Completando 40 anos, MCTI nasceu e se mantém pela mobilização da comunidade científica

Com uma história marcada por instabilidades administrativas e financeiras, pasta ministerial ainda tem o desafio de conseguir atender às demandas da Ciência brasileira

Criado em 1985, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) tem sua história marcada pelo engajamento da comunidade científica. Nascido de um movimento de consolidação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, principalmente após um período de controle da ditadura militar nas políticas científicas, o MCTI carrega ainda desafios de seu passado: a instabilidade de recursos e a luta pelo reconhecimento de sua importância.

A ideia de o Brasil possuir um ministério para a Ciência surgiu décadas antes de sua criação oficial. Em 1963, cientistas apresentaram as primeiras propostas para a estruturação da pasta, que chegaram a circular no Congresso Nacional. Entretanto, não havia um consenso da comunidade científica na época. Como o País já possuía o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que era vinculado diretamente à Presidência da República, existia o receio de que um novo órgão pudesse trazer burocracias nos investimentos ao setor. Uma visão que resistiu por décadas.

“Pode parecer irrelevante, mas não o era no contexto da burocracia brasileira. Se fosse ligado ao presidente da República e não a um ministério, o CNPq teria mais autonomia, mais prestígio e um processo de decisão mais ágil. Ser subordinado a um ministério é estar subordinado às suas visões, aos seus compromissos com o capital internacional, e à sua visão do papel da ciência e da tecnologia no processo de desenvolvimento”, explicou a socióloga Ana Maria Fernandes na obra A construção da ciência no Brasil e a SBPC.

Na época, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) já havia se consolidado como uma das principais entidades defensoras de uma estrutura pública para a difusão da Ciência no Brasil. Entretanto, o apoio específico para a criação do Ministério só viria no começo da década de 1980, e ganharia força com a eleição de Tancredo Neves.

“Nem todos dentro da SBPC defendiam a nova pasta. Baseada na ideia de que a ciência permeia todos os ministérios, uma corrente propugnava não uma pasta específica para a área, mas uma secretaria especial que pudesse atuar de forma interministerial. A posição que prevaleceu foi a favorável à criação do ministério. O argumento vencedor era que uma secretaria dificilmente teria status para controlar os outros ministérios e fazer valer o interesse científico”, narrou o jornalista Fernando Tadeu Moraes na obra Ciência para o Brasil: 70 anos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, disponível para download gratuito no acervo digital da SBPC.

Por conta de problemas de saúde, Tancredo Neves não chegou a assumir a Presidência da República e faleceu em abril de 1985. Mas seu vice, José Sarney, cumpriu a promessa de campanha feita por Neves à SBPC e criou, por meio de decreto, o então chamado Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), no dia 15 de março daquele mesmo ano.

Vice-presidente da SBPC na época, o físico Ennio Candotti (1942-2023) contou em entrevista a Moraes que a entidade participou ativamente da idealização e implementação da pasta ministerial:

“O clima, como não podia deixar de ser, era de esperança, animação e bastante cooperação. O processo de construção do MCT acentuou a parceria entre governo e foi praticamente uma obra coletiva. Lembro de inúmeras discussões e viagens com Luciano Coutinho [secretário-executivo da pasta]. Nós íamos discutir com o João Sayad [ministro do Planejamento] e seus assessores para incrementar o orçamento da ciência e tecnologia, defender a alocação de recursos para certas áreas.”

A relação entre a SBPC e o Governo Federal era tão próxima que o presidente da entidade na época, Crodowaldo Pavan, foi convidado para presidir o CNPq, cargo que ocupou até o ano de 1990.

Porém, a nova pasta ministerial não sobreviveu à crise econômica que o Governo Sarney enfrentou e foi extinta em 1989, se tornando uma secretaria do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio.

