consideração as principais críticas e sugestões que foram apresentadas ao Conselho Nacional de Educação (CNE). O documento aprovado nesta terça-feira, 4 de dezembro, pelo CNE define o que todos os alunos da etapa devem aprender em cada ano, tanto em escolas públicas quanto privadas.
“Lamentamos a pressa do CNE em aprovar um texto num final de governo que irá impactar o ensino médio”, diz Eduardo Mortimer, conselheiro da SBPC e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Apesar de Luiz Roberto Liza Curi, presidente do CNE, e Eduardo Deschamps, presidente da comissão da Base no Conselho Nacional de Educação, terem afirmado que a instituição acatou as sugestões da comunidade científica, Mortimer afirma que não foi bem assim. “O CNE incorporou alguns pontos que haviam sido levantados nos documentos apresentados pela SBPC e pelas sociedades científicas, por exemplo, os relacionados à natureza das ciências experimentais, ligados à realização de investigações e ao uso da experimentação. Mas há outros pontos que ficaram de fora e que consideramos fundamentais para que a BNCC cumpra seu papel de fornecer a base para o desenvolvimento de currículos de Ensino Médio compatíveis com as demandas da sociedade em relação à introdução da Física, Química e Biologia e ao desenvolvimento de Geografia, História, Filosofia e Sociologia”, explica o conselheiro da SBPC.
Para Mortimer, a BNCC não resolve o problema da carência de professores no ensino médio, principalmente nas áreas de física e química. “Uma vez que as escolas não são mais obrigadas a oferecer todos os itinerários, elas poderão simplesmente optar por não oferecer, por exemplo, Ciências da Natureza e suas Tecnologias”, comenta. Essa falta de obrigatoriedade é injusta e pode levar a uma grande lacuna na formação dos jovens pois, como lembra Mortimer, “nas regiões onde as escolas não ofertarem itinerários de Ciências da Natureza ou de Ciências Humanas, os jovens não poderão seguir as carreiras científicas, que dependem basicamente da existência desses itinerários.”
O conselheiro da SBPC também demonstra preocupação com a formação dos professores. Para ele, as universidades terão, a partir de agora, que repensar isso, uma vez que no Brasil, todos os cursos de formação estão separados disciplinarmente.
A carga horária mínima é outro ponto que deixa a comunidade científica receosa, explica o conselheiro da SBPC, já que a BNCC estabelece como obrigatórios apenas os componentes Português e Matemática. Além disso, não se especifica como a principal novidade da Reforma do Ensino Médio – a existência de 5 itinerários diferenciados – vai ser implementada na prática, pois os itinerários não foram contemplados no texto aprovado.
Mortimer lembra que a SBPC publicou na última segunda-feira (3) um texto para reafirmar as reinvindicações apresentadas ao CNE durante audiência pública em setembro.
Aprovação
O texto da BNCC do Ensino Médio segue agora para homologação do Ministério da Educação (MEC). O documento foi aprovado pelo CNE sem nenhum voto contrário, apenas duas abstenções. Dos 24 conselheiros, 22 foram favoráveis à aprovação do texto. As abstenções foram de Chico Soares e Aurina de Oliveira Santanna. Aurina foi uma das três conselheiras que se colocou contrária, em 2017, à aprovação do texto da Base da Educação Infantil e Ensino Fundamental, por considerar que o documento ainda precisava de ajustes. Chico era um dos relatores.
Soares foi responsável pela relatoria do texto da BNCC da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, mas se retirou da função na reta final da aprovação do texto para o Ensino Médio. Na votação de ontem, justificou sua abstenção afirmando que não pode deixar de reconhecer as limitações e riscos no projeto, porém também não gostaria de ver a lei revogada e toda a discussão paralisada.
“A proposta falha ao desconhecer os itinerários e, portanto, tratar do caráter estruturante das disciplinas, falha ao não indicar com clareza como as competências do século 21 devem ser introduzidas; falha ao não considerar o acúmulo conceitual criado pelos debates da agenda 2030, falha ao não criar um teoria de mudança da situação atual, em que as escolas, os professores e todo o sistema está organizado por disciplinas deve mudar para uma nova situação”, declarou. Segundo ele, as opções estruturantes tomadas no documento trazem riscos substanciais para a formação dos estudantes do ensino médio.
Soares também critica o fato de o CNE não ter levado em conta as manifestações de vários grupos da sociedade brasileira sobre a necessidade de contemplar as disciplinas no projeto. “Há razões epistemológicas que as sociedades cientificas evidenciaram, há as limitações da formação dos atuais professores, que os gestores apontaram. Há os argumentos sindicais e jurídicos sobre os contratos de trabalho dos professores. Há os motivos teóricos que os sociólogos do currículo como Michael Young registram na sua produção cientifica. Há a comparação internacional, onde se percebe a presença das disciplinas de forma clara, ainda que de múltiplas maneiras. Há as considerações do projeto 2030 das Nações Unidas e literatura que mostra as múltiplas maneiras de tratar este problema que é geral. Não me parece adequado nem prudente que todos estes argumentos sejam simplesmente desconsiderados”, diz.
Conforme declarou, ao aprovar um texto que desconhece todas estas ponderações, o CNE perde uma oportunidade importante de indicar um caminho que permitiria uma organização mais adequada do ensino médio brasileiro.
Vivian Costa – Jornal da Ciência