Os representantes da comunidade científica e tecnológica avaliaram o primeiro encontro com o futuro ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, no dia 6 de dezembro, como positivo. Todos consideraram o encontro promissor uma vez que ele se dispôs a ouvir sobre a área para tomar conhecimento dos entraves do setor, coisa rara entre os que chegam a essa posição. Mas, ao mesmo tempo, esperam que as propostas apresentadas sejam de fato levadas em conta, uma vez que são muito grandes os entraves no cenário atual. O encontro, que reuniu cerca de 50 pessoas, foi realizado em Brasília, na última quinta-feira, 6 de dezembro, com a equipe de transição do governo, com o tema “Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável: Debate para o Futuro”.
Nisia Trindade Lima, presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), destacou como ponto importante a garantia da liberdade de investigação científica e acadêmica, como vem sendo feito desde a redemocratização do país em 1985. Ela ressaltou também a necessária recomposição da dotação orçamentária do setor de ciência e tecnologia a níveis compatíveis com a capacidade instalada e massa crítica nacionais; a implementação integral do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação; a continuidade das políticas de descentralização das atividades de ciência, tecnologia e inovação em curso no Brasil desde a década de 1990; e o fortalecimento dos vínculos cooperativos em ciência, tecnologia e inovação entre o MCTI e o gestor federal do SUS – o Ministério da Saúde. “A abertura deste canal de diálogo com a comunidade científica foi uma iniciativa de enorme importância, assim como destaco a importância das lideranças da SBPC e da ABC na representação das entidades e instituições”, disse.
“Éramos muitos, e todos falaram com muita pertinência dos problemas que afetam a área nos últimos anos. E percebemos que não havia nenhum prejulgamento do que é a atividade cientifica”, disse Jorge Guimarães, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). “Marcos Pontes tem muitas dificuldades pela frente para enfrentar, como, por exemplo, se articular com outros ministérios, uma vez que o orçamento de CT&I se complementa em outras pastas, como da Agricultura, do Meio Ambiente, da Defesa, entre outros”, explicou.
Guimarães disse que as apresentações giraram em cinco aspectos: A necessidade da recomposição de recursos. Que para ele é fundamental; e a revogação da Medida Provisória 95, que é impeditiva do progresso de CT&I. “Essa medida poderia ser razoável se falasse que não construiria estádios de futebol por 100 anos, mas congelar os recursos da ciência por 20 anos é matar o futuro dos jovens, principalmente o Brasil sendo um país relativamente jovem. A gente tem uma potência enorme. Nossa juventude é angustiada em mostrar sua criatividade, vemos isso nas startups. Essa medida é um atraso para a área”, comenta. Além desses dois pontos, o presidente da Embrapii destaca ainda que foram apontadas a excessiva burocracia; e a necessidade de um gestor de CT&I, que coordene os interesses da área com todos os outros ministérios.
Na sua apresentação, Guimarães conta que deixou claras as necessidades futuras da empresa. “Mostrei que nos últimos quatro anos passamos de 10 empresas para 430 empresas e de nove projetos para 600. Conseguimos fazer coisas com pouco dinheiro ao longo desses anos, mas só temos orçamento para abril de 2019. Em 2018, recebemos R$ 125 milhões dos ministérios da Educação e de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, mas recebemos a metade do que pedimos. Com isso, o fundo que foi criado ao longo dos quatro anos foi sendo consumido. Como o fundo não é reposto, nossa sobrevida é até abril de 2019. Já indicamos que o número de novos projetos serão reduzidos”, explicou.
Para Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), onde está instalado o Projeto Sirius, o encontro foi uma oportunidade para o futuro governo poder ter uma boa fotografia do sistema brasileiro de CT&I atual. Em sua fala, apresentou a importância de Laboratórios Nacionais e infraestruturas diferenciadas, nos diferentes países e no Brasil. Inclusive deu exemplos de laboratórios do tipo no mundo, além de mostrar a estrutura do CNPEM que tem quatro Laboratórios Nacionais. Ele também destacou o potencial impacto do Sirius para a competitividade das pesquisas brasileiras. “Eles (o futuro ministro e sua equipe) demonstraram genuíno interesse em apoiar o Sistema Nacional de C&TI, inclusive indicando a intenção de aumentar os recursos e simplificar os processos”, comentou.
