O Brasil é o país com a maior biodiversidade do planeta. No território brasileiro é possível encontrar de 45 a 55 mil espécies vegetais, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA) — e muitas ainda não foram catalogadas e estudadas. E essas espécies guardam um verdadeiro tesouro quando se trata defonte natural de princípios ativos e campo de pesquisas para descobrir novos medicamentos a partir das plantas nativas. E essa biodiversidade se torna ainda mais preciosa quando associada aos conhecimentos tradicionais.
Este foi o tema discutido durante a mesa-redonda “Conhecimento dos Povos e das Comunidades Tradicionais”, realizada na terça-feira (8) pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O evento virtual fez parte da Jornada do Dia Internacional das Mulheres, que objetivou discutir as várias dimensões da mulher no contexto atual, dar maior visibilidade e, ao mesmo tempo, incentivar a fazer parte da carreira acadêmica. Com moderação de Laila Salmen Espindola, professora do Departamento de Farmácia da Universidade de Brasília (UnB) e diretora da SBPC, a mesa-redonda contou com a participação de Lucely Pio, raizeira e coordenadora do Quilombo do Cedro em Mineiros em Goiás, e Claudia Sala de Pinho, coordenadora da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira e conselheira da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen).
A tradição dos raizeiros é fundamental para o desenvolvimento das pesquisas sobre os medicamentos naturais. Para Pio, cuja avó materna ensinou a conhecer a natureza, trabalhar com plantas medicinais é uma oportunidade não apenas de manter contato com sua tradição, mas também de cuidar do outro. “As plantas medicinais trazem isso: a oportunidade do cuidado do outro, de pegar uma simples planta e transformar em vários remédios”, disse. Ela enfatizou ainda os vários usos que essas plantas podem ter. “Quando a gente fala das plantas, não fala só para tomar. A gente fala para fazer uma cama de folhas, para poder tirar as ansiedades e os estresses. A gente usa os óleos essenciais, que através do cheiro curam nosso sistema emocional. A gente usa em forma de banhos, para descansar o corpo e tirar as dores. E também usa tinturas, xaropes, florais e comprimidos”. Espindola registrou que quando Lucely Pio vem participar de aulas de campo na UnB, ensina aos estudantes que cada um de nós temos uma árvore – para cada um encontrar sua árvore, sentar-se junto dela, refletir, e se acalmar até que as dificuldades sejam vencidas.
Povos tradicionais
Valorizar esse conhecimento é importante não apenas para preservar a biodiversidade brasileira, mas também para dar visibilidade aos seus povos tradicionais. Essa é uma das bandeiras levantadas por Pinho, que vem lutando pelo reconhecimento das comunidades do Pantanal. Segundo ela, existem muitas comunidades vivendo no Pantanal — cada uma com suas características próprias — e é importante reconhecê-las e respeitá-las.
Pinho nos contou como foi sua “descoberta/encontro” de pertencimento a uma comunidade chamada de tradicional, e se tornar uma liderança levando a bandeira da organização dos Povos e Comunidades Tradicionais. “Contar a história do nosso Povo é preciso, sobretudo, considerando que o mundo dos legisladores é em uma casa que é muito longe da casa da gente.”
Para Claudia Pinho, o papel das Universidades e centros de pesquisa é essencial. “A caneta é um instrumento de resistência muito importante”, diz. “A academia tem que ser colorida de diversidade, de pensamentos diferentes, de conhecimentos diferentes. O que a gente tem que fazer nesses espaços é conectar esses conhecimentos, é fazer com que esses conhecimentos se tornem conversatórios. O que eu conheço do pantanal tem que conversar com o conhecimento da academia, dos laboratórios de análises químicas, físicas e biológicas, para que faça sentido para as pessoas. Acho que esse diálogo a gente tem oportunidade de fazer hoje”.
Segundo Espindola, mais do que nunca é necessária essa união de saberes. “É preciso haver uma conexão entre os conhecimentos e entre as pessoas. Conhecimentos são adquiridos, mas precisam ser transformados em diálogo. A evolução humana se dá pelo contato entre as pessoas e suas diversidades. Nós temos que honrar nossa história, e a história de nosso país”, finalizou.
Assista aqui o evento na íntegra.
Jornal da Ciência