Retomada urgente da avaliação dos cursos de pós-graduação e diálogo aberto. Essas foram as principais solicitações — e preocupações — apontadas durante a mesa-redonda “O CTC Fala”, realizada nesta segunda-feira (29) como parte da programação do “Dia em Defesa da Pós-graduação” promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O evento foi transmitido pelo canal da entidade no YouTube.
Com coordenação da professora do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e conselheira da SBPC, Debora Foguel, a mesa-redonda discutiu os desafios enfrentados pelo Conselho Técnico Científico (CTC) do Ensino Superior, especialmente após a suspensão da avaliação em andamento dos programas de pós-graduação pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal concedeu liminar no dia 22 de setembro suspendendo a avaliação quadrienal dos programas de pós-graduação relativo ao período de 2017 a 2020. A suspensão atinge diretamente 4.650 programas de pós-graduação stricto sensu e 544 instituições, envolvendo cerca de 105 mil professores e 293 mil estudantes de todo o país. Em nota divulgada em 02 de dezembro, a Capes anunciou a retomada do processo de avaliação.
“Nós defendemos que a avaliação seja retomada, mas está muito difícil”, apontou Renato Janine Ribeiro, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e presidente da SBPC. “Por isso mesmo na minha participação no evento na parte da manhã [Abertura], quando a professora Claudia Queda de Toledo [presidente da Capes] disse que é preciso prudência, eu lembrei que prudência na filosofia pode incluir tanto cautela quando audácia. Há momentos em que a prudência requer que tenhamos cautela, isso é natural e muitas pessoas identificam prudência com essa vertente, mas esquecem que prudência em outras ocasiões também é arrojo, audácia, é ir à luta e enfrentar o inimigo de peito aberto”, explicou.
A suspensão também preocupa os membros do CTC, pois, se a avaliação não for retomada em breve, eles não terão tempo hábil para finalizá-la durante seus mandatos. “A ideia é que esse grupo permaneça até o final do processo”, afirmou Foguel. “Eu penso que precisamos do apoio da comunidade para que nos façamos entender que ninguém tem apego a cargo nenhum, o que nós queremos é terminar um ciclo — e isso é absolutamente justo”.
Retrocesso
Outro ponto discutido durante a mesa-redonda foi a mudança dos critérios de avaliação, que deve retomar os índices utilizados durante o quadriênio 2013-2016, e não 2017-2020 (o mais recente). Segundo os participantes, a avaliação é formativa, e tem o propósito de ser aprimorada a cada novo parecer. “Um dos pontos é justamente o aperfeiçoamento da avaliação”, disse Adriano Lisboa Monteiro, professor do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador da Área de Química do CTC. “A cada avaliação se discutia e se fazia mudanças. Foi um amplo processo de discussão com a comunidade. A comissão ouviu a comunidade e incorporou tudo o que a comunidade pediu. Nós demos uma oportunidade para os programas mostrarem sua cara”.
A proposta de retomar critérios do quadriênio anterior é vista pelos coordenadores como um retrocesso. “O que significa a possibilidade de voltar para o quadriênio 2013-2016? Nós estamos falando de indicadores criados há mais de cinco anos, que vamos aplicar agora. O que vamos perder com isso?”, questiona Robert Verhine, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Para o coordenador da Área de Educação do CTC, todos os avanços feitos e todo o aprendizado obtido ao longo das avaliações realizadas pelo grupo correm o risco de serem perdidos. “Tudo é resultado de uma construção e de uma tentativa de lidar com problemas que encontramos no passado. Nós queremos garantir que o programa tenha uma dinâmica e tenha um sentido de buscar constantemente sua melhoria. E isso é feito através de planejamento e avaliação. Esses dois elementos são essenciais”.
Diálogo
Os participantes também reclamaram da falta de diálogo entre o CTC e a presidência da Capes. “Diálogo não se faz por e-mail, diálogo não se estabelece por portaria”, enfatizou Edson Fernando D’Almonte, professor da Faculdade de Comunicação e do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA. Para o coordenador da Área Comunicação e Informática do CTC, essas alterações de rota pela qual a Capes vem passando são preocupantes. “Grandes mudanças não podem ser feitas sem a participação da comunidade. Mas também não se enganem os que querem a desconstrução, porque nossa comunidade é valorosa, e se pode construir e consolidar a Capes, ela pode reconstruir. Essa mesma comunidade não vai aceitar o desmonte, por nenhum dos caminhos”, afirmou.
Para Paulo Jorge Parreira Santos, professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenador da Área de Biodiversidade do CTC, o diálogo é essencial e indispensável — especialmente o diálogo com grupos que possuem visões diferentes e até mesmo contrárias. “A contradição é difícil, mas é necessária, porque é em cima dessas diferentes visões daquilo que é necessário ser feito em relação aos instrumentos de avaliação e acompanhamento dos programas de pós-graduação que nós vamos sempre aperfeiçoando, modificando e melhorando o sistema. Não é à toa o sucesso que o sistema nacional de pós-graduação (SNPG) tem, seja na formação de mestres e doutores, seja na produção de conhecimento”.
A suspensão da avaliação de programas de avaliação, a insegurança e instabilidade do próprio CTC, os constantes cortes de verbas e de bolsas da Capes vem ameaçando pós-graduação brasileira — e isso constrói um cenário trágico para o futuro do país. Os especialistas advertem que a pós-graduação responde a uma função estratégica do Brasil, pois até 90% da produção científica nacional se dá vinculada à pós-graduação. Seu desmonte pode levar a consequências graves como a fuga de cérebros e até mesmo ao “apagão” do conhecimento científico.
“Uma pesquisa mostrou que 49% dos jovens brasileiros desejam sair do país e isso é mais acentuado no Sudeste”, alertou José Roberto Mineo, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Para o coordenador da área de Ciências Biológicas III do CTC, falar que um jovem doutor quer migrar não tem muita visibilidade, mas tem grandes repercussões para o futuro do país. “É muito mais visível quando um jogador de futebol é contratado pelo Manchester United, mas é totalmente invisível quando uma recém-doutora ou um recém-doutor é contratado pela Harvard University. E quanto custa formar esse doutor, que os países do hemisfério norte estão recebendo gratuitamente? Isso não é difícil de calcular. Agora o que é quase impossível de se estimar é a perda dessa soberania intelectual”, alertou Mineo.
Para Janine Ribeiro, esse é um tempo de resistência, mas que tem que se tornar um tempo de construção. “Nós estamos resistindo a políticas cuja lógica é difícil defender”, disse no encerramento do evento. “A mensagem é que nós temos que construir um futuro em que o Brasil entenda que sem inteligência, sem pesquisa, sem ciência, não se vai longe. O futuro depende da ciência, e nunca a ciência foi tão decisiva para melhorar as relações sociais, e inclusive a economia”.
Assista a mesa-redonda na íntegra no canal da SBPC no YouTube.
Jornal da Ciência