Representantes da comunidade científica e tecnológica levaram na última quinta-feira, 6 de dezembro, ao futuro ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, os grandes desafios da ciência brasileira para o próximo governo. O tema geral do encontro foi “Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável: Debate para o Futuro”. Esta foi a primeira vez que o ministro se reuniu com as entidades representativas da C&T nacional, já antes de tomar posse, e o encontro foi avaliado como bastante positivo pelos participantes do evento.
Nesta primeira reportagem, o encontro é discutido e avaliado por alguns dos participantes. Na segunda parte, que deverá sair nos próximos dias, outros participantes se manifestarão. A SBPC está também criando uma seção no seu portal para colocar as apresentações e relatos sobre a reunião. Em breve divulgaremos o link para essas publicações.
A reunião foi fechada e contou com cerca de 50 participantes, durou todo o dia e ocorreu na Comissão de Transição, em Brasília. Além da SBPC, participaram a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), o Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência Tecnologia e Inovação (Consecti), representantes de entidades das três grandes áreas – humanas, exatas e da vida -, dirigentes de diversas instituições de pesquisa e de agências de fomento, representantes das universidades federais, estaduais e municipais, entidades ligadas ao setor privado e à inovação, representantes das áreas de ciência e tecnologia do Exército, Marinha e Aeronáutica, do Serviço Social da Indústria (Sesi) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), e de outras entidades. A lista completa dos participantes pode ser lida aqui.
No encontro, Pontes se comprometeu com a recuperação do orçamento para CT&I e afirmou que se empenhará em promover mais articulações com outros ministérios. O futuro ministro também garantiu que a Finep permanecerá vinculada ao MCTIC, destacou a importância da atuação transversal do CNPq e disse que apoiará a educação científica nas escolas (como forma de despertar nas crianças e jovens o interesse pela ciência). Destacou ainda, com ênfase reiterada, a importância de se promover o desenvolvimento sustentável no País e reafirmou a meta do governo de elevar a 3% do PIB nacional os investimentos em P&D, contando, para isto, com uma participação significativa de recursos privados. Ele afirmou que a estrutura e os cargos de direção dos que vão compor o Ministério ainda estão sendo definidos, que as Comunicações permanecerão na mesma Pasta e que o Ensino Superior deverá continuar no MEC. Acrescentou que está propondo, em seu cronograma inicial, que o (Inpi) e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) sejam incorporados ao MCTIC.
“Ciência e tecnologia são estratégicas para o desenvolvimento do País, assim como a Educação. E nós precisamos ter esse prestígio para dar o retorno para a sociedade”, disse Pontes. O futuro ministro avaliou o contato com os representantes do setor como “extremamente valioso” para que a nova pasta trabalhe de forma consensual. Marcos Pontes solicitou no final da reunião que a SBPC e a ABC fiquem como canais iniciais de conexão entre a comunidade científica e o ministério em formação.
Para Ildeu Moreira, presidente da SBPC, entidade que havia solicitado a reunião juntamente com a ABC, Consecti e Confap, e que ajudou a organizá-la, o encontro foi produtivo e possibilitou a abertura de diálogo com o futuro ministro e sua equipe. “Esperamos com esse primeiro encontro, que foi bastante proveitoso na avaliação de todos os participantes, que o diálogo prossiga, envolvendo também outros setores da comunidade de CT&I e de áreas de governo, como o MEC, que tem forte interação com a ciência e tecnologia”.
Segundo ele, “apresentamos em conjunto as questões mais emergenciais para a área, inclusive a nossa grande preocupação com o orçamento de 2019 – em especial, para CNPq e Finep –, bem como desafios e propostas para a CT&I a médio e longo prazo, como a questão crucial de ampliar nossa capacidade de inovação tecnológica e social e, ainda, a relevância de se considerar a nossa extraordinária biodiversidade como um ativo muito importante para o País. Insistimos na importância da ciência para o Brasil – e também da ciência básica, – da educação científica de qualidade e no caráter transversal do MCTI.” “O futuro ministro Marcos Pontes teve a oportunidade de ouvir e debater de forma muito aberta, com todos os participantes, representativos de setores diferenciados da área, sobre os grandes desafios da CT&I no Brasil, suas potencialidades e possibilidades de contribuir para o desenvolvimento sustentável do país”, afirmou.
A presidente de honra da SBPC, Helena Nader, também avaliou que a reunião foi importante para mostrar os avanços da ciência brasileira e suas angústias. “Relatamos aonde ciência chegou, nossas preocupações, mas também ficamos mais despreocupados com a informação de que a Finep continuará veiculada ao MCTIC. Ressaltamos que a inovação tem que estar veiculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e reiteramos a importância de uma parceria do MCTIC com o MEC”, contou.
