Universidades brasileiras e alemãs apresentaram projetos de inclusão no Ensino Superior em mesa redonda da 68ª Reunião Anual da SBPC
A diversidade no Ensino Superior é uma urgência que precisa ser endereçada, segundo acadêmicos que participaram na quarta-feira, 6 de julho, da mesa redonda “Gerenciamento de diversidade e inclusão social no Ensino Superior”, realizada na 68ª Reunião Anual da SBPC, no campus de Porto Seguro da Universidade Federal da Bahia (UFSB). Participaram da sessão o reitor a UFSB, Naomar de Almeida Filho, o professor da Unicamp e diretor do Laboratório Nacional de Nanomateriais, Marcelo Knobel, a professora da University Duisburg-Essen, na Alemanha, Ute Klammer, e o professor da University of Education Weingarten, Gregor Lang-Wojtasik.
“A diversidade no sistema de ensino superior é a parte mais importante da equação. Devemos convencer os governantes de que precisamos aqui no Brasil de diversidade no ensino superior, incluindo novas ideias, novos conceitos, e mais que isso, que precisamos de outros modelos de universidade, não apenas de pesquisa”, comenta Marcelo Knobel.
O professor da Unicamp falou sobre a implantação do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (Profis), na Unicamp, lançado em 2011, com o objetivo de ampliar o acesso de estudantes da rede pública da cidade de Campinas, no interior de São Paulo, à universidade da cidade. “Temos uma universidade pública que é gratuita, mas temos um problema que é que a maioria dos estudantes pertencem aos grupos mais ricos da população”, comenta.
O Profis utiliza o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) para escolher os melhores estudantes de cada escola de Campinas. “Temos um número crescente de estudantes prestando vestibular para entrar na Universidade. Apenas 5% entram; e 85% dos graduandos do Estado de São Paulo vêm de escolas privadas. A maioria dos estudantes de escolas públicas sabe que não tem chance de ingressar nas universidades públicas”, critica. “Nos demos conta que 60% das escolas de Campinas nunca conseguiram colocar um aluno na Unicamp. Eles estão excluídos da universidade pública da cidade”.
Segundo Knobel, a característica mais importante do Profis, de uma perspectiva social, é que sem estabelecer qualquer tipo de cotas, ele conseguiu atingir a mesma proporção entre os alunos ingressantes no programa que a da população geral da cidade de Campinas, em termos de raça ou qualquer dado socioeconômico. “O Profis reduz as desigualdades, se comparado com o processo regular de admissão. Outro ponto interessante é que 80% dos estudantes vêm de famílias cuja renda familiar é abaixo de um salário mínimo e cerca de 90% deles é a primeira geração a ingressar na universidade”, acrescenta.
O programa compreende dois anos de educação geral, cujo objetivo é desenvolver as habilidades dos estudantes antes de ingressarem nos cursos de graduação. “Temos disciplinas como introdução à economia, línguas, ética, matemática, física, história, psicologia. É um programa bem amplo e é o único em Campinas”, diz Knobel, um dos idealizadores do Profis.
Mas o sucesso do projeto depende de uma estrutura para acolhimento, integração e motivação dos alunos. O primeiro desafio é que o sistema de seleção para ingresso, pela nota no Enem, resulta em variação muito grande do nível de conhecimento dos estudantes, conforme conta o professor da Unicamp. Knobel conta que as notas que eles alcançaram no Enem variam muito de uma escola para outra, desde médias baixíssimas a notas que os colocariam em qualquer curso na universidade. “Muitos desses estudantes chegam sem conhecimentos básicos, que precisam ser trabalhados. Em uma pesquisa feita, os professores observaram que cerca de 80% dos estudantes não sabiam responder equações elementares. Eles precisam de ajuda para ter sucesso”.
Outro desafio é o de convencer as famílias desses estudantes sobre a importância deles entrarem na universidade antes de trabalhar. Para isso, o Profis oferece uma bolsa no valor de um salário mínimo às famílias. Oferece ainda aos estudantes transporte, alimentação, auxílio médico e psicológico, e tutores – alunos da graduação que se oferecem para ajudá-los a superar as dificuldades. “É um programa muito interessante de inclusão social, porque eles são estudantes que jamais ingressariam em uma universidade sem esse tipo de suporte”, aponta Knobel.
Ele ressalta que o programa parte de uma ideia muito simples, mas com resultados em termos de inclusão social muito grandes, e que pode ser adotado muito facilmente por outras instituições do País. “Nós desenvolvemos um conceito muito simples e não é caro também, justamente para que ele possa ser multiplicado. Mas a inércia do sistema é tão alta, que as discussões podem ser infinitas. É preciso que alguém na universidade realmente queira colocá-lo em prática. É preciso uma liderança que siga com essa ideia e a torne realidade”.
