COP29: Acordo final traz desafios importantes para a COP30

Artigo de Paulo Artaxo, professor titular do Instituto de Física da USP, integrante do IPCC e vice-presidente da SBPC, para o Jornal da Ciência

De acordo com o relatório “Global Emission Gaps” da UNEP, lançado no início da COP-29, deixa claro que com as atuais emissões, estamos indo para uma média de aquecimento global de 3.1 Celsius. Isso significa que em áreas continentais como o Brasil, podemos ter aumento de temperatura de 4 a 4.5 Celsius, com enormes impactos sobre nossa população, economia e ecossistemas. Apesar disso, a COP-29 focou na questão do financiamento, não nas questões da redução de emissões de gases de efeito estufa ou na adaptação ao novo clima.

O documento final da COP-29 tem três tópicos de destaque: 1) A definição de uma nova meta de financiamento climático, a NCQG, com US$300 bilhões anuais visando o estabelecimento de um sistema financeiro para ajudar países em desenvolvimento a reduzir suas emissões e a se adaptar ao novo clima; 2) A estruturação do mercado global de carbono; e 3) não menciona a necessidade de acabar com a exploração e uso dos combustíveis fósseis. As negociações na COP-29 foram complicadas pela eleição nos Estados Unidos, e por estar sendo realizada em um país produtor de petróleo.

Na questão do financiamento, os países em desenvolvimento e um relatório internacional colocou a necessidade de um fundo de US$1.3 trilhões para financiar a ação climática nos países em Desenvolvimento. O valor mencionado de US$300 bilhões por ano foi visto como “flagrante violação da justiça climática”, pela Índia. Além disso, o documento final não coloca os países desenvolvidos como responsáveis e não determina que esse financiamento deve ser público (o que pode diluir as fontes e responsabilidades). Mais importante, o texto abre espaço para que parte do aporte seja feito através de mecanismos de empréstimo (o que é visto como risco de maior endividamento pelos países em desenvolvimento).

Na COP-29, foram feitos avanços na regulamentação internacional do mercado global de carbono. Esta regulação tem que beneficiar as populações locais, no caso de créditos florestais, como os da Amazônia.  Com esta regulamentação, um país desenvolvido pode bancar projetos de redução de emissão de gases de efeito estufa em um país em desenvolvimento e, em troca, receber licença para emitir carbono em um certo limite além da sua meta. Ou seja, poderá não haver efetiva redução de emissões, somente uma troca de local de emissões de gases de efeito estufa.

Marina Silva declarou: “Se, em Dubai, estabelecemos que deveríamos estar alinhados com 1,5ºC (a meta do Acordo de Paris para controle do aquecimento global) e para isso era necessário triplicar as energias renováveis, duplicar a eficiência energética, e fazer transição para o fim do uso de fósseis, então aqui temos que sair com alinhamento do que é necessário em termos de recursos para cumprir com esses esforços”.

Este ano de 2024 iremos superar a meta de aquecimento de 1.5 Celsius, colocada pelo Acordo de Paris. Os 196 países signatários da Convenção Climática deverão até fevereiro registrar suas novas metas voluntárias de reduções de emissões, como o Brasil fez durante a COP-29. Com tanta incerteza na questão de financiamento, certamente os países em desenvolvimento colocarão metas pouco ambiciosas, pois sabem que terão que contar somente com recursos próprios.

O desfecho de Baku escancara que os países ricos fogem de qualquer responsabilidade, além de deixar aberta a conta do financiamento. A COP30, sob a liderança do Brasil, terá que ser muito competente e dedicada para preencher as lacunas deixadas por Baku, promovendo o avanço nas políticas de redução de emissões, ajudando os países em desenvolvimento a se adaptar ao novo clima, e estruturando uma nova economia mundial de baixo carbono, sem o uso de combustíveis fósseis.

Todas estas questões acarretam pressões sobre a COP-30, pois teremos que preencher as importantes lacunas deixadas pela conferência de Baku. Teremos que lutar para aumentar o financiamento e reconstruir a confiança entre os países. Temos que deixar claro que as emissões têm que reduzir rapidamente. É também necessário mudar o modelo de governança, pois todas as decisões nas COPs têm que ser tomadas por consenso unânime, o que hoje é quase impossível. O modelo atual, depois de 29 COPs já mostrou que não funciona. Lula na reunião do G20 já mencionou várias vezes que é necessário mudar a governança global da ONU. O Brasil pode começar a mudar o modelo de governança já na COP30, e o mundo tem pressa.

Paulo Artaxo, vice-presidente da SBPC