No governo seguinte, de Fernando Collor (1990-1992), o Brasil seguiu sem um Ministério da Ciência, que na nova gestão tornou-se Secretaria da Ciência e Tecnologia da Presidência da República, com José Goldemberg, ex-presidente da SBPC, na chefia. O governo Collor ficou marcado como um dos momentos mais difíceis para a ciência brasileira, com  a aplicação de uma série de reduções nos recursos do setor, como um corte de 25% nos programas de bolsas e fomento à Ciência.

“Foram tempos tensos. Assim que assumiu, em 15 de março de 1990, Collor simplesmente extinguiu a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]. A medida terminou revertida cerca de um mês depois, como resultado de intensa mobilização da comunidade, e em especial da SBPC”, ponderou Moraes em seu texto.

O Ministério recuperaria seu status com o impeachment de Collor. Ao assumir a Presidência da República em 1992, Itamar Franco criou novamente a pasta e também recompôs parte de seu orçamento.

Ao longo dos anos, a pasta ministerial foi coordenada por personalidades que integraram a SBPC, além de José Goldenberg (1990-1991), Sergio Machado Rezende (2005-2010) – presidente de honra da SBPC -, durante o Governo Lula, e o ex-presidente da entidade, Marco Antonio Raupp (2012 a 2014), no Governo Dilma.

Nas décadas seguintes e nos seus respectivos novos governos, o Ministério da Ciência seguiu ativo, mas sempre com a comunidade científica cobrando a execução e expansão de seus recursos. Estes foram os principais temas de diálogo entre a SBPC e os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Entretanto, um novo impeachment traria mais um cenário de instabilidade à pasta, o de Dilma Rousseff (2011-2016), em 2016.

Ao assumir a Presidência da República em setembro daquele ano, Michel Temer prometeu uma máquina pública enxuta, reagrupando e reduzindo ministérios. Assim, a pasta de Ciência foi incorporada à das Comunicações, um movimento pelo qual a SBPC foi contra, criando a campanha “Volta MCTI”.

Presidente da entidade na metade do Governo Temer, o físico Ildeu de Castro Moreira, também em entrevista ao jornalista Fernando Tadeu Moraes, afirmou que o balanço do período é negativo para o setor e para o cenário econômico do País, já que foi um governo que se empenhou na aprovação da medida popularmente conhecida como Teto de Gastos. “Foi um governo cuja política para a ciência foi basicamente de corte de recursos. Houve ainda a aprovação da PEC 95 [Proposta de Emenda Constitucional nº 95, o Teto de Gastos], que congelou os investimentos para os próximos anos.”

A situação de cortes se agravou com a chegada de Jair Messias Bolsonaro ao Governo Federal. Em sua gestão (2019-2022), Bolsonaro não só deu declarações contrárias às descobertas científicas, principalmente durante a pandemia de covid-19, como também promoveu sucessivos bloqueios nos recursos do setor.

Em 2020, a comunidade científica teve que realizar uma articulação com o Congresso Nacional para conseguir aprovar a lei complementar nº 177, que proíbe o contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). O Fundo é o responsável por gerenciar os projetos de Ciência no País. Porém, o Governo Federal seguiu realizando uma série de ações para driblar esta lei.

A principal medida para o não-cumprimento da destinação de recursos ao FNDCT veio dois anos depois, em 2022, com a Medida Provisória nº 1.136/2022, que visava bloquear os recursos do Fundo até o ano de 2026. Na prática, FNDCT teve bloqueios orçamentários ano após ano – no total, foi estimado um bloqueio de R$ 14 bilhões no orçamento científico do País, sendo R$ 2,7 bilhões contingenciados já em 2022.

Diretora da SBPC e professora da Universidade de Brasília (UnB), Fernanda Sobral resumiu o conjunto de ações que a comunidade científica teve que lidar com o Governo Bolsonaro. “Primeiramente, os recursos [da Ciência] ficaram em reserva de contingência, depois conseguimos uma lei para acabar com essa reserva de contingência, aí veio um veto, depois se derruba o veto, bloqueiam R$ 2,5 milhões, desbloqueiam e agora vem essa medida provisória. Esse é o grande problema para a Ciência avançar, você nunca sabe se no outro mês vai contar com recursos”, disse ao Jornal da Ciência na época.

Naquele mesmo ano, o então ministro da Ciência, Paulo Alvim, compareceu à 74ª Reunião Anual da SBPC, realizada na UnB, e afirmou que os recursos do setor seriam liberados paulatinamente, o que não ocorreu. A comunidade científica sabia que os contínuos bloqueios eram liderados pelo principal interlocutor econômico de Bolsonaro, o ministro Paulo Guedes, e a eles destinavam suas críticas:  “A impressão que temos é que o ministro da Economia, que tem doutorado e usufruiu de bolsas públicas, não sabe que o maior investimento para a economia é investir em educação, ciência e na saúde da população”, ponderou o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro.

A Medida Provisória nº 1.136/2022 ficou aproximadamente um ano e meio em vigor, e foi derrubada em 2023, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito para a Presidência da República. No atual Governo Lula, os recursos da Ciência não foram só repostos, como também ampliados – o FNDCT atingiu seu recorde de receita em 2024.

Hoje, o MCTI segue palco de debates orçamentários. O Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2025 (PLOA), atualmente em tramitação no Senado Federal, prevê uma redução nos recursos destinados ao CNPq. No último mês, a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) encaminharam uma carta ao senador Ângelo Coronel (PSD-BA), relator-geral do PLOA, para que essa situação seja revista.

“No ano passado, das solicitações qualificadas para bolsas de pós-doutorado, apenas 30% puderam ser atendidas, o que induz muitos jovens cientistas a desistirem da carreira acadêmica ou a considerarem trabalhar no exterior. Esses pesquisadores recém-doutores desempenham um papel fundamental na renovação e fortalecimento do sistema nacional de ciência e tecnologia, sendo agentes essenciais para o avanço do conhecimento, da inovação e do desenvolvimento socioeconômico do país. Projetos como Edital Universal e Primeiros Projetos estão sem orçamento ou subfinanciados”, afirmaram as entidades no documento. A votação do PLOA estava prevista para a última quarta-feira, 12 de março, mas não foi realizada.

MCTI iniciará comemoração oficial, com participação da SBPC

O próprio Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação está estruturando um calendário para comemoração dos seus 40 anos. A programação começará agora no mês de março e se encerrará em março de 2026. Para auxiliar no desenvolvimento deste calendário, a pasta ministerial criou um grupo de trabalho, no qual dois representantes da SBPC fazem parte: o presidente da entidade, Renato Janine Ribeiro, e a vice-presidente Francilene Garcia.

“É fundamental a presença da SBPC nesta ação, e por várias razões. Primeiramente, porque desde a gestão do presidente Sarney, em 1985, quando efetivamente o ministério foi criado, e mais na frente quando adquiriu o “I”, correspondente à Inovação, a criação da pasta foi uma pauta reivindicatória da entidade. Porque existia a compreensão da necessidade de haver um órgão na alta instância do poder, que é um Ministério, com a missão de organizar, estruturar e pensar as políticas públicas na área da Ciência”, pondera Garcia.

Entre os eventos a serem realizados está uma programação especial dentro da 77ª Reunião Anual da SBPC, que envolverá todas as agências que compõem a pasta ministerial. O evento acontecerá de 13 a 19 de julho na Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Recife. Mais detalhes devem ser anunciados em breve.

Para a vice-presidente da SBPC, é importante o reconhecimento do MCTI além de sua história, já que ele não só organiza as políticas em nível nacional, como difunde caminhos para as políticas científicas por todo o Brasil. “A presença do MCTI no ambiente institucional do País não é só importante para que a gente tenha uma continuidade nas ações de investimento na área, mas também porque ele inspira e traz a área em outras instâncias federativas, como estados e municípios”, conclui.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência, com apoio do Centro de Memória Amélia Império Hamburger (CMAIH)