Representantes das instituições da comunidade educacional e científica que participaram da construção do Marco Legal da CT&I (Lei 13.243/2016) criticaram a demora na edição do decreto que irá regulamentar as novas regras para pesquisa e desenvolvimento no País. Para os envolvidos, a finalização do conjunto de regras é fundamental para estabelecer um novo patamar na relação das entidades públicas, privadas e do governo federal na área de ciência, tecnologia e inovação.
A mesa “Novo Marco Legal da CT&I” foi realizada dentro da SBPC Inovação nessa quinta-feira, 20, no ciclo de debates da 69ª Reunião Anual da SBPC. Além de expor aos presentes como foi o trabalho de 12 anos que levou à promulgação da Lei 13.243/2016, os debatedores foram uníssonos em exigir que o governo cumpra a última etapa do novo arcabouço legal, publicando o decreto de regulamentação. “É preciso definir com clareza as regras para que não haja problema depois”, resumiu Ângela Maria Cruz, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil (Andifes). “Lamento muito que há um ano e meio da sanção do Marco Legal, com todo o trabalho do MCTIC e das entidades, ainda esteja havendo divergência de algumas instâncias de governo para que esse regulamento seja publicado.”
As divergências citadas por Cruz são dos ministérios da Fazenda (MF) e do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). As pastas econômicas do governo insistem em vetar o capítulo que regulamenta a Emenda Constitucional 85, que permite à área de CT&I fazer a transposição, remanejamento e transferência de verbas entre rubricas orçamentárias. Para a presidente de honra da SBPC Helena Nader a tentativa de impedir a regulamentação da Constituição Federal não faz sentido. Nader lembrou que existem legislações locais, como a do estado de Minas Gerais. “A mudança de rubrica é do dia a dia dos mineiros. Por que não pode ser do dia a dia dos brasileiros?”, questionou.
Quem promoveu essa mudança em Minas Gerais também estava na mesa: Mario Neto Borges, hoje presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ele explicou como a regra simples de transposição de recursos funciona na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). “O orçamento da Fapemig é 95% investimento e 5% custeio. E no investimento a única descrição é ‘apoio à pesquisa’. Dá para fazer”, confirmou o presidente do CNPq. O maior problema por trás da disputa entre ministérios em torno do Marco Legal, na visão de Borges, é a cultura burocrática. “Terminamos o marco, a Constituição está aí, a Lei está aí e o burocrata diz que não é bem assim”, reclamou.
Burocratização
Para o presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Fernando Peregrino, a situação vai além de uma mera teimosia burocrática. “Eles estão descontrolados. O que tenho observado é a degeneração da burocracia brasileira”, analisou.
Essa burocratização da administração pública ao ponto de impedir a regulamentação de leis aprovadas pelo Congresso Nacional tem sérios impactos na vida cotidiana dos pesquisadores brasileiros. O controle burocrático de todas as etapas do trabalho das instituições que trabalham com CT&I custa 35% do tempo de pesquisa. Sem contar as pesquisas que são paralisadas por questões administrativas, problemas que poderiam ser resolvidos com a regulamentação. “A gente não precisaria provar cotidianamente que não somos marginais, que não estamos roubando dinheiro público”, desabafou Francilene Garcia, presidente do Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência e Tecnologia (Consecti). “A transferência de recursos ainda é vista como improbidade administrativa”, confirmou Ângela Cruz.
Além de opor-se à maior liberdade de execução dos recursos, a Secretaria de Orçamento e Finanças (SOF) do MPOG é contrária à prestação de contas simplificada e à substituição do Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse (Siconv) na área de CT&I. Esses três itens são fundamentais para que a regulamentação possa efetivamente tornar a cadeia de P&D mais eficiente e produtiva. “Esses três pontos, se não estiverem resolvidos adequadamente, é melhor não assinar. Porque (publicar o decreto) sem isso, vai ser uma bomba na comunidade científica, sentenciou Mario Neto Borges.
Mesmo com a frustração dos debatedores quanto a ausência do decreto de regulamentação, a esperança de que o Marco Legal seja efetivado permanece. A ideia é assegurar o processo simplificado de gestão de recursos nas leis estaduais. Isso resolve apenas em parte o dilema, uma vez que os projetos com recursos federais continuarão sendo regidos dentro das regras burocráticas do MPGO até que o decreto saia. A ideia, sendo assim, é pressionar o governo. “A gente queria já estar saltando muros mais altos, mas acabamos saltando os muros mais baixos, que é o que dá nesse momento”, avaliou Francilene Garcia. “Mas uma conferência dessas serve também para lembrar que a gente tem que continuar acreditando que vamos conseguir saltar esses muros mais altos”, completou.
Mariana Mazza – para o Jornal da Ciência