Em seus primeiros cem dias, o governo Bolsonaro não deu sinais de que deve satisfazer a principal reivindicação dos cientistas e reverter os cortes e contingenciamentos que o Ministério da Ciência tem sofrido desde 2015, como prometido na campanha presidencial.
Pelo contrário: no fim de março, o Ministério da Economia anunciou um corte de 42% (o equivalente a R$ 2,1 bilhões) no orçamento do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), comandado pelo astronauta Marcos Pontes.
Os cortes também atingiram outros ministérios e representam uma economia potencial de R$ 29,6 bilhões. O objetivo, segundo o governo, é melhorar o resultado primário (ou seja, reduzir o déficit).
A área de ciência e tecnologia, porém, é considerada crucial para o desenvolvimento do país por economistas, gestores públicos e políticos, como o próprio presidente. Em carta à SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e à ABC (Academia Brasileira de Ciências), ainda candidato, escreveu: “Nós passamos por um momento muito difícil de crise no país, como todos sabem. Cada centavo de gasto tem de ser muito bem pensado e justificado. Mas CT&I, no nosso ponto de vista, não é gasto, é investimento.”
“Olhe para todos os países desenvolvidos. O que eles fazem nos momentos de crise? Investem mais em CT&I! Eles sabem que o retorno sobre investimento na CT&I como ganho social para a população é muito grande. Vamos fazer isso no Brasil também”, prossegue a carta.
A ideia, segundo Bolsonaro, era elevar os investimentos na área de ciência e tecnologia até atingir, no fim do mandato, o equivalente a 3% do PIB, cerca do dobro dos valores atuais, considerando recursos públicos e privados.
Sem verbas, diversas pesquisas e setores podem ser prejudicados, do agronegócio à exploração do petróleo do pré-sal, que contribuem com mais de R$ 100 bilhões para o PIB, argumenta Ildeu Moreira, presidente da SBPC.
“Os cortes vão arrebentar nosso sistema. Já estávamos com recursos caindo. Era como andar de carro com pneus carecas ou meio vazios. Agora estão tirando as rodas”, diz.
Uma das possíveis fontes de recurso é o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que recebe recursos de impostos, juros de empréstimos e royalties da produção de petróleo e gás, concessões e geração de energia, entre outros. São mais de R$ 4 bilhões arrecadados ao ano, mas menos de R$ 1 bilhão é gasto.
A SBPC busca apoio de parlamentares a fim de exercer pressão para recompor o orçamento do MCTIC. A estratégia também é adotada por Pontes, que esteve na última semana na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara para uma apresentação sobre o acordo com os EUA para o uso da base de Alcântara, no Maranhão, para o lançamento de foguetes ao espaço.
Ao falar sobre o orçamento do ministério, ele disse estar “com a corda no pescoço”.
“Estou fazendo o máximo para a gente reduzir [o bloqueio de verbas]. Estamos estudando como contornar a situação, mas é importante o apoio de cada deputado porque aí vem o orçamento do ano que vem. A gente precisa melhorá-lo para poder investir mais em pesquisa”, disse.
Fernando Spilki, presidente da SBV (Sociedade Brasileira de Virologia), diz que o maior impacto é na formação de recursos humanos. Sem isso, a resposta a emergências, como dengue e zika, e a surtos de sarampo é afetada.
“Podemos perder uma experiência acumulada ao longo de anos. Agora parece haver possibilidade ainda maior na descontinuidade de bolsas de estudo. Já havia a ameaça em anos anteriores. Parece que a gestão não é tão receptiva aos clamores”, diz Spilki.
Na Câmara, Pontes disse que o orçamento do CNPq, agência federal de fomento à pesquisa, está com déficit de R$ 300 milhões e reconheceu que as bolsas fornecidas pela entidade “têm valor pequeno [R$ 1.500 para mestrado e R$ 2.000 para doutorado] e não são ajustadas há muito tempo”.