Mário Cezar Silva Leite, do Fórum das Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas (FCHSSA), avalia como positiva a intenção do ministro de tornar essas reuniões regulares. “Acredito que agora é esperar os desdobramentos disso tudo e aguardar novas ações”, declarou.
Menos burocracia
O presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Fernando Peregrino, levou ao futuro ministro da Pasta da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, uma proposta para redução da burocracia, que todo ano consome 35% do tempo do cientista.
Peregrino destacou o acordo inédito entre a Controladoria-Geral da União (CGU) e as fundações de apoio, firmado em dezembro de 2017, em defesa da autorregulamentação do setor. “Assinamos um termo de entendimento para reduzir essa burocracia que consome 35% do tempo do cientista; e avisei que precisamos evoluir. O ministro demonstrou atenção e tudo indica que ele partirá para o entendimento com os órgãos de controle, como defendemos”, diz Peregrino.
O representante do Confies sugeriu ao futuro ministro criar um grupo de trabalho com as partes envolvidas no sistema. “Um grupo com pesquisadores e fundações de apoio para que sejam mapeados os gargalos burocráticos da ciência, tecnologia e inovação”, disse. “Demonstrei a ele que o excesso de controle está no limite. Só falta o controle exigir que o cientista não se utilize de hipóteses na sua pesquisa. Eles querem a certeza prévia. Isso é incompatível com a pesquisa e a inovação. Ainda bem que a Cúpula da CGU já nos entendeu e tem trabalhado nessa linha da autorregulação”.
“Os desafios em ciência, tecnologia e inovação são grandes e os agentes do sistema nacional de inovação precisam estar conectados e se comunicando de forma organizada e tranquila”, afirma Paulo Mól, diretor de Operações do Serviço Social da Indústria (Sesi).
Mól destacou que, para o setor industrial, o principal a agenda de ciência, tecnologia e inovação no Brasil precisa se conectar à de competitividade. “Esse é o desafio da CT&I nos países mais desenvolvidos. Tratar da ciência que gera riqueza, da ciência que gera PIB (Produto Interno Bruto)”, disse ao elogiar a meta do novo ministro de expandir os dispêndios em P&D para 3% do PIB. Ele ressalta, no entanto, que isso só será possível se o País estimular as empresas a investirem cada vez mais em inovação. “O aumento significativo dos recursos destinados à ciência e tecnologia só será possível com o engajamento das empresas, em especial do setor industrial, que é o que mais investe em P&D”, afirma. Em sua opinião, os empresários só vão aumentar os investimentos em inovação se vislumbrarem possibilidade de retorno, de aumento da produtividade e geração de lucro. “Para isso, os projetos de inovação precisam conectar-se aos projetos orientados para uma missão (mission oriented), alinhados a uma clara demanda empresarial”, sugere.
José Alberto Sampaio Aranha, presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), foi outro participante que ressaltou a importância de investir na inovação no Brasil. “Para isso, o grande desafio é gerar ambientes favoráveis, ou seja, gerar capital social. E precisamos da colaboração de todos. O Estado, por exemplo, deveria dar melhores condições para o jovem empreender. Se deixar os grupos sociais identificarem seus problemas e trabalharem neles, eles vão achar seus objetivos. Não podemos atrapalhar o jovem. Temos de desatar os nós existentes. Diante disso, temos de melhorar os ambientes virtuais (mais segurança e redes adaptadas)”, explica ele que avaliou a postura de Pontes como inteligente ao ouvir a todos com atenção.
Bruno Brasil, secretário de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) também reforçou a necessidade de desburocratizar as normativas e a maneira de monitorar e avaliar as pesquisas, e assim, fortalecer a inovação. “É preciso aproximar a pesquisa acadêmica da indústria, e, assim, ajudar o País a subir no ranking de inovação”, disse ele, ao ressaltar que o crescimento da empresa se dá graças à tecnologia e inovação.
Vivian Costa – Jornal da Ciência