Revisão da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para tornar-se carbono neutro até 2050 e cortar em 50% as emissões até 2030. Redução em 30% das emissões de metano até o final da década e fim do desmatamento até 2030. Estes foram os principais compromissos assumidos pelo Brasil durante a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26).
A questão de como cumprir essas promessas foi o tema do painel “Que caminhos trilhar no cenário político ambiental nacional pós COP26?”, realizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) na sexta-feira (3/12).
Mediado pela coordenadora do Grupo de Trabalho de Meio Ambiente da entidade, Luciana Barbosa, o evento contou com a participação de Paulo Artaxo, vice-presidente da SBPC, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP); Ane Auxiliadora Costa Alencar, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), e os deputados federais Rodrigo Agostinho (PSB-SP) e Alessandro Molon (PSB-RJ), membros da frente parlamentar em defesa do meio ambiente da Câmara.
Realizada há um mês, em Glasgow, Escócia, a COP26 reuniu cerca de 200 países para discutir como chegar à neutralização de Gases de Efeito Estufa (GEE) de forma a limitar o aquecimento global em 1,5°C, indicado como o mais seguro para a vida no planeta pelos cientistas do IPCC.
Paulo Artaxo lembrou que a primeira COP, a de Estocolmo, está completando 50 anos em 2022 e, considerando o aquecimento global no período desde então, está claro que a resposta dada pela sociedade não correspondeu aos apelos da ciência. Os dados constantes do último relatório do IPCC, divulgado em agosto, mostram claramente que não houve reversão da tendência de alta da temperatura da Terra.
“O IPCC deixa muito claro qual o perigo que nossas sociedades correm com os aumentos de temperaturas médio de 4°C”, afirmou o vice-presidente da SBPC, destacando que o Brasil pode ser um dos mais prejudicados. “O Brasil, que depende tão fortemente da agropecuária, pode não ser tão viável em um futuro muito próximo”.
Para Artaxo, os desafios para 2022 não são fáceis e passam por reduzir a pegada de GEE em todas as empresas e cadeias de valor e o engajamento do Congresso e dos partidos na construção de uma política de estado. Desse ponto de vista, opinou, a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) é fundamental para a geração de soluções para reduzir as emissões, mas também para a geração de empregos, aumento da renda, inclusão social e redução das desigualdades em todos os níveis. “Por último, a perspectiva jurídica, com monitoramento destes compromissos assumidos na COP26, tanto nas esferas nacional quanto subnacionais”, completou.
Ane Alencar lembrou que o maior problema do Brasil na emissão de GEE está na derrubada das florestas que se dá com o avanço da pecuária especulativa sobre as chamadas Florestas Públicas Não Destinadas (FPND), além de atividades ilegais como mineração e tráfico de drogas. “Isso tem que ser combatido”, declarou a pesquisadora do IPAM, frisando a necessidade de avançar no “comando e controle inteligentes” e de tirar essas terras do mercado. “É preciso uma posição de governo de fato dizendo que isso não será mais tolerado, a começar pelo presidente da República e o Congresso”, afirmou Alencar.
Rodrigo Agostinho falou dos ataques que o meio ambiente vem sofrendo no Congresso, com a apresentação de projetos que desmontam a proteção das florestas, da biodiversidade e dos territórios indígenas, muitos deles já aprovados.
“Nesse fim de ano estão para ser votados no Senado a lei de licenciamento ambiental, a lei da grilagem e a que dá fim a áreas de preservação permanente em zonas urbanas”, alertou Agostinho. Para ele, o combate ao desmatamento exige políticas públicas, recuperação dos investimentos em CT&I e participação social. “Acho que o parlamento tem um papel importante, mas não se esgota no parlamento”, afirmou.
Alessandro Molon disse que já existe um projeto de lei de autoria dele obrigando o Brasil a tornar-se carbono neutro até 2050, que ainda não foi votada. Por enquanto, disse, o compromisso assumido pelo governo na COP26 é apenas “de boca”. “Nossa pressão vai continuar, sabemos que a composição do Congresso (atualmente) é desfavorável à nossa causa, então, ao lado disso se soma nossa resistência”. Para Molon, no entanto, é preciso exigir dos candidatos em 2022 compromisso com a defesa do meio ambiente.
Assista o painel na íntegra pelo canal da SBPC no Youtube.
Jornal da Ciência