O Conselho Deliberativo (CD) do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) reforçou a posição da comunidade científica em torno da necessidade de descontingenciamento total dos recursos do fundo em 2020. Os membros do CD também aprovaram, entre outros assuntos, uma verba adicional de R$ 79,3 milhões para utilização, como prioridade, na cobertura de compromissos atrasados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
A reunião do CD do FNDCT foi realizada dia 25 de março em Brasília, com a participação de 17 membros representantes da comunidade acadêmica, da comunidade empresarial e do governo. Dois deles representaram a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e levaram as demandas da entidade, como a solicitação para a retirada dos recursos do FNDCT da reserva de contingência e a priorização de mais investimentos para o CNPq e os projetos por ele financiados.
O cientista Glaucius Oliva, membro titular da ABC, foi um dos representantes da SBPC na reunião e relatou que a demanda pelo descontingenciamento total do FNDCT recebeu apoio “em uníssono”. Ficou claro, disse Oliva, que no momento em que a ciência é mais demandada para buscar soluções para a pandemia do coronavírus, o governo precisa liberar o dinheiro que está retido na reserva de contingência.
“Você não pode desestruturar a CT&I do país e quando tem uma crise dizer ‘ô ciência, vem aqui resolver isso”. Para Oliva, é fundamental que o país entenda que a ciência é importante e que não é só “a ciência da vacina e do remédio”. Também são essenciais para ajudar na contenção da pandemia os pesquisadores das áreas de engenharia, os cientistas que analisam as questões associadas à concentração de pessoas de baixa renda, os economistas que pensam o contexto mundial, os que pesquisam os direitos humanos e as liberdades individuais. “Há um contexto científico geral no qual todas as áreas são importantes e precisam ser apoiadas. Esse foi o ponto”, frisou Glaucius Oliva.
Para o Coordenador de Prospecção da Presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e líder do Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento, Complexo Econômico, Industrial e Inovação em Saúde da instituição, Carlos Augusto Grabois Gadelha, também representando a SBPC na reunião do Conselho, o descontingenciamento do FNDCT é fundamental para garantir a capacidade de resposta da ciência. Gadelha acrescenta que não se trata apenas do enfrentamento da atual crise sanitária, mas também das futuras que estão se acelerando devido a questões como as mudanças climáticas em um mundo mais interdependente.
“O sistema de CT&I tem que ser apoiado como um todo, mas ao mesmo tempo tem que colocar os grandes desafios nacionais que passam pela saúde, pela questão ambiental, do desenvolvimento social, da mobilidade urbana, da vida nas favelas e uma matriz de energia renovável”, ponderou o cientista.
Principal fonte de financiamento da pesquisa científica no Brasil, os recursos do FNDCT são provenientes da arrecadação de impostos das empresas. Pela Lei Orçamentária Anual de 2020, o fundo teria R$ 4,8 bilhões disponíveis para investimentos não-reembolsáveis, porém a área econômica do governo colocou a maior parte (R$ 4,2 bilhões) em reserva de contingência, liberando apenas R$ 600 milhões para o investimento em ciência e tecnologia.
Com demanda muito superior ao total atualmente disponível – e ainda alavancada pela pandemia do coronavírus -, a comunidade acadêmica e científica vem insistindo com o governo para que disponibilize o total do fundo preso na reserva de contingência.
“Os recursos do FNDCT vêm de impostos recolhidos pelas empresas para serem aplicados em pesquisas do interesse dessas empresas”, afirmou o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o físico Luiz Davidovich. No entanto, disse ele, o orçamento do fundo tem sido desviado para compor o caixa do Tesouro Nacional. “Do nosso ponto de vista, isso é desvio de finalidade, os impostos não são aplicados onde devem e isso é grave”, frisou o presidente da ABC.
O compromisso em apoiar o descontingenciamento total do FNDCT foi assumido inclusive por membros do governo que participam do CD e prometeram interceder junto a outras áreas pela liberação do dinheiro para a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I).
Segundo Davidovich, a recomendação da reunião tem peso, pois envolve setores da academia e da indústria e foi adotada sem qualquer posição em contrário.
Reforço para o CNPq
Os recursos extras do CNPq, aprovados pelo CD-FNDCT, deverão ter prioridade para o cumprimento de compromissos atrasados da fundação que é vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
Serão destinados em sua maior parte (R$ 50 milhões) à quitação da última parcela do Edital Universal de 2018. Dos quase R$ 30 milhões restantes, R$ 20 milhões serão aplicados em projetos em andamento, mas ainda não pagos integralmente, a cargo dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), o Projeto Antártico Brasileiro (Proantar) e apoio à realização de eventos e congressos científicos.
O Edital Universal é o único no país que atende projetos de pesquisa inspirados pelo pesquisador. Se chama Universal porque abrange todas as áreas do conhecimento, inclusive humanas e sociais, favorecendo a chamada ciência básica – aquela que não é dirigida para resolver um conhecimento específico.
Foi lançado com regularidade todos os anos pelo CNPq até 2014 quando foi feita a última chamada com periodicidade anual. Em 2016 foi lançado mais um e o último foi em 2018. Cada edital recebia cerca de 40 mil propostas de projetos das quais eram selecionadas perto de oito mil.
“Esse foi um dos pontos da reunião que mais mobilizou tanto a comunidade científica quanto a empresarial”, afirmou o cientista Glaucius Oliva. Segundo ele, todos estavam muito firmes na posição de que não se pode deixar de cumprir o pagamento dos programas do CNPq.
Dessa forma, o plano de investimentos para a CT&I este ano – enquanto não se aprova a liberação dos recursos contingenciados do FNDCT – será de R$ 680 milhões, que deverão ser executados ainda em 2020, com a possibilidade de se estender ao início de 2021, caso haja algum obstáculo à execução ainda este ano.
Além destes temas, o CD-FNDCT aprovou ainda propostas levadas pelo MCTIC relacionadas a editais de pesquisa sobre materiais avançados e grafeno e projetos do Ministério da Defesa, entre outras.
Janes Rocha – Jornal da Ciência