Tamanho único
Ute Klammer, professora na University Duisburg-Essen, na Alemanha, argumenta que pensar a diversidade é uma questão de justiça, e deve se tornar parte da genética da universidade. “Estamos todos habituados a um sistema “one fits all” (tamanho único), mas a variedade de estudantes cresceu muito. E diferentes alunos precisam de abordagens diferentes. Mas o que podemos fazer a respeito dessa diversidade nas nossas instituições?”, questiona.
De acordo com ela, ainda é um desafio encontrar um modelo de seleção para ingresso no Ensino Superior que seja justo e que não rotule os estudantes. A Universidade alemã, por exemplo, não tem sistema de cotas, mas essa discussão é recorrente, comenta. Porém, eles desenvolvem uma série de programas direcionados a trabalhar a questão da diversidade, em um País que, cada vez mais, é transformado por ondas imigratórias: “A premissa é que a nossa universidade deve se manter com a mente aberta”.
Klammer observa que a discussão tradicional da diversidade no Ensino Superior engloba gênero, idade, orientação sexual, nacionalidade, religião, desvantagem econômica. Mas outros elementos também permeiam essa discussão: estudantes tradicionais e não tradicionais; origem social e educacional; obrigações familiares e de trabalho; diferentes capacidades de aprendizagem; níveis de conhecimento e cultura.
A Universidade alemã tem uma série de programas de gerenciamento de diversidade, que oferecem apoio aos professores e aos estudantes. Além disso, a maioria das pesquisas que desenvolvem lá são focadas no tema da diversidade. Dessa forma, eles possuem programas de tutorias, nos quais os monitores são treinados antes de trabalhar com os novos estudantes. Os funcionários também passam por treinamentos. “Todos nós temos que aprender a lidar com os estudantes”, diz.
Alguns programas são voltados para alunos do ensino médio, um deles para a primeira geração de universitários, outro para imigrantes; tem um também para inserção de estudantes mulheres de engenharia em empresas. Em um programa para estudantes do ensino médio, eles oferecem uma quantia de dinheiro aos alunos para que eles invistam em algo que ajude seu aprendizado. Eles escolhem onde aplicarão a verba e devem depois provar que aquela aquisição foi usada para fins educativos.
Klammer conta que esses projetos são muito dispendiosos e que a universidade sozinha não tem fundos suficientes para mantê-los. A maioria do financiamento vem de financiadores fora da universidade.
A professora ressalta que tais iniciativas ainda enfrentam muita resistência social. “Temos que reconhecer que não é todo mundo que apoia essas ideias”, comenta. E os contra-argumentos vão desde a questão de comprometimento de excelência até favorecimento de gênero. “Também temos que tomar muito cuidado para não rotular os estudantes por suas origens”.
Mas, segundo ela, a mudança de cultural já acontece fora da universidade e todos precisam se ajustar a essa nova realidade. “Isso não é apenas uma questão de negócios, mas de justiça social”, conclui.
Massificar o Ensino Superior
O reitor da UFSB, Naomar de Almeida Filho, falou sobre o projeto da universidade que neste ano sedia a 68ª Reunião Anual da SBPC. O projeto da Universidade foi desenvolvido para garantir que estudantes da região tenham privilégio de acesso. O currículo é também um projeto inovativo, que é desenvolvido de forma modular e flexível, organizado em Ciclos de Formação, com modularidade progressiva – que oferece certificações independentes a cada ciclo.
Os alunos iniciam os estudos nos cursos de Primeiro Ciclo, oferecidos nas modalidades Bacharelados Interdisciplinares (BI) – graduação plena, com duração mínima de três anos, nas grandes áreas de Ciências, Artes, Humanidades e Saúde – e Licenciaturas Interdisciplinares (LI).
O ingresso na UFSB se dá pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), com reserva de vagas para egressos do Ensino Médio de escola pública. Além disso, o sistema de admissão reserva cotas étnico-raciais, equivalente à proporção da população Estado da Bahia – metade dessas vagas são destinadas a estudantes de famílias de baixa renda. “Muitos dos estudantes da região do Sul da Bahia não conseguem chegar ao Ensino Superior”, enfatiza o reitor.
O reitor comenta que o projeto da UFSB foi desenvolvido para atender às necessidades da região, considerando o perfil da população e as dificuldades tanto de ingresso quanto de engajamento com o universo universitário. Por isso, segundo ele, talvez esse seja um modelo que caiba nesta região apenas. “É uma missão completamente diferente das universidades do sudeste do Brasil, como a UFABC, por exemplo, cujo objetivo não é incluir os estudantes da região do ABC Paulista, mas trazer os melhores estudantes do País para seus cursos. Outras universidades do País, apesar de terem programas de inclusão, podem não ter interesse de mudar seus perfis”, observa.
Almeida Filho também criticou duramente o sistema de ingresso ao ensino superior público no Brasil, que privilegia os estudantes egressos de escolas privadas e insiste em uma estrutura curricular inflexível. Segundo ele, inclusão social está ligada à ideia de massificação. “No Brasil temos uma lógica perversa, na qual os estudantes que vêm das escolas privadas são os que têm acesso ao Ensino Superior gratuito. É preciso massificar as universidades públicas”, conclui.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência