Cientistas do Brasil saíram em protesto contra cortes devastadores na ciência que ameaçam fechar institutos e agências de financiamento em todo o país. No mês passado, cerca de 900 pessoas foram às ruas do Rio de Janeiro para protestar contra as reduções orçamentárias que atingiram a ciência este ano. Enquanto isso, cerca de 80.000 pessoas no país assinaram uma petição on-line, criada no final de agosto, demandando que o presidente do Brasil, Michel Temer, reverta os cortes.
Após muitos anos desde que os investimentos em pesquisas começaram a ser impulsionados, o Brasil chegou a investir cerca de R$ 10 bilhões (£ 2,4 bilhões) em ciência em 2014, mas essa cifra vem caindo de forma constante desde então. Neste ano, o orçamento foi inicialmente planejado em torno de £1.4 bilhões, mas o novo governo que assumiu em agosto de 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff, o reduziu ainda mais para £ 807 milhões.
Como resultado dos cortes, as principais agências científicas agora estão começando a ficar sem dinheiro. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por exemplo, pode não ser capaz de pagar empregados e pesquisadores este mês, enquanto outros importantes centros de ciência e pesquisa como o Observatório Nacional e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais também estão enfrentando restrições nos fluxos de caixa.
Um instituto particularmente atingido é o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, que enfrenta sua pior crise financeira já registrada. É muito provável que o dinheiro acabe nesse mês e que o instituto não seja mais capaz de manter sua infraestrutura de laboratório de £24 milhões ou até mesmo de pagar despesas básicas, como eletricidade. O CBPF, que realiza pesquisas sobre uma variedade de temas, que vão da nanotecnologia à física de alta energia, é um dos principais institutos de física do país. Ele também serve como o principal pólo da infraestrutura acadêmica da Internet, de onde dependem diversas instituições científicas, como o Instituto Nacional do Câncer.
Durante as Olimpíadas de 2016 na cidade, por exemplo, as instalações do CBPF foram utilizadas como sede da segurança digital do evento.
Para manter seus laboratórios em 2017, o CBPF necessita de £ 5,6 milhões – aproximadamente o que a instituição vem recebendo nos últimos anos. No entanto, o orçamento deste ano foi de apenas £ 1,8 milhões. “A má notícia é que esse dinheiro será eliminado até meados de setembro”, diz o físico Ronald Shellard, presidente do CBPF. Segundo Shellard, o CBPF talvez consiga sobreviver até o final do ano com um orçamento anual de £ 3,5 milhões “sem ter que despedir pesquisadores ou funcionários de outros departamentos”. Mas os problemas financeiros, ele sente, estão prejudicando as tentativas de desenvolver um sólido programa científico de pesquisa no CBPF.
Fuga de cérebros
O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) do Brasil afirma que as restrições financeiras que atingem o CBPF serão negociadas mensalmente. Os representantes do Ministério negaram o pedido da Physics World para uma entrevista, mas declararam que vêm trabalhando em conjunto com outras instituições governamentais para aliviar os efeitos que os cortes recentes tiveram nas instituições de pesquisa.
“Nós reconhecemos a importância dos investimentos em ciência e tecnologia como vitais para o desenvolvimento do país e trabalhamos para a recuperação do orçamento total inicialmente esperado para este ano”, afirmam.
De acordo com Shellard, no entanto, o MCTIC não deve ser culpado pela falta de recursos financeiros, mas, sim, os membros do governo que acham, segundo ele, que a ciência é um tópico secundário. “Eu não acredito que isso seja parte de um plano governamental perverso para desmantelar o esforço científico do país; é mais como se o governo não tivesse nenhum plano”. Na verdade, ele está otimista, apesar dos problemas, que uma solução para a crise pode ser encontrada.
No entanto, muitos pesquisadores brasileiros, particularmente aqueles que estão começando, já estão saindo do país. “O atual status quo tem sido desencorajador para as novas gerações de cientistas”, diz o físico Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “Se nenhuma ação for tomada em breve, o futuro da ciência e tecnologia brasileira será dramático”.
Cenário Apocalíptico
Além dos protestos e petições, membros da comunidade científica também estão regularmente se dirigindo a Brasília, a capital do país, para persuadir os políticos e os legisladores de que a ciência é crucial para a economia do país e não uma despesa trivial. “Curiosamente, muitos políticos no Brasil parecem ter dificuldade em entender essa mensagem”, diz Shellard.
Tão séria é a situação, que o departamento de comunicação do CBPF tem veiculado uma campanha de conscientização pública inspirada no metafórico “Relógio do Apocalipse”, usado pelo Bulletin of the Atomic Scientists como um aviso do risco de uma catástrofe global. De acordo com a campanha do CBPF, “2017 pode ser o ano em que o relógio da ciência brasileira se aproxima da meia-noite”.
A versão original do texto, em inglês, pode ser acessada neste link.
Tradução: Daniela Klebis – Jornal da Ciência