Cortes de verbas, atraso no pagamento de bolsas, suspensão da Avaliação Quadrienal, “regularização” do Conselho Técnico-Científico. Esses foram os principais assuntos discutidos durante a audiência pública sobre a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), realizada pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados nessa segunda-feira (18). Fernanda Sobral, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), participou da reunião interativa, que teve transmissão ao vivo pelo portal e-Democracia.
Durante a audiência, os participantes manifestaram preocupação com a situação atual das bolsas da Capes e com os cortes orçamentários na área de ciência e tecnologia. Segundo Cláudia Mansani Queda de Toledo, presidente da Capes, a entidade tem hoje uma dívida social do pagamento da folha do mês de setembro (que teria que ser paga em outubro) relativa a 60 mil bolsistas. Durante a audiência, Toledo pediu aos parlamentares urgência na aprovação do Projeto de Lei (PLN) 17/21, que complementa em R$ 43 milhões os recursos da Capes para a formação de professores da educação básica. “Os recursos já foram liberados pelo governo federal, mas precisam da aprovação do PLN 17, que tem uma rubrica de R$ 43 milhões necessários ao pagamento dos programas da educação básica”, afirmou. “Com a aprovação do projeto, procederemos imediatamente ao pagamento das bolsas”.
O pedido foi reforçado por Sobral: “Solicito aos parlamentares todo o cuidado para que sejam liberados esses recursos. Vocês não imaginam a importância que essas bolsas têm para a licenciatura”.
A presidente da Comissão de Educação, deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), afirmou ser importante se mobilizar para evitar que aconteça com o PLN 17/21 o mesmo que aconteceu com o PLN 16/21, que previa R$ 690 milhões de recursos para a área de ciência e tecnologia, mas teve mais de 90% de seu valor remanejado para outras pastas. “Nós tínhamos um PLN, na verdade, um reforço orçamentário para várias áreas, e para a área de C&T — que tem influência direta no sistema de bolsas e de financiamento de pesquisa — houve um corte de 92%”, comentou.
O deputado Rogério Correia (PT-MG), que pediu a audiência, avalia que o planejamento para o pagamento de bolsas deve ser anual, e não pode ser pleiteado mensalmente pela Capes. “A insegurança é muito grande. Ficar a cada mês dependendo de PLN específico pode ser fatal para a questão da educação”, enfatizou.
Avaliação Quadrienal
A suspensão da Avaliação Quadrienal 2017-2020 foi um dos principais temas abordados. Movida pelo Ministério Público Federal (MPF), a ação civil pública que suspendeu a avaliação visa esclarecer os critérios da avaliação.
Na audiência, a presidente da Capes observou que a avaliação “é uma contribuição de aperfeiçoamento, de comparabilidade, e só se atribui notas por meio de uma comparação. Existe um suporte de avaliações, indicadores, critérios comparativos, discussões, amadurecimentos e compartilhamento de experiência de docentes. Portanto, a avaliação é um pedaço da atuação da Capes”.
A Avaliação Quadrienal é o principal instrumento de controle de qualidade da pós-graduação brasileira. É por meio dela que são definidas as notas dos programas de pós-graduação e que diversos gestores decidem a destinação de recursos públicos, como a concessão de bolsas. Sua suspensão afeta mais de quatro mil cursos de pós-graduação stricto sensu em funcionamento.
“A avaliação quadrienal possui importância central para garantir a qualidade da pós-graduação brasileira e identificar os programas que atendem ao padrão de qualidade exigido para cada nível de curso, possibilitando assim, a renovação do seu reconhecimento pelo Conselho Nacional de Educação”, explicou Correia.
Para Carlos Henrique de Carvalho, presidente do Fórum de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (FOPROP), é essencial retomar a Avaliação Quadrienal para definir os parâmetros para o financiamento da pesquisa no Brasil a partir de 2022. Segundo Ricardo de Mattos Russo Rafael, coordenador do Fórum de Coordenadores da Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), um dos efeitos da suspensão da avaliação é a paralisação na apresentação de propostas de novos cursos.
Stella Ferreira Gontijo, vice-presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), salientou que a suspensão da Avaliação Quadrienal é prejudicial à C&T nacional. “Esse enfraquecimento da pós-graduação causado pela paralisação da avaliação pode causar prejuízos, como o apagão dos dados da ciência produzida no Brasil, a desregulamentação da pós-graduação e dificuldades na redistribuição de verbas. E isso interessa a quem? Nós devemos ficar atentos a isso. Para nós é fundamental que a ciência brasileira continue sendo produzida a partir do interesse público da população, e não fique refém de interesses privados”, alertou.
Sobral enfatizou a importância da avaliação para a C&T e questionou o que estava sendo feito para sua retomada. “Que providências imediatas estão sendo tomadas para se destravar esta liminar?”
A presidente da Capes observou que há um “esforço nacional muito grande” para a retomada dos trabalhos, e informou que todas as informações técnicas já foram encaminhadas pela Capes à Advocacia Geral da União (AGU).
Conselho Técnico-Científico
No mês passado, a Capes destituiu todos os membros do Conselho Técnico Científico do Ensino Superior (CTC-ES) após a constatação de irregularidade no número de integrantes. Em seguida, “regularizou” a situação. Os novos membros do CTC-ES foram empossados em 27 de setembro, cinco dias após a divulgação da lista de eleitos pelas áreas de avaliação. Segundo Toledo, o CTC teve sua atuação suspensa devido a irregularidades contatadas pela AGU. “O CTC-ES é um órgão composto por 18 membros das áreas de avaliação, eleitos pelos seus pares. A Capes detectou uma irregularidade na portaria de nomeação de 2018, com 20 nomes no lugar de 18”, explicou.
Diálogo contínuo
Os participantes também ressaltaram a necessidade de manter o diálogo entre a Capes e as sociedades científicas. Para Fabiane Maia Garcia, coordenadora do Fórum de Coordenadores de Programas de Pós-graduação em Educação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), falta comunicação com os pesquisadores. “A ausência desse cenário claro, dessa posição da Capes em relação ao que está acontecendo, gera um conjunto de inseguranças, porque nós não temos hoje certeza em relação ao processo de avaliação e nos falta clareza sobre o que de fato a Capes está fazendo em relação a tudo isso”.
Gontijo também pediu mais diálogo com a comunidade científica e que se fortaleça a relação com os pesquisadores, assim como sua autonomia.
Para Sobral, essa participação das entidades e comunidades científicas é fundamental. “É importante agora se pensar o futuro com a participação das entidades e das associações científicas”, enfatizou.
O deputado Rogério Correia informou que o conteúdo da audiência será enviado ao MPF e à AGU e que a comissão vai solicitar urgência na resolução das questões.
Assista à audiência na íntegra aqui
Chris Bueno – Jornal da Ciência