A expansão das redes sociais como principal fonte de informações à sociedade, a perda de espaço do jornalismo no âmbito digital e a queda no hábito de leitura são alguns dos principais fatores que impulsionam a desinformação. Com a população tendo acesso a mais notícias sensacionalistas do que verdadeiras, será a desinformação uma política de Estado? Este foi um dos debates promovidos durante a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Informação (5ª CNCTI).
Realizada na última semana, em Brasília, a mesa-redonda foi mediada por Thiago Braga, diretor do Ibict (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia) e contou com as participações da secretária-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Cláudia Linhares Sales; do secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, João Brant; da pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), Nina Santos e da coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Renata Mielli.
“A desinformação está no contexto das crises”, alegou Braga, ao iniciar as falas do evento. “A comunidade científica já tem uma articulação ativa sobre o tema, mas precisamos de suporte, principalmente um suporte sistêmico e organizacional que estimule a atuação de cientistas.”
O diretor do Ibict afirmou que o cenário da desinformação vem, além do impulsionamento da era digital, de uma realidade de pobreza informacional que existe no Brasil desde o fim dos anos 1980 e até meados dos anos 1990.
Com a difusão das plataformas digitais, o que se vê agora é um ambiente mercadológico da desinformação, onde profissionais são pagos para espalhar notícias falsas (fake news). “Eu gosto de trabalhar com três conceitos gerais sobre desinformação. Existe o atacado, que é quando grupos criminosos planejam estratégias a longo prazo envolvendo as fake news. O varejo, que é a atuação de personalidades locais, que influenciam as suas comunidades. E há, ainda, o cenário orgânico, quando a pessoa desconhece que está praticando desinformação, mas dissemina inverdades.”
Desinformação e o papel do Governo Federal
Secretário de Políticas Digitais da Presidência da República, João Brant ressaltou que, ao mesmo tempo em que vivemos uma revolução digital, a imprensa foi engolida neste processo.
“O que a gente está vivendo de desinformação vem da popularização dos smartphones e da dominação das plataformas digitais na gestão de conteúdo. Há, por conta disso, uma perda de espaço do jornalismo no controle das informações.”
Brant alertou que a desinformação cria cenários de instabilidade política e econômica, além da difusão de visões extremistas. Com isso, valores que estavam enraizados e consolidados passam a ser questionados, como o sistema eleitoral e a vacinação – esta última, intensificada durante a pandemia de covid-19. “O processo de tomada de decisão, do indivíduo ou do ambiente político em que vive, exige informações confiáveis”, acrescentou.
O especialista destacou o papel da Organização das Nações Unidas (ONU) neste debate, que vem reconhecendo cada vez mais a necessidade de salvaguardar a informação.
“O desafio é como garantir a integridade das informações. Primeiro, precisamos de uma regulação do mercado de serviços digitais. Segundo, necessitamos de mais programas de educação midiática. Também é necessário o fortalecimento do jornalismo sério e compromissado com a verdade, além de políticas que estimulem a diversidade e a pluralidade na produção de conteúdo. Há, ainda, a necessidade de programas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) voltados para o combate à desinformação, além de uma atuação mais direta do Governo Federal.”
Brant também criticou o cenário desfavorável ao combate da desinformação na Câmara dos Deputados, que não tem priorizado a regulação das plataformas digitais, algo comprovado por um levantamento da Agência Brasil, divulgado em junho. Segundo análise da instituição, dos 20 deputados federais que compõem o Grupo de Trabalho (GT) da Câmara para debater regras das redes sociais no Brasil, 14 já votaram contra projetos que se propuseram a criminalizar a difusão de fake news.
Entretanto, o secretário de Políticas Digitais do Governo Federal é otimista e afirmou que já existem articulações conjuntas entre entidades públicas, como Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), Ibict e (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Uma das ações citadas por Brant é um edital, lançado pelo CNPq e pelo Ministério da Saúde, que disponibilizará R$ 10 milhões a projetos que atuem diretamente contra a disseminação de informações falsas – a chamada está com inscrições abertas até o dia 2 de setembro. Outra ação é a Olimpíada Brasileira de Educação Midiática, que buscará impactar diretamente 400 mil jovens do ensino público.
Para a secretária-geral da SBPC, Cláudia Linhares Sales, o acesso à informação confiável é a base da democracia, da soberania nacional e da própria Ciência. “A desinformação precisa ser olhada com a sua devida seriedade”, pontuou.
Sales reforçou a importância deo país investigar não só quem produz desinformação, mas quem recebe e qual o impacto do convívio direto do cidadão com notícias falsas. “Precisamos, também, formar divulgadores científicos e treinar cientistas para falarem com a imprensa, além de tornar o conhecimento científico mais acessível a todos. Por exemplo, temos apenas 270 museus no Brasil para atender às 210 milhões de pessoas que aqui vivem.”
A cientista reforçou a necessidade de um papel mais presente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação no tema e criticou a quantidade de recursos que o País destina para a política científica brasileira, insuficiente para as problemáticas do Brasil de hoje. “Nós já temos algumas soluções aqui no Brasil, mas precisamos fazer mais, com mais recursos e mais gente envolvida.”
Pesquisadora do INCT de Democracia Digital, Nina Santos destacou a nova visão do Governo Federal, no comparativo com a gestão governamental anterior. “Passamos de um momento em que o Estado era produtor de desinformação para outro em que ele reconhece seu papel contra a desinformação.”
A especialista ressaltou a importância da regulação das plataformas digitais. “Parece que só os setores privados e, principalmente, as próprias empresas detentoras das plataformas digitais, podem falar sobre isso, e não é verdade. O setor público precisa se ocupar desse debate.”
Renata Mielli, coordenadora do CGI.br, também reforçou a responsabilidade da iniciativa privada. “Quando a gente fala de desordem informacional, ela se intensifica a partir do momento em que criamos condições para todas as pessoas falarem ao mesmo tempo, mediadas por algoritmos. Ou seja, precisamos tomar uma série de iniciativas de enfrentamento à desinformação que entendam como tudo se esbarra nas plataformas digitais.”
Mielli também condenou as políticas de gestão de conteúdo das redes sociais, que não favorecem debates sérios aprofundados e, ainda, dão mais audiência a conteúdos caluniosos ou sensacionalistas. “O que ganha engajamento nas plataformas é a desinformação. Que debate político resiste às configurações dessas redes? Às limitações de caracteres do Twitter ou às configurações de vídeos curtos do Tik Tok?”
A especialista criticou a falta de transparência dessas instituições sobre suas práticas contra a desinformação. “É necessário conhecermos as equipes de moderação de conteúdo dessas plataformas, e essas equipes precisam ser da nossa sociedade. Porque quem modera conteúdos precisa conhecer os contextos políticos, não é apenas uma revisão de palavras.”
Encerrando sua fala, Mielli elogiou a concepção do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), que foi entregue para análise do presidente Lula na última semana. “O PBIA traz caminhos estruturantes de atuação do Brasil no âmbito digital, mas precisamos de mais ações.”
Rafael Revadam – Jornal da Ciência