Quando o governo brasileiro emitiu uma nova ordem que limitava a participação em conferências internacionais a um acadêmico por universidade no final de 2019, a comunidade de pesquisa do país logo se revoltou. Para reuniões domésticas, a diretiva do Ministério da Educação (MEC) especificava que apenas dois acadêmicos poderiam participar de uma única instituição.
Mais de setenta entidades, incluindo várias associações, federações e sociedades apoiaram uma reclamação enviada ao ministério solicitando a retirada da nova regra. A portaria veio como parte do esforço do governo para reduzir os gastos do Estado após um corte de 18% no orçamento educacional brasileiro em 2020.
Ao fazer lobby no Congresso do Brasil e iniciar uma campanha na mídia, a comunidade acadêmica conseguiu retirar os aspectos mais severos da medida. “Isso aconteceu devido aos protestos firmes e unidos da comunidade científica e acadêmica brasileira”, disse Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ao Chemistry World. Sua organização juntou-se à Academia Brasileira de Ciências (ABC) e escreveu uma carta ao ministro da Educação do país, Abraham Weintraub, no final de janeiro, solicitando que a normativa fosse revista. Cerca de cinquenta organizações científicas assinaram a carta e outras 20 endossaram as queixas nos dias que se seguiram, segundo Moreira.
Em sua carta, as organizações argumentaram que a medida “inibe a interação entre pesquisadores brasileiros” e “mina a internacionalização e o papel da ciência e tecnologia nacional”. Além disso, seus autores alertaram que as novas restrições poderiam tornar quase impossíveis as reuniões científicas anuais, dificultando a participação de pesquisadores do Brasil em fóruns científicos, prejudicando os esforços para treinar uma nova geração de cientistas do país e causando ‘risco iminente’ a colaborações científicas bilaterais e internacionais.
Ao divulgar a nova regra e alertar sobre suas possíveis repercussões para as atividades de pesquisa científica brasileiras, as instituições acadêmicas ganharam atenção da mídia nacional. Ao mesmo tempo, vários membros do Congresso brasileiro assumiram sua causa, apresentando várias propostas para combater os efeitos previstos da portaria.
O MEC respondeu à crescente pressão emitindo uma declaração prometendo investigar as reclamações e revisar a medida, conforme solicitado na carta encabeçada pela SBPC e ABC. Em seu comunicado, a agência defendeu sua posição, dizendo que “permitia a possibilidade de expandir os participantes em casos excepcionais, sujeitos à aprovação do ministério”.
Política do governo revisada
Por fim, o MEC emitiu uma nova portaria no início deste mês que revogou parte do texto original. Embora a medida revisada não tenha anulado completamente a original, ela suprimiu a disposição específica que limitava a viagem dos pesquisadores.
“A nova portaria ajudou um pouco, mas também cria burocracia adicional, significando mais papelada e dificultando as coisas”, diz Jefferson Cardia Simões, pesquisador de glaciologia e geografia polar da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os pesquisadores ainda terão que solicitar uma autorização do reitor de sua universidade ou do MEC para participar de conferências, mas não há mais um limite para o número de participantes de cada instituição.
Enquanto o governo brasileiro exigia previamente a aprovação ministerial, o MEC agora criará um sistema centralizado para registrar essas solicitações de viagem feitas por pesquisadores. “Estamos analisando a nova portaria para verificar se esse registro centralizado criará obstáculos à participação dos pesquisadores”, diz Moreira.
Nesse caso, a comunidade acadêmica do Brasil teve sucesso em lidar com preocupações sobre as políticas do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, mas os problemas persistem. Desde sua eleição em outubro de 2018, o governo de Bolsonaro instituiu um congelamento do financiamento federal que teve um efeito negativo no apoio à pesquisa, e cientistas do país relataram ameaças crescentes à liberdade acadêmica.
Apesar da recente vitória, parece que há mais trabalho pela frente. “A comunidade científica está decepcionada porque as universidades estão constantemente sob ataque”, afirma Simões. Por exemplo, ele diz que o governo está atualmente buscando remover o status de funcionário público dos professores, facilitando redundâncias e removendo outros títulos de emprego. Além disso, os problemas orçamentários continuam. Simões observa que o financiamento do governo para pesquisas foi reduzido ‘a ponto de haver muito pouco recurso’ para financiar os projetos novos e em andamento de jovens pesquisadores ou os esforços de manutenção de laboratórios de pesquisas.
Moreira diz que o governo Bolsonaro ‘não considera a ciência uma questão prioritária’, apesar da área sustentar todos os atuais setores de crescimento no Brasil. “Se a política de cortes drásticos continuar nos próximos dois ou três anos, nosso sistema se deteriorará”, alerta. O MEC não respondeu aos pedidos de comentários do Chemistry World.
Chemistry World, com tradução do Jornal da Ciência