Cortes nas universidades levam 3 mil estudantes às ruas em São Paulo

A manifestação fez parte de uma série de atividades marcadas em parceria com a SBPC em diversas partes do Brasil. Os bloqueios anunciados pelo MEC somam R$ 7,3 bilhões, num universo que atinge da educação básica à pós-graduação

Uma manifestação contra o corte de 30% da verba de todas as universidades federais reuniu cerca de três mil estudantes de várias universidades na avenida Paulista, em São Paulo, no final da tarde desta quarta-feira (8). Aos gritos, como por exemplo, “Que contradição. Tem dinheiro para banqueiro, mas não para a educação”, os alunos se concentraram em frente ao Masp e depois seguiram em passeata sentido rua da Consolação, até o escritório da Presidência da República.

O contingenciamento de 42%, para 2019, nos recursos de investimentos do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e de 21% no Ministério da Educação (MEC) agravaram a situação das universidades, mas o corte linear de 30% do orçamento das universidades anunciada pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, ameaça paralisar as instituições em todo o País.

A manifestação fez parte de uma série de atividades marcadas em parceria com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em diversas partes do Brasil. Mobilizações foram registradas também em Niterói (RJ), com 5 mil pessoas, Porto Alegre (RS) e Recife (PE). Em Brasília, a SBPC lançou a Iniciativa de Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), em articulação com outras entidades científicas e acadêmicas nacionais. Nessa terça-feira, 7, universidades, estudantes, servidores, pesquisadores e poder público criaram, em Belo Horizonte, uma Frente Parlamentar em Defesa da e C&T.

São Paulo

Na capital paulista, o ato foi organizado por um grupo de estudantes da Universidade de São Paulo, e apoiado por movimentos e entidades educativas, como o coletivo Cientistas Engajados, a SBPC e a Marcha pela Ciência de SP. “O ato é para denunciar os cortes na educação básica, superior e na Ciência, além de defender o nosso papel para o desenvolvimento tecnológico e científico no Brasil”, diz um dos organizadores da marcha, Pedro Ticiani.

Ticiani explica ainda que a ideia de realizar a manifestação surgiu depois que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) defendeu em 26 de abril descentralizar os investimentos para os cursos de filosofia e sociologia no País. “Sou estudante do 3º ano de Astronomia na USP, mas todas as áreas da ciência são importantes. Cortes como esses atingem a todos”, afirma. Ele afirma que a ideia era realizar o ato o mais rápido possível, e aproveitaram  o dia 8 de maio para unir forças com a mobilização sugerida pela SBPC.

“Os estudantes têm se organizado no Brasil inteiro contra os cortes na Educação e na Ciência. Defender a universidade e ir contra esses cortes é defender o próprio desenvolvimento do País e a soberania da nossa nação. A gente não vai aceitar esse retrocesso de lutas que levaram sangues e suor para conquistar a universidade pública. Quando eles atacam as Ciências Humanas, a Filosofia, eles estão atacando as universidades. A gente sabe o papel que a universidade tem na comunidade que ela fica. Por isso, vamos continuar firmes e fortes, porque quem está fazendo balbúrdia são os que estão no Congresso”, disse a diretora de instituições privadas da União Nacional dos Estudantes (UNE), Keully Leal.

O diretor do Centro de Educação Física da USP, Marcos Kauê, também ressaltou a importância de se manifestarem. “Esse governo quer atacar a educação. Para isso, eles estão atacando à Filosofia e Sociologia, cortando orçamento da  ciência, das universidades. Nós estamos aqui para deixar claro que não ficaremos calados e que vamos lutar para garantir uma educação pública de qualidade”, disse.

Vitor Vieira da Hora, também estudante de Física da USP, acredita que manifestações são importantes para chamar a atenção para o desmonte da ciência brasileira e do desenvolvimento do País. “O governo quer tirar o pensamento crítico de todos. A educação é muito importante para o desenvolvimento do País. É um clichê, eu sei. Mas é a mais pura verdade”.

Na opinião de Larissa Xavier, estudante de licenciatura em Ciências da Natureza na USP, todos os estudantes precisam ir para as ruas para mostrar a importância da educação e da ciência para a sociedade. “Temos de reforçar o papel importantíssimo e o impacto que a ciência tem na sociedade, na economia, em tudo”, afirma.

Rebeca Bayeh, doutoranda em Neurociências da USP, também concorda que manifestações como essa da Paulista são importantes para conscientizar a sociedade da importância da ciência no seu dia a dia. “Nós cientistas, estudantes, temos a responsabilidade de mostrar para a sociedade o quanto a ciência é importante e o quanto ela está sendo atacada”.

Marcos Augusto Stoco, formado em Meteorologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), também concorda que os estudantes e cientistas precisam tomar as ruas para chamar a atenção pelo desmonte da área no Brasil. “A história mostra que todos os países que estiveram em crise investiram em ciência, tecnologia e inovação.  Mas, infelizmente o Brasil está indo na contramão dessa prática ao cortar em educação e em CT&I”, lamenta.

Pedro Ernesto, estudante do segundo ano de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma que a notícia dos cortes impactou bastante inclusive os seus colegas de universidade. “Ficamos muito tristes, porque o atual ministro era professor da nossa universidade. Inclusive do nosso campus (Osasco). Ele sabe das nossas dificuldades, da nossa realidade. Estudamos em um campus que não é o definitivo. O que está sendo construído com certeza não sairá do papel com estes cortes”, ao afirmar que todos os estudantes precisam ir para as ruas para mostrarem a insatisfação generalizada.

Problemas

Além dos cortes generalizados, muitos estudantes aproveitaram a manifestação para apoiar os cursos de Humanas, inclusive os de Filosofia e Sociologia.  “A situação de cortes que estamos vivendo já vem de muitos anos. Existe desvalorização da ciência, do ambiente acadêmico, dos professores, em todas as áreas. Não existe uma ciência melhor que a outra, todas têm seu valor”, afirma Nicolas Correa, estudante do 2º ano Geofisica na USP.

Para ele, há um sentimento de revolta generalizado em todos os estudantes e professores pelo sucateamento, desvalorização e desmonte da educação e da ciência brasileira. “Temos que mostrar o que a ciência desenvolveu para o mundo. Se temos internet, se podemos assistir televisão, se a gente consegue ir para as redes sociais é porque cientistas trabalharam para isso. E se tem cientistas é porque eles tiveram professores antes de tudo”, disse.

Luiz Felipe, estudante do 4º ano de Física da USP, que é de uma família de baixa renda, afirma que esses cortes podem afetar o seu futuro e de muitos outros. “Sou morador do Crusp (Conjunto Residencial da USP). Se eu não conseguir uma bolsa depois de formado terei de interromper meus estudos. E, para continuar na área acadêmica, necessito de uma bolsa”, lamenta.

Ticiani também afirma que estes cortes de bolsas podem prejudicar seu futuro. “Tenho acompanhado esses sucessivos cortes e isso tem me deprimido. Quero ser um docente e para isso, preciso de mestrado, doutorado. Preciso me dedicar e com certeza vou precisar de uma bolsa para me manter”, afirma.

Próxima parada

Lideranças da União Nacional dos Estudantes e da União Brasileira dos Estudantes, em nome dos secundaristas, também se participaram da manifestação na avenida Paulista.

Uma mobilização nacional está sendo organizada para o próximo 15 de maio, reunindo entidades de professores, acadêmicos e estudantes, que será realizado em todas as capitais do País, juntamente com uma paralisação dos educadores das universidades federais.

Vivian Costa – Jornal da Ciência