A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), a FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), entre outras entidades científicas, realizou na manhã da última terça (20/02) um evento especial em comemoração ao centenário da engenheira agrônoma e pioneira na biologia do solo, Johanna Döbereiner.
Nascida na cidade de Aussig, na Tchecoslováquia, em 1924, Döbereiner teve contato com a Ciência por meio de seu pai, que era físico-químico. Em 1947, ela ingressou no curso de Agronomia da Universidade de Munique, na Alemanha, onde se formou em 1950. No mesmo ano, resolveu seguir novamente os passos do pai, que havia emigrado para o Brasil.
Chegou no território brasileiro meses depois, já em 1951. No País, começou a trabalhar no extinto Departamento Nacional de Pesquisa e Experimentação (DNPEA), do Ministério da Agricultura. A agrônoma desenvolveu uma técnica de fixação do nitrogênio (FBN) pelas plantas por meio da bactéria rhizobium. Com isso, criou-se uma soja que produzia o seu próprio adubo. Seu trabalho influenciou a criação do programa brasileiro de melhoramento da soja, em 1964.
“O trabalho de Johanna Döbereiner sobre fixação de nitrogênio é notável, daqueles em que a ciência traz efeitos econômicos extraordinários, movimentando valores da ordem de 1 a 2 bilhões de dólares por ano, e ainda em expansão. Temos uma dívida com a pesquisadora, uma dívida econômica e social”, afirmou o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, na abertura do evento.
Para Janine Ribeiro, a história de Döbereiner mostra como o conhecimento científico está enraizado na evolução da sociedade. “Um dos pontos principais na defesa da ciência, que nós da SBPC e de demais entidades científicas sustentamos, é que sem ciência você não tem desenvolvimento – nem econômico e nem social. Como o Governo Federal passado não tinha o menor interesse no desenvolvimento social, a gente tentava argumentar com o desenvolvimento econômico, porque um País não vai ter desenvolvimento econômico se não investir em pesquisa científica. Isso é ilustrado perfeitamente no trabalho de Johanna Döbereiner.”
O evento em comemoração ao centenário de Johanna Döbereiner foi realizado na sede da Embrapa Agrobiologia, na cidade de Seropédica, no Rio de Janeiro, cidade onde a cientista morou até sua morte. Além de Janine Ribeiro, a mesa de abertura também contou com as presenças da presidente da Embrapa, Silvia Massruhá; da chefe da Embrapa Agrobiologia, Cristhiane Amâncio; da presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader; do representante do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Osvaldo Moraes; da diretora científica da FAPERJ, Eliete Bouskela; e da deputada estadual Elika Takimoto.
“A cada canto nesta casa, a história e o legado de Johanna Döbereiner são lembrados. Mas eles não são lembrados como algo preso ao passado, apenas com saudosismo, e sim numa forma de reverenciar o que ela tinha de brilhante, da sua inquietude na construção do conhecimento científico”, afirmou a chefe da Embrapa Agrobiologia, Cristhiane Amâncio.
A pesquisadora também destacou o papel da pesquisadora em olhar a ciência como forma de resolver problemas sociais. “Era uma grande satisfação para Johanna ver que a sua contribuição através era importante para a adoção de práticas sustentáveis, em especial na produção de alimentos, devido à sua preocupação com a fome mundial.”
Também citou uma passagem do diário da cientista, em que ela conta que sua mãe lhe disse, adolescente, que a realização de uma mulher não era mais o casamento, mas sim perceber que tinha realizado as coisas que queria – uma lição ainda válida, comentou Amâncio.
Presidente da Embrapa, Silvia Massruhá destacou que Johanna Döbereiner é uma representação da importância da mulher na academia, e como o olhar sustentável perpassa as décadas:
“A participação de mulheres na Ciência não apenas enriquece a construção de novos espaços como contribui significativamente para o processo global de desenvolvimento da sociedade. Johanna Döbereiner, com sua dedicação à pesquisa agrícola, exemplifica como mulheres inovadoras deixam um impacto duradouro na Ciência. Ela foi precursora de uma revolução, a agricultura de base biológica, além de vários outros conceitos que surgiram depois de seus estudos e envolvem a pesquisa de Döbereiner, como bioeconomia, sustentabilidade e mudanças climáticas.”
Um tema recorrente na mesa foi a representatividade de Johanna Döbereiner em um meio dominado por figuras masculinas, especialmente nas pesquisas voltadas à agricultura. Para os especialistas presentes, comemorar seu centenário é também lembrar que existem muitos obstáculos nas trajetórias de mulheres que desejam se consolidar na carreira científica, uma realidade que precisa ser mudada com urgência.
