Os fatos que marcaram a área de ciência e tecnologia em 2017 exigem empenho especial para entendermos o que vem acontecendo e nos posicionarmos da maneira mais efetiva possível frente a um novo cenário que toma forma e nos assusta sobre o amanhã. Talvez o ano venha a ser lembrado como o momento em que grande número de pesquisadores brasileiros foi obrigado a rever seus projetos de trabalho e planos pessoais. Quando tiveram que avaliar perdas e ganhos e colocar em dúvida suas expectativas sobre a carreira.
Não há dúvida de que para a maior parte dos integrantes da comunidade de CT&I os cortes e contingenciamentos de recursos destinados à pesquisa ocorreram de forma inesperada. E foram vistos, em um primeiro momento, como algo conjuntural a ser corrigido com diálogo e boa vontade. Mas, passado um ano, fica evidente que os cortes de verbas e as medidas adotadas, com a justificativa de combater a crise econômica, configuram um processo de desmonte de políticas públicas e não têm nada de circunstanciais.
Eles tomam corpo e se materializam com base em uma visão na qual investimentos em CT&I são considerados um gasto não prioritário, supérfluo, ou desnecessário. Ou seja, desqualificam, de uma hora para outra, um projeto que o País vinha construindo há muitas décadas. Projeto que teve como protagonistas políticos de partidos distintos, entidades científicas e acadêmicas, cientistas, representantes empresariais e atores de vários segmentos da sociedade civil. Somam-se agora a essas preocupações as ações jurídico-policiais que atingiram reitores e integrantes da UFSC e da UFMG, com a marca inequívoca do autoritarismo que procura desmoralizar a Universidade pública brasileira.
A constatação abre inúmeras perguntas, para nós da SBPC e toda a sociedade, sobre as formas possíveis de atuação para enfrentar os retrocessos e tentar revertê-los. Como em toda situação política complexa, não existem respostas prontas e elas precisam ser encontradas com um grande esforço conjunto que some o empenho e comprometimento de milhares de profissionais, em todo o Brasil. E busque, de forma ambiciosa, o apoio de toda a sociedade.
À medida que essa falta de prioridade para a ciência tomou corpo no ano de 2017, o País assistiu também à mobilização crescente de entidades representantes de professores, pesquisadores e estudantes, sempre com o apoio e liderança da SBPC. Vale lembrar, esse movimento contou com cobertura extensiva da imprensa internacional que ressaltou as consequências de tais medidas para programas bem-sucedidos da pesquisa brasileira, de impacto mundial. Organizamos e apoiamos manifestações públicas, declarações formais, debates, entrevistas, contatos com congressistas e outras iniciativas que começaram a ampliar um ganho de consciência, lento e ainda pouco organizado, mas que deve crescer e ganhar peso político em 2018. Entre os principais obstáculos para expandir esse movimento está o de encontrar caminhos e meios facilitadores para que a sociedade possa entender a complexidade do momento que vivenciamos.
Tarefa difícil quando se trata de conhecimento em áreas tão distintas e pouco conhecidas da maioria da sociedade. Mas enquanto educadores, pesquisadores e cientistas, temos entre nossos atributos profissionais básicos saber explicar e transmitir conhecimento, e o momento parece exigir essas competências também fora do ambiente acadêmico.
O ano termina com um novo cenário que requer inteligência e conjugação de esforços. Só assim conseguiremos impedir o retrocesso provocado pela falta investimentos sem precedentes nesta área estratégica para o desenvolvimento do Brasil.
Vanderlan da Silva Bolzani, vice-presidente da SBPC
Editorial – JC impresso – dezembro 2017 (confira a edição completa aqui)