“Para que a ciência tenha o protagonismo que Marcos Pontes sinalizou, o futuro ministro terá que enfrentar muitas resistências, dentro do próprio governo, que, espero, se dissipem. Esperamos que o futuro presidente cumpra o que disse para nós. É importante que haja um alinhamento com outros setores do governo, especialmente com a equipe econômica”, comenta o presidente da ABC, Luiz Davidovich.
“Este é um conjunto de sinalizações que consideramos relativamente positivas. Mas existe uma distância imensa entre as palavras e suas concretizações em fatos. Precisamos cobrar e trabalhar no sentido de transformar essas afirmações em ações”, pondera Adalberto Val, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e participante do encontro. “A comunidade científica com certeza irá acompanhar isso de perto”, acrescentou.
Em um momento do encontro, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, visitou a sala onde estava ocorrendo a reunião para falar brevemente aos participantes. Ele destacou a importância da ciência e do trabalho dos cientistas e afirmou que seu governo deverá se basear e apoiar o desenvolvimento científico e tecnológico. Afirmou também que as decisões referentes à indicação de cargos para o Ministério são de decisão do ministro da área. Também passou rapidamente pelo encontro o futuro ministro de Minas e Energia, o almirante-de-esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior, que lamentou não poder participar da reunião, para a qual estava convidado, por causa das novas incumbências, mas declarou que haverá uma interação permanente do Ministério que presidirá com a ciência e tecnologia, sua área de atuação durante anos.
Diálogo permanente
Para a presidente do Confap, Maria Zaira Turchi, a reunião foi muito positiva pela disposição de Pontes em ouvir as demandas da comunidade científica. “Só com diálogo conseguiremos avançar. E o futuro ministro se mostrou empenhado em realizar encontros periódicos para ouvir as demandas e manter uma continuidade de programas já existentes”, comenta Turchi. Ela disse ainda que deixou claro para Marcos Pontes que, na área de fomento em CT&I, não pode haver interrupções.
Em sua apresentação, Turchi destacou a luta do Conselho e das Fundações de Amparo (FAPs) por mais desenvolvimento científico e tecnológico para os estados e o País. “Expliquei que as fundações de amparo à pesquisa compõem o Sistema Nacional de CT&I no Brasil e são fundamentais para ampliar recursos para ciência e inovação nos estados, sobretudo na perspectiva do desenvolvimento regional”, diz.
Segundo Francilene Garcia, presidente do Consecti, o encontro serviu para que Pontes conheça boa parte da comunidade científica e tecnológica, órgãos que não pertencem à União, e representantes do setor privado, que atuam em prol da inovação, além de se inteirar das principais inquietações do setor. “Dessa forma, acredito, ele colheu as informações necessárias para compor de maneira qualificada e representativa sua equipe que irá tratar questões urgentes da área, como o orçamento”, diz.
No encontro, a presidente do Consecti reforçou a necessidade de um diálogo permanente para pautar assuntos importantes nas negociações, principalmente, ressaltando a necessidade de destacar as especificidades locais. “Temos de considerar as questões nacionais como as locais. E, para isso, colocamos três eixos que requerem atenção: 1- a necessidade de ter um modelo de governança mais sustentável e perene. Nesse caso, a nossa sugestão foi que o Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação seja, de fato mais atuante, com uma agenda permanente de desdobramentos. E que isso possa se consolidar com uma política de Estado e não de governo; 2- a questão da regulamentação e implementação do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação no âmbito estadual, que é consequência do desdobramento do nacional. Colocamos a importância de um debate permanente desse setor, sugerindo que haja uma ação conjunta com os parlamentares para que eles tenham uma visão mais qualificada das reais necessidades que a gente tem em relação à Legislação; e 3- precisamos de indicadores que explicitem os impactos que essas áreas trazem”, disse.
Ciências Exatas e Tecnológicas
Marcos Pimenta, presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), avalia como positivo o fato de o futuro ministro receber toda a comunidade científica para discutir as questões mais pungentes da área. “Isso demonstra uma abertura de diálogo”, diz.
Pimenta fez uma consulta com representantes das áreas de exatas e tecnológicas para levar ao encontro as principais suas demandas. A recomposição do orçamento do MCTIC e, em especial, do CNPq, foi a demanda mais importante. Também foi apontada a necessidade de investir em recursos humanos para área científica, aumentando tanto o número de ofertas quanto o valor, congelado há anos. Além disso, foi destacada a importância da internacionalização para a ciência brasileira, e, para isto, é necessário que também se ampliem as verbas para acordos internacionais e participações em eventos fora do País.
O presidente da SBF levou ainda a Pontes a reivindicação pela intensificação da regionalização da ciência, com apoio ao Edital Universal e fortalecimento do programa de INCTs.
“O que solicitamos é que se otimize o uso de recursos e amplie a descentralização. A ciência brasileira já sentiu o gosto de ser apoiada pelo governo em tempos anteriores e o que esperamos é que esse próximo Ministério torne concreto o que acenou apoiar”, comentou.
A SBF também reforçou a importância de o governo incentivar a relação universidade-empresa, para que seja estabelecida uma linguagem em comum e que haja uma comunicação no sentido de fazer com que a tecnologia desenvolvida no ambiente acadêmico seja transformada em riqueza. “Essa aproximação é muito importante. Mas precisa de recursos para que essa prática seja viabilizada”, ressalta.
Um ponto importante que Pimenta reforçou sobre o encontro foi que o futuro ministro demonstrou preocupação com relação à educação científica no Ensino Médio com a nova Base Nacional Comum Curricular aprovada esta semana. “Ele acha importante que os jovens das escolas públicas tenham acesso à educação científica e tecnológica. Até pela sua história pessoal, por ter vindo de uma família menos favorecida e conseguido ter oportunidade para se tornar um cientista. Nós comentamos no encontro que tal como foi a provada, a BNCC do Ensino Médio impedirá que jovens com origens parecidas com a dele possam seguir carreiras científicas”.
Conforme ainda conta Pimenta, no encontro foi reforçado que é importante que o novo governo implemente as propostas que já existem, pois são muitas e de ótima qualidade. “Não precisa inventar muito. Basta tocar as propostas existentes. Mas para isso, é fundamental que sejam garantidos os recursos adequados”, reiterou.
Ciências humanas e sociais aplicadas
Na opinião Lia Zanotta Machado (presidente da Associação Brasileira de Antropologia – ABA), que na reunião representou as entidades de ciências humanas e sociais aplicadas associadas da SBPC, a reunião foi boa, embora o ministro tenha demostrado cautela nas resoluções dos problemas. “Ele disse que estava ciente da importância da área de CT&I, mas deixou claro que nem tudo depende apenas do MCTIC e que há uma necessidade de um intercâmbio com outros ministérios”, diz.
A pesquisadora conta que chamou a atenção de Pontes para a pequena presença das ciências humanas e sociais aplicadas em planos estratégicos de CT&I. “As ciências humanas e sociais quase não aparecem nos programas, mas essa área é importante porque todas as inovações implicam em mudanças para a sociedade. É uma área importante na implementação de políticas públicas, como, por exemplo, no desenho de políticas de mobilidade urbana, violência, segurança, desigualdade de gênero, entre outras, porque implicam em metodologia científicas produzindo evidencias científicas”, disse Machado, que também é professora de antropologia da Universidade de Brasília (UnB).
Ciências da vida
Hernandes Carvalho, presidente da FeSBE, observou que o bordão tradicional “ciência não é gasto, é investimento”, foi incorporado pelo futuro ministro. Carvalho representou a área de ciências da vida e criticou o excesso de regulamentação e descompasso entre legislação e regulamentação e a realidade dos laboratórios, o que impede o desenvolvimento desta área.
“Esta área precisa de grandes projetos nacionais, como erradicar determinados tipos de doenças. Para tanto, é necessário criar benefícios fiscais para que haja interesse do setor privado em financiar a pesquisa. Existe grande dependência de tecnologia importada para a realização de estudos no País. E existe também grande dependência da indústria farmacêutica, em particular a de radiofármacos. É necessário criar mais centros que realizem ensaios pré-clínicos, para minimizar a distância entre a pesquisa e a comercialização de novos fármacos”, apontou.
O representante do Inpa, Adalberto Val, também destacou os entraves que os cientistas vivem para fazer ciência no Brasil do ponto de vista da biologia e da questão ambiental. “Precisamos acabar com esse complexo de Tordesilhas, que mantém a Amazônia afastada do desenvolvimento do País, quando ela deveria estar integrada a esse projeto”, salienta. Segundo ele, é preciso desburocratizar e tornar os processos leves. “Não podemos ter uma regulamentação que seja mais importante do que o processo”, diz.
Val ressalta que os desafios são igualmente enormes para todas as áreas discutidas no encontro. “A ciência brasileira levou um tombo nos últimos quatro anos e se recompor nesse cenário que estamos vivendo, tanto do ponto de vista econômico quanto do político, é o grande desafio que demonstramos nessa reunião”.
Daniela Klebis e Vivian Costa – Jornal da Ciência