“Eu já tinha ouvido falar muito da doutora Johanna Döbereiner, dela enquanto cientista, mas fiquei muito feliz de saber que ela foi mãe. Porque quando você tem uma mulher cientista, muitas vezes ela abre mão de ser mãe”, destacou a diretora científica da FAPERJ, Eliete Bouskela. “Eu acho que nós temos que pensar em como melhorar essas coisas, porque não é ninguém que vai fazer isso pela gente, somos nós que temos que brigar pelas nossas posições, da mesma forma que a gente brigou para poder sair para trabalhar e ainda briga para ter salários iguais.”
Helena Nader destacou a articulação de Döbereiner na Academia. “A Johanna foi primeira secretária da ABC em dois mandatos, de 1991 a 1993, e de 1993 a 1995. Em 1995, ela também foi a primeira mulher a ser vice-presidente da ABC. Ela deveria ter sido a nossa primeira presidente mulher, não eu. Johanna, onde você estiver, eu te reverencio. Te reverencio pela luta, te reverencio por ter sido mãe, por ter sido avó e por não ter se dobrado à sociedade”, disse.
Representante do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Osvaldo Moraes, destacou que a entidade possui uma homenagem à Döbereiner – uma praça em seu nome. O pesquisador concordou com as falas dos demais presentes sobre o desafio da permanência das mulheres na Ciência, e afirmou que, para além desse cenário, o próprio setor carece de reconhecimento. “A ciência deveria ser reconhecida como a ferramenta mais poderosa que a humanidade já possuiu.”
Encerrando as falas da mesa de abertura, a deputada estadual do Rio de Janeiro Elika Takimoto, ponderou que uma das principais lutas hoje é que mulheres ocupem cada vez mais espaços, com destaque à academia. “Quando a gente luta para colocar mulheres na ciência, a gente luta para que a sociedade seja representada na ciência.”
Orientandos compartilham experiências com Döbereiner
Após a mesa de abertura, a programação especial para comemorar o centenário de Johanna Döbereiner seguiu com um debate sobre o impacto da pesquisadora na formação de cientistas e empresários. A atração contou com a participação dos pesquisadores Avilio Franco, José Ivo Baldani, Mariangela Hungria, Everaldo Zonta, Sergio Brandão e Solon Araújo.
Representante da ABC, Avilio Franco destacou que a atuação de Döbereiner foi além do desenvolvimento de pesquisas. Como articuladora política, ela conseguiu convencer pesquisadores e tomadores de decisão a acreditarem no potencial da técnica de fixação do nitrogênio, uma metodologia divergente da aplicada em grandes nações, como os Estados Unidos. “A professora Johanna sabia ser incisiva e cativante”, pontuou.
Pesquisador da Embrapa Agrobiologia, José Ivo Baldani conviveu com Döbereiner durante 25 anos, desde que começou a carreira científica. “A consciência ecológica de Johanna Döbereiner era fantástica, ela sempre se preocupava com o uso irrestrito dos recursos naturais. Os trabalhos realizados por Döbereiner continuam sendo citados pela academia, inclusive, ela foi a cientista brasileira mais citada pela comunidade internacional em 1995.”
A presença ainda atual dos estudos de Döbereiner também foi tema da fala do professor Everaldo Zonta, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). “A doutora Johanna foi pioneira em tudo. Eu espero que as pessoas se inspirem no trabalho dela, para também quebrar barreiras. A gente ainda tem vários problemas ambientais, muitos identificados pela professora Johanna, e a gente precisa fazer o que ela fez: conseguir articular para mudarmos pensamentos.”
Primeira doutora formada pela UFRRJ, orientada por Döbereiner, Mariangela Hungria ressaltou o papel da especialista para inspirar mais cientistas mulheres. “Quando vinham cientistas estrangeiros visitar a universidade, eles que tinham laboratórios maravilhosos e que nós não tínhamos, a gente brigava muito com a professora Johanna porque ela falava de todas as nossas pesquisas para eles e nós ficávamos com medo de que fossem roubar nossas ideias. Eles nunca roubaram, mas a professora sempre falava assim: ‘Podem levar as ideias que quiserem, temos tantas, não vai fazer falta!’”, contou, aos risos.
Encerrando as falas, o conselheiro fundador da Associação Nacional dos Produtores e Importadores de Inoculantes (ANPII), Solon Araújo, afirmou sua experiência de trabalho com Döbereiner. “Eu era recém-formado em engenharia agrônoma, quando um professor meu de Pelotas me indicou para fazer um estágio com a professora Johanna. Não a conhecia e não conhecia a cidade de Seropédica, onde ela estava com suas pesquisas. Antes de vir, esse professor me preveniu: ‘olha, ela é uma alemã durona, você tem que estudar, viu?’. Mas quando cheguei, vi uma figura alegre e sorridente. Fiquei um mês inteiro com a professora Döbereiner, e foi uma época extremamente proveitosa.”
As ações do centenário de Johanna Döbereiner prosseguirão no decorrer do ano. As atividades estão sendo idealizadas por um comitê organizador formado por representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
A sessão solene com a mesa de abertura e o encontro de orientandos de Johanna Döbereiner está disponível no canal do YouTube da ABC.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência