O Sistema Único de Saúde (SUS) é o maior sistema público de saúde do mundo. O Brasil é o único país com mais de 200 milhões de habitantes a oferecer cobertura de saúde para toda a população. Mas atrás dessa grande conquista brasileira, existe muita ciência.
Isso foi debatido durante a conferência “Que ciência construiu o SUS? Experiências qualitativas na construção do Sistema Único de Saúde”, realizada nessa segunda-feira durante a 75ª Reunião Anual (RA) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A reunião, considerada o maior evento científico da América Latina, acontece até 29 de julho na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
O SUS proporciona acesso gratuito, universal e integral a todos os brasileiros. Além de serviços de baixa, média e alta complexidade, também atua na vigilância epidemiológica e sanitária, assistência farmacêutica, atenção hospitalar, serviços de urgência e emergência, distribuição gratuita de medicamentos e pesquisas na área da saúde. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, mais de 70% da população era dependente do sistema. Por isso, é importante que a ciência respalde as decisões tomada no sistema.
“A gente sabe que, na saúde, a ciência traz várias evidências para melhoria dos serviços”, pontuou Deivisson Viana Dantas dos Santos, professor do Departamento de Saúde Coletiva da UFPR e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que apresentou a conferência. Ele afirmou que a maioria das evidências científicas utilizadas ainda são quantitativas, mas enfatizou a importância das pesquisas qualitativas ao se tratar de saúde coletiva. “Para o campo de organização das políticas públicas falar de pesquisa qualitativa é importantíssimo, porque as pesquisas qualitativas contribuem para ajudar os formuladores de políticas públicas a entenderem qual é a melhor forma de organizar todo o processo.”
Para Rosana Onocko Campos, professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente da Abrasco, que conferenciou no evento, o ensino de medicina ainda foca em evidências quantitativas feitas para testar teorias prévias. “Um teste não vai responder às questões que a gente quer saber”, pontuou. Ela ainda explicou que, apesar de importantes, as análises quantitativas não conseguem abordar a totalidade da saúde. “O estudo do contexto é muito relevante nas pesquisas de implementação de tecnologias, para estudar as relações entre usuários e trabalhadores, entre serviço e comunidade. Por isso que a gente precisa de novas estratégias, precisa tentar sair da nossa ‘casinha’ e entender aquela pessoa que vem pedir ajuda”.
Onocko explica que as tentativas de apresentar as soluções técnicas como soluções simples de valores são tentativas políticas ideológicas de contornar o debate de valores em jogo. Para ela, quando o Ministério da Saúde constrói sozinho uma agenda de quais remédios incorporar, sem consultar se a sociedade brasileira prefere incorporar antipsicóticos atípicos ou diminuir as filas para mamografia, isso demonstra os interesses em ação. “A um Estado que não quer se comprometer com a saúde da população interessa uma ciência inócua, que não se responsabiliza”. A pesquisadora ainda explica que alguns sistemas do mundo já estão incorporando um mix de pesquisa qualitativa e quantitativa para a tomada de decisão, considerando não apenas estudos randomizados duplo-cegos, mas também a opinião de usuários e comunidades. “Teria grande valor introduzirmos um conhecimento que ajudasse na defesa da vida das pessoas e comunidades, permitindo estabelecer estratégias terapêuticas e preventivas mais potentes, jogando luz sobre as melhores maneiras de organizar programas e serviços melhor adaptados às demandas dos grupos de interesse envolvidos”, finaliza.
Chris Bueno – especial para o Jornal da Ciência